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Urgência de chuva, urgência de políticas públicas – por Valdeci Oliveira

A sensação é de um filme já visto, mas cujos enredo e desfecho não gostamos. A película a que me refiro tem o título de ‘estiagem’ e um roteiro que nos mostra plantações arruinadas, animais sem água para beber, sem pasto para comer e homens e mulheres do campo sofrendo junto, pois seu sustento e renda dependem quase que exclusivamente da quantidade de chuva que cai no solo. Na esteira desta projeção, quem mora nos centros urbanos também sente seus reflexos, principalmente no bolso, na hora de pagar pela comida que precisa colocar sobre a mesa. Mas o problema maior talvez esteja no fato de que não fomos pegos de surpresa. Como demonstrado no último quinquênio, já passou a fase de acharmos que a crise hídrica no RS é algo esporádico, que acontece de vez em quando e que se trata de uma realidade próxima apenas a outros poucos estados do país. Ela é permanente e temos a obrigação de nos preparamos, nos adaptarmos, caso contrário continuaremos a pagar um preço alto por algo que não temos como evitar.

Na última terça-feira (7), protocolamos junto à Mesa Diretora do Parlamento gaúcho requerimento solicitando a constituição de uma Comissão de Representação Externa para acompanhar os impactos gerados pelo longo período de seca em nosso Estado e sugerir alternativas capazes de amenizar as perdas ambientais, sociais e econômicas. Conforme informações da Defesa Civil, além de já estarmos com 260 municípios com decretos de Situação de Emergência, o que abrange praticamente todas regiões e microrregiões do estado, não há previsões de chuvas suficientes nos próximos dias, o que, juntamente com o calor intenso, agravará ainda mais a situação. Com a criação da Comissão, colocaremos o Parlamento acompanhando de perto a situação vivida pelas populações de diversas regiões, teremos condições de contribuir no diagnóstico e sistematizar as necessidades, além de demandar e acompanhar as medidas que se fazem necessárias junto aos governos Estadual e Federal. E com o mesmo compromisso de elaborarmos conjuntamente uma saída com outros organismos da sociedade civil, oficiamos o executivo estadual, por meio da Casa Civil e da Emater, pela necessidade da elaboração de uma Nota Técnica sobre a situação das perdas na agropecuária, bem como das famílias e comunidades diretamente afetadas pela falta de água. Esses dados serão importantes nas tratativas que faremos junto aos governos do RS e da União.

Ao ler algumas matérias jornalísticas nas últimas semanas, não pude evitar que a memória me levasse à primeira reunião de trabalho da qual participei como presidente da Assembleia Legislativa, em 31 de janeiro de 2022. O encontro ocorreu no minuto seguinte ao término daquela cerimônia de posse. E o que batia à porta naquela ocasião era justamente a forte estiagem e os efeitos sobre as lavouras e criações gaúchas. Do pequeno produtor ao agro, o estrago estava posto. Mas sabemos todos que os prejuízos – assim como a recuperação – são inversamente proporcionais ao tamanho: para os pequenos e médios o fardo é bem mais pesado. Ao fim da audiência, que havia reunido em torno da mesa diversas organizações sociais do campo, deliberamos pela formação e envio de comitivas oficiais a Brasília, com todos os partidos com representação no Parlamento e entidades cujos perfis iam do MST à Farsul, para convencer o governo federal do tamanho do problema. Para muitos dos burocratas do Planalto Central, o substantivo feminino que dá nome à escassez prolongada no abastecimento de água fica restrito ao sertão, ao longínquo nordeste brasileiro.

Ao lado da pressão política em defesa dos interesses do estado, não abrimos mão, como agora, de ferramentas legislativas como a criação de uma Comissão de Representação Externa e orientamos o Fórum Democrático da Assembleia Legislativa a colocar sua estrutura a serviço da organização de inúmeras audiências públicas nas mais diferentes regiões do RS. E apresentamos ao governo gaúcho diversas propostas, como a constituição de um comitê permanente de acompanhamento, a prorrogação das dívidas dos agricultores, auxílio emergencial para quem teve a produção afetada e recomposição dos recursos do crédito rural, entre outras. E como medidas futuras, sugerimos a formação de um fundo nacional de financiamento e combate aos efeitos de estiagens e eventos extremos, políticas de Estado para irrigação e armazenamento de água, revitalização das bacias hidrográficas, conservação do solo e dos recursos hídricos, a ampliação da assistência técnica e extensão rural. Mas a principal, que como antes serve para o agora, a qualificação da gestão do Estado de forma a se antecipar aos eventos e, diante da ocorrência, ter capacidade de dar respostas rápidas.

O sucesso do combate à estiagem depende de aceitarmos a realidade, depende de políticas públicas reais – que sejam contempladas de fato nos orçamentos – que dialogam com o problema, depende de não abandonarmos as ações na primeira chuva que cair.

*Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.

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