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Ultraconservadores, extrema-direita e a construção do inimigo – por Michael Almeida Di Giacomo

“Há simbiose perfeita entre a turma bolsonarista e o eleitor ultraconservador”

Falta um ano e dezesseis dias para a realização do primeiro turno da eleição do novo (espero) comandante do país. Há poucos dias, no sete de setembro, o atual mandatário – não tem como negar – deu uma demonstração ímpar de capacidade de mobilização da sua massa.

Por que ímpar?

Eu não conheço, na história mais recente da República e até de outros países democráticos, uma situação na qual milhares de pessoas – num dia de descanso – saem voluntariamente às ruas para demonstrar apoio ao governante de um país com alto índice de desempregados, milhões de pessoas na linha da extrema pobreza, o litro da gasolina ao custo de 7 reais e um botijão de gás com valor equivalente a 10% do salário mínimo.

Dá para seguir em frente, como por exemplo, a dúzia de ovos a 6,99 reais. Se você vai ao supermercado, sabe o que está acontecendo na economia das famílias brasileiras. Não preciso mais falar.

E toda essa má gestão passa a ser refletida nas pesquisas de opinião sobre a condução das políticas governamentais, que tem avaliação negativa de 61% – dados do Instituto Atlas, divulgados no jornal Valor Econômico.

O interessante é que a questão econômica não é, nem por um segundo, lembrada pelos messiânicos que saem de verde e amarelo, em seus carrões de luxo, a responder ao chamado do capitão. Paulo Guedes só é manchete por conta das suas falas preconceituosas contra às pessoas pobres.

E por que se deixam inebriar pelo delírio bolsonarista?

Em sua grande maioria, o movimento se apresenta como uma massa “crítica” que atua de forma horizontal. Isso, por si só, já é um diferencial em relação aos movimentos populares que estamos acostumados a acompanhar no curso da história política nacional.

Não há um comando único. Talvez unificado, mas não tem como saber.

No meio bolsonarista todo ator pode ser um protagonista, seja na internet, seja nas ruas. Como disse o jornalista Pedro Doria, “os militantes são envolvidos numa narrativa em que se tornam o grupo seleto que compreende ‘qual o verdadeiro problema do país’”.

O referido modelo de atuação, do ponto de vista político, facilita o abastecimento de argumentos rasos e de fácil cognição, que se tornam o grande carro chefe da “luta por liberdade e contra o comunismo”.  O delírio é tamanho que os bolsonaristas denunciam haver presos políticos no Brasil. E que, sem motivação alguma, só a turma da direita (extrema) é que recebe ordem de prisão.

Pois é…

O interessante é que o movimento bolsonarista não é formado somente pela aristocracia “Brasuca”. Não! Tem pilares bem firmes nos estamentos sociais menos afortunados.

É de impressionar, mas é verdade. Penso ter relação direta com a oportunidade de a pessoa sentir-se protagonista na história que está sendo escrita. Ele não é mais um Ser invisível, lembrado a cada dois anos do calendário eleitoral.

Para ficar em um só exemplo. Eu mesmo já presenciei motorista de Uber, mais de um, a defender o capitão e acreditar que a culpa pelo alto preço da gasolina – que não o deixa auferir mais dinheiro (sim, pois lucro ele não tem nenhum) é dos governadores. É só baixar a alíquota de ICMS, dizem.

Em pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo, no último domingo, constatou-se que 4% do eleitorado ou 6,5 milhões de pessoas defendem pautas tidas como ultraconservadoras.

A trupe ultraconservadora, segunda a pesquisa, entende que cota para pessoas negras prejudicam a sociedade, são contra a união homoafetiva, desconfiam das urnas eletrônicas, defendem voto impresso e que o Estado não deve ser laico. Só faltou dizer que acreditam que a Terra é plana.

Há uma simbiose perfeita entre a turma bolsonarista e o eleitor ultraconservador, a explicitar a formatação da extrema direita brasileira.

E, sob um contexto de precariedade na condução da gestão da república, índices inflacionários nada animadores, perigo de apagão e tantos outros malfeitos na área econômica, social, no “combate” ao coronavírus, entre outros, como manter os liderados ativos e altivos?

Incentivando que tenham um inimigo em comum.

