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As rebeldias que urgem no 20 de Setembro de 2021 – por Valdeci Oliveira

Análise crítica, mas também o reconhecimento da importância da luta farrapa

A maioria das datas comemorativas trazem consigo, além do representativo e simbólico, alguma reflexão embutida. Assim é com o Natal, Ano Novo, Páscoa, Dias das Mães ou dos Pais, Dia da Criança, cujas reflexões podem ir do campo meramente comercial ao mais subjetivo, aquele que envolve solidariedade, esperança ou religiosidade.

O mesmo vale para datas, digamos, políticas, aquelas que os povos escolhem para dar algum sentido a processos de formação de identidade. Independentemente das narrativas, o debate gerado naquele momento de celebração, mesmo que não profundamente, serve para que olhemos as coisas com outros olhos, seja o passado em questão ou o momento atual.

E o nosso 20 de Setembro não foge à regra, não é diferente. Feriado estadual desde 1978, na data, desfilamos a nossa cultura, reafirmamos compromissos, enaltecemos certo espírito guerreiro, rebelde. É o nosso importante marco referencial do que veio a ser oficialmente a descrição da nossa formação enquanto seres políticos e sociais agrupados em um estado, na busca por um imaginário coletivo.

Uma data histórica que, mesmo permeada de contradições, injustiças, traições e muito sangue – a maioria vinda do povo não abastado – mexeu com as peças do xadrez político da época. E na sua esteira, mal ou bem, se plantou algumas sementes de ideias progressistas, mesmo que estas tenham demorado a aparecer e, depois, custado a germinar. 

Reconhecer os nossos valores enquanto povo e reconhecer o movimento que estremeceu parte dos pilares das elites da época – mesmo este mantendo na base das estruturas aqueles e aquelas que sempre estiveram relegados a um segundo plano – não significa perder o senso crítico nem deixar de lado os reais motivos que nos levaram ao belicismo e a colocar irmãos contra irmãos em nome de ideais como liberdade, igualdade e humanidade. Reconhecer isso não é descrédito e muito menos demérito à nossa história. Pelo contrário, é valorizá-la enquanto processo de transformação. Muito já se escreveu e certamente um outro tanto ainda será escrito.

Foi assim com o debate sobre a necessidade dos festejos do 20 de Setembro incluírem, com a devida importância e reconhecimento, a participação dos negros colocados na frente de batalha de uma luta que sequer era sua. E, mesmo assim, não recebendo por isso o prometido e o acordado.

Da mesma forma, devemos buscar nos ideais Farroupilhas uma atualização dos seus desejos. Ao meu ver, é caso de não aceitação e de rebeldia por parte dos gaúchos e gaúchas do século 21 a indigência que se avoluma e se aglomera, a cada dia que passa, sob as marquises em nossas calçadas, debaixo de nossas pontes e junto aos viadutos.

É caso de insurgência e repúdio, por exemplo, a situação humilhante e desumana imposta a milhares de homens e mulheres do nosso Rio Grande, de crianças a idosos, que, por conta de necessidades especiais, dependem do estado para sentir o gosto do que é qualidade de vida, mas, em troca, recebem fraldas que não retém suas urinas e fezes ou têm acesso a sondas descartáveis em quantidade insuficiente que os obriga, com riscos à saúde, a reutilizá-las.

Que neste ano, sejamos contaminados pela rebeldia e cobremos do governo o reconhecimento do valor dos nossos educadores e educadoras, que estão há sete anos sem um centavo de reposição em seus já irrisórios salários.

Que a luta contra o Império no passado ressurja travestida na defesa intransigente da água como um bem público e de acesso universal e não como uma commodity a ser negociada na Bolsa de Valores.

Que em nossos feitos, capazes de servir de exemplo a toda Terra, se inclua as mães solo que sobrevivem com seus filhos abaixo da linha da pobreza para que de fato recebam o auxílio emergencial prometido.

Que nos ideais dos Farroupilhas não haja espaço para o preconceito, o machismo, a falta de empatia e o abandono alheio. Que esses mesmos ideais reservem lugar cativo para o resguardo dos direitos sociais – como uma aposentadoria digna e justa, um emprego que nos alimente honestamente e uma educação que nos faça pensar.

Se não for pedir demais, ainda desejo uma Revolução pacífica, feita por corações e mentes encharcados por valores democráticos e que resulte em continuarmos a acreditar no valor e no compromisso assumido por aqueles que representam o povo. 

E um exemplo de que nada é imutável e de que crer na esperança é alvissareiro vem justamente da edição atual dos festejos do Dia do Gaúcho e da Gaúcha. Neste 2021, pela primeira vez, uma mulher negra – a declamadora, radialista e ativista cultural Liliana Cardoso – é homenageada como patrona da Semana Farroupilha. Que os bons ventos nos tragam, de forma definitiva e com os verdadeiros significados dos termos, a liberdade, a igualdade e a humanidade.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. Também é 1º Secretário da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa e Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287.

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