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Morreu Moïse, jovem congolês de 24 anos. E o que temos a ver com isso? – por Débora Dias

A articulista, a sociedade e o brutal assassinato do rapaz no Rio de Janeiro

Venho percebendo que com o passar dos anos, nos últimos tempos, na verdade, estou mais sensível a questões que sempre me preocupei, mas hoje, parece que a dor me sufoca. E falo, por exemplo, de grupos em estado de vulnerabilidade diante da insensibilidade de uma parcela da sociedade que por uma razão, a qual desconheço, se acha superior, melhor, privilegiada, diferente e que por motivos, também os quais desconheço, deve ter cadeira cativa no ceu, se acreditam no Paraíso. Acho que a razão de eu achar que isso vem me causando uma dor maior é associação da violência com a indiferença.

A indiferença dessa parcela da sociedade que se acha especial porque é branca, é heterossexual, enfim, está mais distante de todas agruras e violência que também parte da sociedade pode praticar, é muito triste.

A morte de Moïse, que a mídia insiste de maneira voraz e apática mostrar vídeo do ataque, não consegui ver em nenhum momento, na verdade nunca consigo ver cenas de violência, a não ser aquelas que sou obrigada pela profissão, para investigação. Cenas de ódio explícito, gratuito, infame, não podem ser banalizadas. Pra mim isso, repetidamente passado na televisão, só banaliza a violência noticiada; não podemos normalizar atos monstruosos.

Divulgar o vídeo com a desculpa de noticiar para mim não tem justificativa. Entrevistas infinitas de familiares, de mostrar a sua dor, por mais de uma vez, também não têm justificativa.

Agora, os movimentos crescentes de racismo, fascismo, nazismo, como temos verificados em todo mundo e no Brasil inclusive, não tem justificativa e precisam ser freados imediatamente.  Quem são esses “seres humanos” que se sentem respaldados, que acham que estão imunes à aplicação da lei? Essas pessoas devem ser denunciadas, devem responder criminalmente por todo ato de racismo, homofobia, violência contra mulher, quaisquer crimes que tenham em sua gênese a intolerância e o  preconceito.

A responsabilidade para a apuração de todos esses crimes é sim da polícia, mas o dever de não tolerar, de dar um basta, de denunciar é de toda sociedade. E, não se espera nada menos nada mais de uma sociedade civilizada que denuncie, que não admita que esses movimentos irracionais e miseráveis cresçam.     

E todos nós temos a ver com a morte de Moïse, ele morreu em nosso país, assim como tantos outros, vítima da violência brutal e do sentimento de impunidade. Não é esse o país que queremos para nossos filhos, nossos netos, nossa família, nossos amigos, sejam eles de que cores, credo, raça, orientação sexual, identidade de gênero forem.

(*) Débora Dias é a Delegada da Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância (DPICoi), após ter ocupado a Diretoria de Relações Institucionais, junto à Chefia de Polícia do RS. Antes, durante 18 anos, foi titular da DP da Mulher em Santa Maria. É formada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Ciências Criminais e Segurança Pública e Direitos Humanos e mestranda e doutoranda pela Antónoma de Lisboa (UAL), em Portugal.

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