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Os velhos e o mar revolto dos aplicativos e dos sites das empresas – por Carlos Wagner

“Mudanças reduziram custos. E dificultaram a vida dos clientes mais velhos”

As novas tecnologias estão limitando a autonomia dos velhos? (Foto Reprodução)

Faz parte do jogo a incorporação contínua, por parte das empresas, das novas tecnologias no processo de relação com os seus clientes. No Brasil, a maneira como essa incorporação vem sendo feita se transformou em uma máquina de moer a paciência dos consumidores.

Não faz muito tempo. As contas mensais chegavam em boletos pelo correio e o cliente podia resolver seus problemas com as empresas ligando e conversando com um atendente. Nos quatro últimos anos, os boletos começaram a ser enviados pela internet e o consumidor precisa entrar no site, ou em um aplicativo, da organização para resolver o seu problema. Ou ligar e conversar com um robô.

Claro que essas mudanças reduziram custos para os empresários. E dificultaram a vida dos seus clientes, principalmente dos mais velhos, exigindo deles mais tempo e paciência para “descascar o abacaxi”, um jargão usado nas redações dos jornais para se referir a problemas complicados. Tem como o consumidor reagir a essa situação, evitando que ela lhe seja enfiada garganta abaixo? É sobre isso que vamos conversar.

Antes um aviso ao leitor que não é jornalista. Não vou citar nomes de empresas porque todas elas implantaram sistemas semelhantes de relacionamento com os seus clientes. Como se dizia nos tempos das redações inundadas pelo som cadenciado das máquinas de escrever: “faltaria papel para escrever o nome de todas”.

Vamos à conversa. Eu tenho 71 anos e quase meio século na lida de repórter. Portanto, faz parte do meu comportamento estar sempre ligado para as coisas que acontecem ao meu redor. Vou relatar um episódio para ilustrar a história.

Vi uma cena, na sala de exames de laboratório de um hospital de Porto Alegre (RS), que considerei um absurdo. Uma senhora, que seguramente tinha mais de 80 anos, se aproximou do balcão e falou com uma enfermeira. Ela tinha exames marcados que o plano de saúde autorizou por meio de uma mensagem enviada pelo celular. Com as mãos trêmulas e demonstrado dificuldades de enxergar, ela tentava buscar a mensagem no aparelho. Eu era o seguinte da fila e a tranquilizei dizendo que não tinha pressa.

A funcionária do hospital a acalmou afirmando que bastava um documento dela para encontrar no sistema a liberação dos exames. Na minha vez de ser atendido, puxei conversa com a enfermeira e perguntei se aquele tipo de situação era comum. Ela me respondeu: “Acontece com a maioria das pessoas idosas que vem aqui. Elas chegam nervosas por não saberem mexer no celular e precisamos acalmá-las”.

Conversei com outros funcionários de grandes laboratórios, consultórios médicos e hospitais pela cidade sobre a questão dos pacientes de idade. O caso que relatei se repete todos os dias. Falei com um amigo que é psiquiatra e recebi um conselho que creio ser uma boa pauta para os colegas nas redações. Ele me chamou a atenção para o seguinte: a dificuldade dos idosos de entender o funcionamento dos aplicativos e dos sites pode comprometer o cotidiano daqueles que têm autonomia e vivem sozinhos? É uma pergunta que nós jornalistas precisamos responder com uma boa matéria.

Existe uma piada entre os jornalistas que diz que “os boletos sempre nos encontram”. Lembro que quando eles vinham pelo correio uma vez ou outra aconteciam atrasos. Foi justamente com esse argumento que várias empresas convenceram os seus clientes a trocarem para o boleto enviado pela internet.

No começo funcionou. Mas nos dias atuais acontecem atrasos que obrigam o consumidor a pedir a segunda via. Até o ano passado, bastava ligar e falar com um atendente para receber a segunda via. Na semana passada encontrei um casal de amigos e durante o bate-papo ouvi uma história interessante.

Ele contou que a sua operadora de TV e internet não tinha enviado o boleto pela internet. Ligou pedindo a segunda via, como já tinha feito em vezes anteriores, e foi informado que precisaria baixar o aplicativo da empresa no celular e acessar a segunda via da fatura. Ele se indignou e respondeu que tinha outras maneiras de gastar o seu tempo.

Foi informado que a outra maneira seria ele passar em uma loja da empresa e solucionar o problema. Ficou indignado, como me relatou: “Vou cancelar a TV e a internet e procurar outra operadora”. Recebeu a segunda via da fatura.

Não sou um especialista em direito do consumidor. Mas andei conversando com quem entende do assunto. Fui informado que a rapidez com que a tecnologia avança, colocando novos equipamentos à disposição das empresas para se relacionarem com os seus clients, torna as leis existentes anacrônicas. O que em última análise beneficia as empresas.

Mencionei esses casos. Mas conheço muitos outros que seguem o mesmo roteiro. O que considero importante é lembrar que não só os velhos acabam se lascando nesse assunto. Os jovens e os de meia-idade também sofrem com o problema pois perdem tempo. Porque uma boa quantidade dos aplicativos e sites das empresas tem problemas.

E soma-se a isso o fato de que no Brasil a internet forte e estável é um privilégio de quem mora nas grandes cidades, principalmente no sul do país. Conheço o país de lado a lado e de ponta a ponta. Na grande maioria dos lugares o funcionamento do celular é precário e o acesso à internet é um pesadelo.

Aqui lembro o seguinte. O consumidor correr em busca de ajuda nas redações dos noticiários é uma ilusão. Nenhum noticiário dará atenção para uma disputa entre um consumidor e o seu fornecedor a não ser que seja um grande problema que envolva outras pessoas.

As redações só funcionam quando se tratam de serviços públicos, como luz, água, gás e outros itens essenciais ao cotidiano das pessoas. Porque envolvem um grande número de afetados. O bom seria se as novas tecnologias beneficiassem o consumidor e a empresa. Não apenas uma das partes.

A bem da verdade digo que existem firmas que já perceberam que os seus aplicativos e site tem problemas que infernizam a vida do seu cliente. E estão buscando maneiras de corrigi-los. Mas são poucas.

É hora dos jornalistas prestarem atenção no problema e fazerem o que de melhor fazemos: botar a boca no trombone. Hoje a situação dos consumidores, em particular dos velhos, é como navegar em um mar revolto dos aplicativos e site das empresas.

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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