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Cracia do Demo – por Orlando Fonseca

Desde sempre, Democracia 'é virtude que vem do povo- como indica seu nome'

Dentre as nossas carências, nesse imenso país abençoado por Deus (por vezes tendo a desacreditar, mas sou um crente empedernido), está a da democracia como valor. Não sei ao certo quando perdemos, se foi naquelas quadras tenebrosas da ditadura civil-militar, se foi ao longo da nossa convalescença da Nova república, ou se foi por banalizarmos mecanismos de condução política, como o toma-lá-dá-cá, a CPI por qualquer coisa, ou com o impeachment espetaculoso.

Desde que surgiu na antiguidade da cultura grega, passando por solo americano e europeu moderno, trata-se de uma virtude que vem do povo (aliás, como indica o seu nome). Nos limites deste imenso país tropical, como sabemos, as peculiaridades de seus habitantes é capaz de transformar tudo o que nos tem chegado de além-mar, desde que Cabral aportou nestas praias. Nem sempre nossa antropofagia foi capaz de nos fornecer alimento para o espírito cidadão.

Essa impressão me ocorre porque me sinto fatigado, tentando ser um democrata, defendendo a vida republicana, em meio a um número crescente de fascistas, fundamentalistas e negacionistas de toda ordem e feitio.

A partir de Umberto Eco, em sua obra O fascismo eterno, passei a entender que este regime não é um fenômeno datado, localizado no tempo, durante e em seguida à Segunda Guerra. Trata-se, porém, de uma construção permanente que vem de muito antes e continua a procriar em nossos dias.

Para aqueles que consideram a democracia um valor, uma necessária ação da cidadania, com vistas a criar um ambiente de vivência saudável em sociedade, é difícil conviver com aqueles que, simplesmente, atropelam os protocolos, as convenções, o marco legal, para fazer valer a sua ideia ou proposta.

Para estes, que não respeitam a diversidade, não basta desconhecer as leis e os limites do estado de direito, precisam erradicar todo vestígio de oposição. Não importando se, para isso, precisam ir além da retórica, lançando mão da arma que estiver à disposição, seja branca, seja de fogo, ou até mesmo um tacape (há quem use uma coisa parecida, os tacos de beisebol).

Torna-se quase impossível o debate com quem se propõe a tão somente negar tudo o que a civilização nos legou como ferramentas para o diálogo. Se pensarmos que a ciência começa a ter a vertiginosa evolução, no fim da Idade Média, adquirindo aperfeiçoamento com o uso dos métodos, o uso da razão – em lugar da mistificação religiosa-, vamos chegar à constatação de que o negacionismo é a tentativa de anular a razão – o pensamento racional que nos identifica como seres humanos, que nos diferencia dentre os animais. Ou seja, um retrocesso à idade das trevas.

Como explicar, por exemplo, que alguém seja contra os protocolos sanitários preventivos, adotados nesta pandemia? Que, após anos e anos de aplicação, alguém seja contra a vacinação em massa, para evitar que a mortandade vire genocídio?

Já por ser algo que envolve a vida, está acima de qualquer outra observação, mas os atentados à razão vão ainda além, com a finalidade de, dentro das regras democráticas, anular a própria democracia.

Só assim podemos explicar que alguém seja contra a urna eletrônica, nestas alturas da vida política nacional. Se houvesse alguma prova – não forjada – de fraude eleitoral, haveria justificativa para tal defesa, no entanto não há.

Pelo contrário, o voto impresso é que tem dado inúmeras razões para que não se deixe de usar a forma eletrônica de votação, isenta, robusta contra qualquer tentativa de burla. Só posso imaginar que se trata de hipocrisia, de oportunismo. Gente de bem que se anuncia conservador, mas que não hesita em pôr em prática valores nada cristãos, nada nobres, nada democráticos.

Penso que a tentativa é que, sendo brasileiro, Deus tentou fazer neste país-continente um paraíso, mas é o Demo que está mandando no pedaço. No que produz um regime falso, em que democracia ganha conotações tenebrosas. Não é apenas impressão, meu ceticismo só tem aumentado nos últimos anos.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Nota do editor: a imagem que representa a democracia participativa não tem autoria determinada e foi reproduzida a partir do site da Ebradi – Escola Brasileira de Direito (AQUI)

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8 Comentários

  1. Desde a Idade Média as representações do Demo e do Inferno têm cor vemelha. Não deve ser coincidencia. Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é, dizia Lenin.

  2. Questão do voto eletronico no Brasil é uma piada. Auditoria seria importante. Adulterar a urna teria que ser por software. Que é feito por meia duzia de pessoas numa sala e pouca gente entende do que se trata. Não, confiança não é compulsória. Desconfiança, ceticismo, não são irracionais. Adulteração (seja por nacionais ou estrangeiros) na apuração centralizada de BSB não é impossivel. Nenhuma das hipoteses seria barata.
    Urna, ao final do pleito, emite um boletim. Total de votos por partido; total de votos por candidato; total de votos nominais; total de votos de legenda, quando for cargo proporcional; total de votos nulos e em branco; total de votos apurados; eleitorado apto para votar na seção; identificação da seção e da zona eleitoral; hora do encerramento da eleição; código interno da urna eletrônica; e a sequência de caracteres para a validação do boletim. Estas informações poderiam ser divulgadas mais amplamente no dia da eleiçao. Computador para fazer totalização não existe em todo lugar, mas seria sinalização de boa vontade, algo que não existe atualmente.

