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Que mundo deixaremos para nossos filhos e netos? – por Marta Tocchetto

A articulista e a urgência de um “ajuste no modo de vida de todos nós”

É urgente que nosso modo de vida se ajuste, sob pena de que a herança que deixaremos será um planeta esgotado, inabitável

Nesse ano, 2022, há duas datas recentes que se conectam pelo significado – 12 e 14 de agosto. A primeira marcou o Dia da Sobrecarga da Terra para o Brasil. A segunda foi assinalada pela comemoração do Dia dos Pais. No dia 12, nenhuma comemoração, ao contrário, um alerta. Esse dia sinaliza que consumimos todas as reservas naturais que deveriam ter durado o ano todo, ou seja, trezentos e sessenta e cinco dias. O modo de consumo dos brasileiros fez com que elas durassem pouco mais do que duzentos dias. A partir do dia 13 de agosto, passamos a consumir a reservação destinada ao próximo ano.

O déficit mundial é ainda pior. A data da Sobrecarga da Terra, considerando o planeta como um todo, foi alcançada quinze dias antes do que em nosso país. Estamos no vermelho. Nossa conta ambiental está no negativo. Tem sido assim há muitos anos. Nosso modo de consumo está além da capacidade de regeneração do planeta. Consumimos além da capacidade de recuperação da Terra.

A cada ano que isso acontece, afundamos ainda mais nossa pegada. Nosso modo de vida tem levado o planeta à exaustão das reservas naturais. Corremos o risco de alcançar a esgotabilidade. Os bens do planeta são finitos, porém nosso consumo parece não ter limites. Criamos novas “não necessidades” a cada dia. Repensar e recusar são palavras que precisavam fazer parte do nosso vocabulário e de nossas atitudes.

Já se deram conta da inutilidade das sacolas plásticas distribuídas em farmácias? São pequenas e frágeis, por isso dificilmente são reusadas. O tempo de uso é de minutos. É o tempo de sair do estabelecimento, retirar o produto e ela se transforma em lixo. A sacolinha cujo uso é instantâneo, se não for destinada à coleta seletiva para posterior reciclagem irá permanecer no meio ambiente por centenas de anos.

Algumas permanecem quatrocentos anos! As ditas biodegradáveis que têm sido usadas em substituição, nem sempre o são. Em geral, são plásticos oxibiodegradáveis com maquiagem verde. Estes plásticos, apesar da rapidez com que se degradam possuem na sua composição metais pesados, cuja toxicidade é elevada.

A troca não equivale nem seis por meia dúzia. Ambientalmente falando, a troca é negativa. Esse comportamento faz com que a quantidade de resíduos seja crescente, à medida que a substituição se dá sem que o ciclo de vida dos materiais tenha se completado.

Desperdício está distante do equilíbrio e da harmonia tão necessários, considerando o atendimento não só das necessidades da geração atual, mas também das futuras. O menosprezo com as novas gerações distancia-se não só da sustentabilidade, mas do sentido e do significado de ser pai. O dia dos pais destina-se a render homenagens a quem protege, acolhe, orienta, supre, ensina, ama, valoriza, independente de gênero, de ser ou não o genitor ou de parentesco. Pai é quem orienta, aponta caminhos, deseja e se empenha sempre para oferecer e conceder o melhor.

Diante de tantos significados e importância, reflito e questiono: que mundo deixaremos para nossos filhos e netos? Chego pensar que entregaremos o planeta em piores condições do que o recebemos. Somos uma geração que confunde destruição com desenvolvimento. Confundimos necessidade com consumo voraz. Entregaremos um planeta em colapso. A grave crise climática ameaça não só a espécie humana, mas a biodiversidade como um todo.

Nossa capacidade preventiva é altamente limitada, agimos somente depois de constatar a destruição. Gastamos para destruir e mais ainda para recuperar, sendo que, na maioria das vezes, as perdas são maiores e nem assim aprendemos que é melhor prevenir do que remediar. Aumentamos nossa pegada a cada ano comprometendo as condições necessárias para a sobrevivência de quem amamos.

A Terra é um sistema vivo que responde a toda e qualquer ação desferida sobre ela. É urgente que nosso modo de vida se ajuste, sob pena de mesmo querendo e desejando o melhor para nossos filhos e netos, a herança que deixaremos será um planeta esgotado, inabitável. Um planeta que não comportará a vida humana, pois o rastro deixado tem sido de aridez e devastação.

É urgente e essencial que olhemos e tratemos o planeta com olhos e mãos amorosos para que esse ser vivo que é a Terra continue nos fornecendo e, também aos nossos descendentes, o suprimento, o abrigo e as condições fundamentais para a garantia da vida, nosso bem maior, em harmonia com todo o restante e com todos os seres, independente da complexidade, tamanho ou inteligência. Que o significado de ser pai se transforme em exemplo de amor e de cuidados também com o planeta, que é a nossa casa maior. 

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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2 Comentários

  1. Venho respeitosamente discordar tecnicamente deste trecho: “As ditas biodegradáveis que têm sido usadas em substituição, nem sempre o são. Em geral, são plásticos oxibiodegradáveis com maquiagem verde. Estes plásticos, apesar da rapidez com que se degradam possuem na sua composição metais pesados, cuja toxicidade é elevada.”
    Plásticos oxibiodegradáveis são regidos por normas técnicas, por exemplo a ASTM D6954. Todas estas normas tem rígidos critérios de aprovação de biodegradação e ausência de resíduos nocivos, inclusive sobre metais. Portanto, é falsa a informação que existe toxicidade e injusta a denominação de “maquiagem verde” para algo que cumpre normas e é testado por laboratórios independentes e acreditados ISO 17025. Esse tipo de desinformação não contribui para o conhecimento.
    Agradecemos

  2. Noutro dia noticiaram a criação de produtores de carvão vegetal em algum lugar. Com apoio da UFSM. Cooperativas tem muitos subsidios fiscais. Ou seja, subsidio para aumentar a emissão de carbono. Obvio que vai vir alguma balela para justificar, mas é só discurso. Como sempre.

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