Umberto Eco, em conferência proferida na Universidade de Bolonha, 2008, ao referir-se sobre a necessidade dos homens em construir inimigos, disse que muitos veem como medida do seu valor e identidade; por isso, “quando o inimigo não existe, é preciso construí-lo”.

A força mobilizadora da trupe bolsonarista está organizada desse modo.

É horizontal. Alimenta uma narrativa na qual a própria pessoa – e não a liderança – é protagonista da ação política. Tem um inimigo. E somente a partir do combate a essa “abstração demoníaca” é que o grande empecilho para o governo “deslanchar” será removido e a paz social alcançada.

Ao ser convocada pelo capitão, a trupe emerge das catacumbas do mundo on-line e vocifera todo o seu ódio contra o inimigo, no caso – hoje, o Supremo Tribunal Federal, na pessoa do ministro Alexandre de Moraes. 

Essa narrativa delirante é bem ilustrada pelo escrito de Pedro Doria: “a fantasia criada pelo bolsonarismo é uma que põe o STF no centro de uma conspiração para defender políticos corruptos e valores anti-família, enquanto impede que o país seja governado para as ‘pessoas de bem’”.

Este é o bolsonarismo.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Nota do Editor: a foto do ministro Alexandre de Moraes, que ilustra este artigo, é de Rosinei Coutinho, da Assessoria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal.

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3 Comentários

  1. Pedro Doria não sei quem é, Eco está morto. Alexandre de Moraes ontem era um ‘autor de manuais com conhecimento juridico discutivel’ e agora, segundo os mesmos, é ‘pilar da Republica, inatacável’. Só dando risada!
    Resumo da ópera: vermelhinhos não tem muita penetração na internet, depende de ‘mercenários’ (não conseguem impor suas ‘narrativas’; as prioridades deles não são as da sociedade; enganam muito pouca gente, resultado de 14 anos no poder, diferença entre discurso e pratica é muito grande, além disto o discurso é mesozoico. Finalmente, a classe politica desconsidera mudanças sutis na sociedade, tentam fazer tudo como sempre fizeram. Vamos ver no que dá. Apesar de tudo, se tivesse que apostar hoje, Cavalão não se reelege, próximo governo vai ser fraco e grandes emoções no futuro do patropi.

  2. Gasolina está amarrada no preço do petroleo, não tem magica. ICMS dos combustiveis é conhecido, cobrado sobre um preço de pauta e, se não me engano, ‘por dentro’. No RS ainda tem o tarifaço de Dudu Milk, o impostor. Truque aqui, muito utilizado pela esquerda, é colocar toda culpa no governo federal (ou seja, enganar como costume) como se o mesmo pudesse tudo. No máximo uma sugestão imbecil ‘basta tirar uns silos do bolso e criar estoque regulador’. Soluções simples para problemas complexos, imbecilidades.
    Pesquisas influenciariam a opinião publica. Volta e meia erram clamorosamente e sempre aparece um mimimi para justificar. Resultado é que na opinião publica estão sempre erradas, não influenciam. Chega-se ao ponto de acusações de má fé. Não é a toa que na area comercial utiliza-se mais o Big Data, inteligencia de mercado.

  3. Não é ‘extrema-direita’. Este rótulo foi utilizado para desqualificar e atingir resultados eleitorais. Como a diferença entre o que se ve e o que se diz é muito grande ‘não cola’. A propria ação de utilizar rótulos já é também ‘construção do inimigo’.
    Segundo aspecto é ideologico. Vermelhinhos defendem a passividade (dos outros, bem entendido). A população é uma criança a ser conduzida pela mão (o mesmo acham a maioria dos manifestantes do dia 12). Problema é que esta suposição funciona até a pagina 2. Dai vem a constatação mais espantosa. Nem todo mundo que foi para a rua no dia 7 é ‘Cavalista’, apoia incondicionalmente o PR. É possivel através das entrevistas que realizaram no meio dos participantes. Não uma ‘realidade’ adivinhada em gabinetes ou inventada pela imprensa.
    Quanto a economia faixa etária explica. É gente que já passou por muita coisa. Sabe que o governo Dilma, a humilde e capaz, foi uma M. Que se este povo voltar para o governo (com Ciro da Massa também) o dolar vai a 8 reais ligeirinho. Vão tentar implantar ideias que nunca deram certo porque são ‘de jerico’. Simples assim.

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