  3. Há quem diga que estamos no limiar de uma nova Idade Média. Crise da democracia pelo mundo, descredito das instituições e, principalmente, privatização do poder. Basicamente grandes corporações. Outra história.
    Pergunta que não quer calar: se houvesse fraude eleitoral hoje, como seria produzida prova? Não tem como. Em 2009 o Tribunal Constitucional Alemão considerou o voto eletronico inconstitucional. Nenhum espanto, o meio como é exercido o direito de voto numa ‘democracia’ é escolhido em gabinete por uma minoria, a população é o ‘populacho’, uma ‘massa de ignorantes’? Os partidos escolhem os candidatos de forma longe de ser democratica. É uma democracia ou um faz de conta?

    https://www.dw.com/pt-br/tribunal-alem%C3%A3o-considera-urnas-eletr%C3%B4nicas-inconstitucionais/a-4070568

  4. Negacionismo é mais um rotulo. Algum imbecil inventou um ‘sommelier de vacina’. Não sei o que passa na cabeça desta gente (talvez vento). Criatura não quer tomar vacina. Inventam um ‘apelido’, talvez acreditando em ‘pressão social’. Qual a reação mais provavel, sair correndo para tomar vacina ou entrincheiramento nas convicções? Resumo da ópera: rótulos são guerra de bugio, só pioram a situação e propiciam o conflito. Dai mesmo é que o ‘dialogo racional’ não sai. Alás, teve gente aqui mesmo da UFSM postando defesa da ciencia e ataque ao negacionismo na rede social e logo em seguida postar fotos de visita ao museu dos Ovnis de Itaara. Hipocrisia ou falta de capacidade cognitiva?

  5. Vivencia saudavel em sociedade consegue-se com uma regra simples: ‘fica na tua que nada de mal te acontece’. O que se ve é o pessoal que defende a ‘igualdade’ (geralmente uns são mais iguais que os outros) querendo impor seus valores ao resto da sociedade utilizando o Estado, a ‘cultura’ (com dinheiro de impostos), a midia e a educação (viva Grasmsci). ‘Igualdade’ supõe uma sociedade homogenea, para isto as ‘tribos’ discordantes têm que ser erradicadas (o discurso beira o ateismo compulsorio).
    Taco de beisebol é coisa de burgues. Cabo de machado é mais facil de encontrar.

  6. Perseguir a ‘democracia como valor’ é coisa de previlegiado. Grande maioria tem que ‘apertar parafuso’ 44 horas semanais, ganhando pouco e muitas vezes aguentando um chefe ‘mala’. Chega em casa e tem que resolver os problemas da familia ou tentar conseguir um pouco de entretenimento para esquecer da vida. Há quem sonhe que a criatura ainda teria que achar tempo para ir numa Camara de Vereadores para jogar conversa fora. Cada um dos edis ganha 10300 por mes. Detalhe: um professor adjunto recentemente aprovado em concurso na UFSM ganha 9600 (metade é salario e metade gratificação pela titulação). O professor não tem acessores (ao menos no inicio), dinheiro para gasolina, selos e telefone de graça. Diferença na formação nem se discute (alás, para o adjunto é necessário doutorado, ou seja, criatura já passou um bom tempo ganhando pouco e não raro aguentando um chefe mala). Resumo da ópera: tem gente ganhando muito bem e não fazendo o serviço direito.

  7. Fundamentalistas? Referencia a grupos religiosos provavelmente. Os defensores do regime de Cuba e Venezuela também são fundamentalistas. Vazam imagens de manifestações (e da repressão) na ilha e já largam um ‘embargo’. Os mais incautos caem no truque e começam a discutir o assunto (o mesmo vale para fascista, negacionista e fundamentalista) e deixam de lado o assunto principal. No Porto de Mariel transitam (na pandemia diminuiu) o equivalente a mais de 300 mil containers de 20 pes por ano.
    Os vermelhinhos daqui falam em democracia, mas nos paises sob ditadura vermelha ‘é assunto interno’.

  8. Problema é que a democracia deixou de entregar resultados para a população. Não só no Brasil. Alás, andam ocorrendo manifestações contra lockdowns na Itália, França e Tunisia.
    Democracia na cultura grega não é bem o que falam. Alás, Atenas começou uma expansão para exportar o sistema politico e acabou causando a Guerra do Peloponeso.
    Fascista é apelido que os vermelhinhos colocam em qualquer um que seja radicalmente contra eles. Coisa do Stalin, chamava até os nazistas (não é a mesma coisa). Não existem fascistas em ‘campo aberto’ no cenário politico, é só mais uma tentativa de associar um apelido com conotação negativa. Alás, a CLT é baseada numa lei fascista.

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