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Silenciaram a Voz da Palestina – por Leonardo da Rocha Botega

Sobre o assassinato da jornalista palestino-estadunidense Shireen Abu Akleh

Desde 2000, quarenta e cinco jornalistas palestinos foram mortos por forças de segurança israelenses, segundo a Autoridade Palestina. O Sindicato dos Jornalistas Palestinos fala em um número maior, cinquenta e cinco.

Em que pese tal diferença, o certo é que a maior parte dessas mortes não foi devidamente investigada ou até mesmo noticiada pela imprensa ocidental. Quando foram, as informações se limitaram a determinar as circunstâncias das mortes como “embates” entre o Exército de Israel e “grupos de palestinos armados”. A última dessas mortes desinformadas foi a de Shireen Abu Akleh.

Shireen Abu Akleh nasceu em 1971 na parte ocupada da Jerusalém Palestina. De família cristã, perdeu os pais ainda muito jovem. Estudou jornalismo na Universidade Yarmouk, na Jordânia. Formada jornalista, retornou à Palestina onde foi uma das fundadoras da rádio “Voz da Palestina”, em Ramallah.

Em 1997, ingressou na Rede Al-Jazeera, um ano após a fundação deste que é o mais importante meio de comunicação do mundo árabe. Se notabilizou por uma escrita sensível que buscava relatar, para além dos elementos factuais, o rosto humano do sofrimento palestino.

No último dia 11 de maio de 2022, Shireen Abu Akleh estava no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia, cobrindo uma das tantas ações das Forças de Defesa de Israel (IDF) na região, quando foi atingida por um tiro na cabeça disparado por um soldado israelense. Nem o capacete e o colete a prova de balas azul identificando-a como jornalista serviram de proteção.

A proteção sempre foi uma de suas principais preocupações no trabalho. Em entrevista recente a uma agência de comunicação palestina, perguntada se tinha medo, Shireen respondeu que sim, mas que tentava se posicionar com sua equipe em um lugar seguro antes de se preocupar com as imagens.

Segundo relatos de alguns colegas que a acompanhavam, Shireen estava em lugar seguro e o tiro não foi acidental. Mais uma vez, a versão oficial do Estado de Israel, reproduzida por boa parte da imprensa ocidental, foi de que a jornalista estava na linha de conflito. Uma justificativa constrangida. Um dia depois, as mesmas Forças de Defesa de Israel (IDF) reprimiram violentamente o cortejo fúnebre em uma das imagens mais sádicas da História recente.

Ao longo das últimas décadas, muitas gerações de Palestinos cresceram vendo o rosto de Shireen Abu Akleh. A “Voz da Palestina”, que também possuía nacionalidade estadunidense, era a representação de um povo que vive um dos maiores dramas da contemporaneidade: ser um cidadão sem-terra em sua própria terra.

A jornalista de 51 anos, “uma contadora de história” conforme a definição de seus colegas, fazia de sua história uma forma de denunciar o drama cotidiano dos patrícios humilhados por uma invasão tolerada pelas mesmas potenciais mundiais que estão sempre dispostas a condenar as invasões que afrontam seus interesses.

Primo Levi, escritor ítalo-judeu, sobrevivente dos campos de concentração nazista e uma das principais referências nos escritos sobre o Holocausto, escreveu certa vez que “todo povo tem seus judeus, os judeus dos judeus são os palestinos”.

Tal crítica vinda de alguém que não pode ser acusado de antissemita (como normalmente acontece com a maior parte das reações as críticas à forma como o Estado de Israel lida com os palestinos) deveria ser constantemente refletida pelo Ocidente.

Os dramas do passado (até mesmo o maior deles) não podem servir de véu para esconder os crimes do presente. A histórica perseguição sofrida pelos judeus ao longo de muitos séculos, que culminou no maior crime que a humanidade presenciou até hoje, não pode causar uma cegueira ética diante do massacre que é feito contra o povo palestino no presente.

É essa cegueira ética que mantém aberrações como o Muro da Cisjordânia em pé. É essa cegueira que não permite uma solução definitiva para o conflito Israel-Palestina. É essa cegueira que se cala diante do silenciamento da Voz da Palestina.         

 (*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor: a foto de Shireen Abu Akleh, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na internet.

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Um Comentário

  1. É verdade. O Estado de Israel massacra o povo palestino e não vejo nenhuma reação do Ocidente, nenhuma sanção econômica, nenhuma tentativa de parar com as ocupações em território palestino. É triste. Força e coragem a esse bravo povo resistente.

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