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A alternância nos espaços de poder nos diz que soberano é o povo e não o eleito – por Michael Almeida Di Giacomo

A questão do autoritarismo e o exemplo latino-americano mais recente

A história da pequena Nicarágua, país localizado na região central do nosso continente, não difere em nada do que ocorreu em outros tantos países formadores da América hispânica. No decorrer do século XIX, após longo período de espoliação patrocinada pelos espanhóis, os EUA passaram a intervir na vida política e econômica da região.

No século seguinte, face à longa “Ditadura dos Somoza” – que vigeu de 1936 a 1979, os nicaraguenses viveram sob um período de totalitarismo e obscurantismo político, conjuntura muito comum aos países da América Latina.

Contudo, de modo similar ao que ocorreu em Cuba, a partir da rearticulação das guerrilhas sandinistas, a ditadura chefiada por Anastasio Somoza – último membro da família a ocupar a presidência do país – teve seu fim com a chegada ao poder do partido da “Frente Sandinista de Libertação Nacional”.

A denominada “Revolução Popular Sandinista” formou uma “Junta de Governo de Reconstrução Nacional”, composta por sete pessoas – entre elas, Daniel Ortega. O então líder revolucionário, em 1985, foi eleito presidente do país – com 60% dos votos, para um mandato de cinco anos. 

Em 2007, Ortega retornou à presidência da Nicarágua e, desde então, tem governado de forma absolutista, a implantar o que se conhece por “a ditadura Sandinista”. Neste novo contexto, a partir de inúmeras reformas na legislação e no sistema político nicaraguense, tornou-se impossível um candidato de oposição ter êxito na disputa presidencial.

O último pleito eleitoral – dia 7 de novembro – a confirmar o quarto mandato de Ortega à frente da presidência, com 80% dos votos, não pode contar com os principais candidatos dos partidos de oposição, pois, acusados de traição à pátria, estão todos presos.

E o que a “eleição” ocorrida neste pequeno país tem a ver com parte da esquerda latino-americana?

No Chile, a nove dias da eleição presidencial, o candidato de centro-esquerda – que deverá ir para o segundo turno, Gabriel Boric, após o Partido Comunista e outros aliados da esquerda chilena terem lançado um manifesto de apoio ao regime de Daniel Ortega, viu-se obrigado a ir contra seus próprios companheiros de caminhada eleitoral.

Boric buscou acalmar os ânimos dos simpatizantes da ditadura sandinista, ao afirmar na sua conta no twitter, que seu governo “respeitará os direitos humanos e terá compromisso com a democracia”. Enquanto isso, o candidato da extrema-direita, José Antonio Kast, filho caçula de um ex-oficial nazista, pela primeira vez aparece liderando as pesquisas com 30% das intenções dos votos.

No Brasil, o Partido dos Trabalhadores, maior partido da esquerda na América Latina, lançou nota a destacar a eleição nicaraguense como sendo “uma grande manifestação popular e democrática”.  Ao rever a posição do partido, Gleisi Hoffman, afirmou que o PT é a favor da autodeterminação dos povos, contra a interferência externa e respeito à democracia”.

Alberto Fernández, presidente da Argentina, demonstrou preocupação diante da prisão de opositores, ao afirmar que “democracia pressupõe respeitar a diversidade ideológica”, e que é preciso recuperar o diálogo e a convivência democrática na Nicarágua.

Pepe Mujica, ainda em 2018, sobre o regime de Ortega, foi assertivo ao dizer que “ […] os que no passado foram revolucionários perderam a noção de que na vida há momentos que é preciso dizer ‘vou embora’”- e que algo que foi um sonho, se desviou e caiu na autocracia.

De fato, a partir do processo eleitoral nicaraguense, o que se constata é a ratificação de que muitos líderes da esquerda latino-americana ainda vivem presos no início do século XX. A prática bolchevique ainda é fonte de inspiração à implantação de regimes de exceção, totalitários, autocráticos ou ditaduras.

Uma ação política eivada de vícios, na qual “soberano” é o dirigente, não o povo.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Nota do Editor: a foto da Frente Sandinista (sem autoria determinada) é uma reprodução obtida no portal “Brasil de Fato” (AQUI)

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2 Comentários

  1. Gleisi Hoffman o que diz ou deixa de dizer não tem importancia nenhuma. Fernandez tomou um tufo nas ultimas eleições. Argentina precisa de emprestimo do FMI com urgencia e o juro vai ser salgado porque o risco de calote, que já aconteceu no passado, é grande. Por isto que não se dá calote. Mujica deveria ter dado o mesmo conselho para o Bolzan tempos atrás, é melhor sair quando se está ganhando. De qualquer maneira é outro irrelevante. Bolcheviques cairam e a Russia acabou com Putin. Revolução Francesa acabou em Napoleão. Instabilidades, economia bagunçada, levam o ‘pôvú’ a abrir mão de liberdades para obter segurança. Questão que não quer calar, Molusco com L. eleito vai tentar ajudar os ‘paises cumpanheiros’? Afinal o Brasil é um pais ‘rico’, ‘tem o pré-sal’!

  2. Daniel Ortega tem a mesma idade que Molusco com L. Logo estes problemas tem solução no horizonte. Problema da Nicaragua é que deve virar, se já não virou, um ‘failed state’. Como boa parte da America Central. Chile perdeu o rumo e pais sem rumo chega a lugar nenhum. Apesar disto os indices dos chilenos, comparando com a AL são bastante bons. Argentina está em decadencia há 100 anos. Esquerda esta por lá há tempos e o que se vê é o de sempre, intervenção estatal, economia bagunçada e corrupção galopante. Não que governos de centro ou direita não tenham corrupção, é questão de intensidade, não de existencia. Kast, advogado, até prova em contrario de fonte confiavel, não é de ‘extrema-direita’. Pai do sujeito era da Wehrmacht, exercito alemão e não das SS, logo até prova em contrário de fonte confiável, não era nazista. Até porque em estava em idade militar naquela época da Alemanha não tinha muita escolha. Não é questão de opinião, fatos são fatos.

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