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Efeito colateral – por Orlando Fonseca

O cronista, em tempos de fake news, cria sua própria “narrativa de estimação”

Se é para espalhar fake news a respeito de vacinas, então vou criar a minha narrativa de estimação, que eu também sou filho do Papai Noel. Ainda que a canção diga que nem todo mundo é, sendo brasileiro, então, a probabilidade de que um teste de paternidade dê em zero é imensa. Mas eu me sinto da família, ainda que meio metido. Embora se diga que é preciso acreditar no Bom Velhinho para sair espalhando certas notícias por aí, posso afirmar que o menor mal é praticado por esta crença sazonal.

Então é o seguinte: uma pesquisa realizada na Universidade de Ciências Aplicadas da Lapônia descobriu uma nova cepa do coloniavírus. Não se trata de nenhuma corruptela na língua do Cebolinha, e o vírus existe, sendo conhecido da comunidade científica – a mais festeira, bom que se diga – que já o estuda há vários anos.

Muito menos agressivo que o seu parente famoso, o coloniavírus já tem ocorrências pelo Planeta desde o final do século XIX, e os seus sintomas não passam de uma certa agitação, sem febre, nos infectados. Se espalha rápido, e sofreu uma mutação que foi identificada como a variante, cujo sequenciamento genético foi anunciado por Nicolás Jokiväylä e Lasdislaw Kemissä. E a identificação não é sem razão, como se verá adiante.

O tal vírus em sua variação mais recente reúne as características de duas cepas já conhecidas e que foram batizadas como a Nu e a Tau. A partir da publicação do artigo dos dois pesquisadores conhecidos como o Nico e o Lau, na comunidade (acadêmica, bem entendido) sua existência se tornou muito mais popular que as formas antigas. Evidentemente que o povo, sem conhecer o alfabeto grego – alguns desconhecem o alfabeto português, passou a chamar a variante de Natau, depois Natal, em vista da proximidade com as festas de final de ano.

Depois de dois anos de estragos feitos pelo coronavírus, as pessoas (as devidamente vacinadas com todas as doses) fizeram questão de se expor ao Natau, e resgataram tudo o que o coloniavírus vem fazendo nas populações tropicais há décadas. Como apresenta um alto poder de contágio, transmite todo tipo de sintoma eufórico, supera com facilidade as defesas psicológicas e escapa das barreiras criadas pelo sistema racional.

Desse modo, voltaram os efeitos comuns da típica epidemia que se manifesta nesta época do ano. Embora seja verão em nosso país, temos visto neve por toda parte, as árvores ganharam ricas decorações de frutas coloridas, e há luzinhas de led multicores, enfeitando janelas, jardins, parques e postes por todas as cidades.

O comércio, que se ressentia não apenas do pandemia, mas de outro vírus malicioso conhecido pelos economistas como recessão, abriu as portas para que uma multidão adentrasse disposta a gastar as economias acumuladas durante a quarentena.

Tendo vivido durante mais de 18 meses o distanciamento social, imposto pelas regras do protocolo sanitário, o povo agora quer mesmo é se aglomerar. Uma ânsia por se abraçar e mostrar fraternidade ostensivamente. Não vê a hora de se reunir aos familiares, não vistos desde o Natal de 2019.

As máscaras recomendadas pelos agentes de saúde, agora dão lugar a apenas uma já conhecida dos acometidos pelo coloniavírus: a máscara de Papai Noel. E esta não pode ser usada por qualquer um, já que precisa vestir uma cara que fique com aparência de um velhinho bonachão, e que tenha um barrigão enorme, coberto por um casaco vermelho, botas pretas e luvas brancas, para que os efeitos do calor sejam multiplicados. Trata-se de um emblema, a intenção, mesmo, é que se eleve a temperatura amistosa, o calor humano.

A dupla de cientistas, Nico e Lau, aduzem em seu artigo na revista Nature, edição de Natal, que estas cepas novas, na verdade, já receberam vários nomes populares ao longo de sua trajetória pelo mundo. E que o mais antigo é o conhecido Espírito natalino, cheio de suas contradições etnológicas, mas tão pleno de significados de alegria e fraternidade, que a sua contaminação acaba sendo positiva. Por via das dúvidas, tô espalhando as boas novas natalinas, e também botei os sapatinhos na janela do quintal.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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