Donzelas Guerreiras 4. Catalina de Erauso (c. 1585-1652), a Monja Alferes – por Elen Biguelini
A militar espanhola que passou (quase) toda a vida usando trajes masculinos
A chamada Monja Alferes foi uma militar espanhola, que viveu praticamente toda a sua vida trajando vestes masculinas. Isto leva a alguns pensadores discutirem a questão de sua identidade de gênero, visto que a personagem parecia se identificar como homem.
Trataremos aqui de Catalina no feminino não como forma de apagar sua identidade ou discordar desta interpretação, mas apenas seguindo os textos que temos utilizado como fonte, que também a tratam no feminino.
A futura alferes nasceu na vila de São Sebastião, Guipúzcoa, em 1585. Foi filha do capitão Dom Miguel de Erausto e de sua esposa Dona Maria Pérez de Galarraga y Arce. Percebe-se que era membro de uma elite local, e foi criada por seus pais e irmãos naquele local, até que foi levada aos quatro anos de idade para o convento de San Sebastian el Antíguo.
Sua tia era a Prioresa deste convento e nele a pequena Catalina foi educada. Com apenas 15 anos, mas já percebendo que não se adequava à vida monacal, a jovem fugiu do convento e logo passou a trajar vestes masculinas como forma de se esconder.
Segundo suas próprias memórias, após a fuga, a antiga noviça passou três dias sobre uma árvore próxima ao convento, tecendo das vestes femininos os seus trajes de homem. É interessante como a jovem travestida frequentemente encontrou pessoas de sua família enquanto se vestia com trajes masculinos, e ninguém descobriu a sua identidade.
Mesmo quando seu pai foi visitar um senhor para quem a jovem trabalhava, e teria mesmo conversado com o rapazote travestido, não percebeu nos trajes e corte de cabelo as feições de sua filha que havia fugido.
Como grumete do navio de um tio, passou a viajar pelas colônias espanholas. Passou por diversas situações perigosas, tendo muitas vezes se envolvido em brigas e sido, inclusive, presa. As diversas amantes e os diversos casos eram uma das razões das muitas vezes em que se viu lutando com maridos e pais.
Foi noivo por diversas vezes de algumas senhoras, mas sempre fugia com dotes e presentes recebidos antes que as núpcias fossem celebradas. Mas é a sua carreira militar que a denota a presença nesta lista de donzelas guerreiras.
Durante suas inúmeras viagens, passou grande parte da vida em parte da América do Sul, em terras espanholas, lutando contra os indígenas locais. Demonstra em suas memórias (que rodaram de forma manuscrita, até que foram publicadas no século XIX) que tinha uma sede pelo sangue indígena.
Uma das vezes em que teve profissão de militar (visto que suas andanças lhe deram diversas profissões diversas em diversas localidades) foi em Concepcíon, no Chile, onde foi alferez abaixo de seu irmão, o capitão Miguel de Erauso.
Este, que havia convivido pouco tempo com esta irmã que havia fugido do convento, não teria como a reconhecer após tantos anos abaixo e camadas de vestimentas masculinas, cortes de cabelo curtos, e faixas que possivelmente escondessem seus seios.
Assim, junto a seu irmão guerreou diversos indígenas chilenos. Após três anos de trabalho com aquele familiar que pouco havia conhecido na infância, teve que sair da cidade após se envolver romanticamente com uma amante de seu irmão, que a esfaqueou como forma de compensação após descoberta a traição.
Suas andanças continuam e Catalina, que assumiu diversos nomes ao longo da vida, se via constantemente em meio a batalhas com índios, com maridos e outros homens. Certa vez, matou um senhor e teve que ser escondida em uma Igreja. O Bispo do local lhe pediu que explicasse quem era e que relatasse toda sua vida.
Após contar a história que habitualmente utilizava, optou por dizer a verdade. Virou, então, uma atração. Foi levada até mesmo ao Papa (ainda que sua possível visita ao Papa não tenha provas irrefutáveis de que teria acontecido).
A sua virgindade, que ela afirmara ter mantido durante todos aqueles anos, foi verificada pelos religiosos. Catalina morreu provavelmente no México, no ano de 1652. Como suas memórias teriam sido escritas em 1626, estes últimos anos de sua vida permanecem desconhecidos.
Fontes:
ERAUSO, Catalina de. La historia de la Monja Alférez, escrita por ella misma. Comentada y editada por Joaquín María Ferrer. París: Imp. de Julio Didot, 1829
SERRANO, Sónia. Mulheres Viajantes. Lisboa: Tinta da China, 2014.
Para ler mais:
Wikipedia em espanhol, sobre Catalina de Erauso. Imagem utilizada: Retrato de Catalina de Erauso (c.1626), atribuido a Juan van der Hamen, Fundación Kutxa.
https://es.wikipedia.org/wiki/Catalina_de_Erauso
Imagem utilizada: Retrato de Catalina de Erauso (c.1626), atribuido a Juan van der Hamen, Fundación Kutxa.
(*) LEIA também Donzelas Guerreiras 1: o mito (AQUI), Donzelas Guerreiras 2: Antónia Rodrigues – (AQUI) e Donzelas Guerreiras 3. Jovita Feitosa (1848-1867) (AQUI)
(**) Elen Biguelini é Doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no site.
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