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O debate sobre a nova Constituição Chilena – por Michael Almeida Di Giacomo

Semelhanças e diferenças com a Carta portuguesa e o que ainda pode ocorrer

Após o êxito da revolução dos Cravos, abril de 1974 – movimento que derrubou a ditadura salazarista em Portugal – que durou por quase 50 anos, as forças revolucionárias promoveram reformas políticas e institucionais, a culminar com a elaboração de uma nova Constituição, promulgada em abril de 1976.

A nova Carta Constitucional, no seu nascedouro, logo no artigo 2º, trazia em seus fundamentos o encontro de um Estado democrático, baseado na soberania popular e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais.

E, entre seus objetivos, tinha como destaque “assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadores”.

A Constituição – vigente até os dias atuais – é a segunda Carta portuguesa que mais tempo se mantém em vigor, tendo recebido sete revisões. Em uma das oportunidades de revisão, foi abolido o objetivo de transição para o socialismo, com a previsão de, entre outras garantias fundamentais, promover o aprofundamento da democracia participativa.

É possível aferir uma série de motivos para que o país europeu não tivesse como realmente implantar um regime socialista.

Eu, em especial, lembro uma das análises feita por Boaventura de Souza Santos, professor da Universidade de Coimbra. Em um de seus muitos escritos, Boaventura nos diz que as bases institucionais do Estado burguês não foram modificadas, embora a previsão constitucional da transição para o socialismo.

É algo similar ao que ocorre no Chile de 2022, só que por outro viés ideológico.

O país latino-americano, após uma ditadura sangrenta – 1973 a 1990, com o retorno do regime democrático – mesmo que em diversas oportunidades tenha sido governado por lideranças de esquerda – ainda mantém as bases de um Estado liberal.

Nas referidas conjunturas, a ideia de que “o novo não surge separadamente do velho, mas em ligação com o velho, nas entranhas do velho, em luta contra o mesmo”, acabou por não responder satisfatoriamente às reformas pretendidas por seus governantes, como foi o caso da rejeição, no último domingo, de uma nova Constituição para o Chile.

A derrota do governo Boric, antes de completar seis meses de mandato, no intento de aprovar uma Constituição progressista, com a previsão de ser o Chile um Estado plurinacional, a criação de um Sistema Público de Saúde, a garantia de paridade de gênero em todos os poderes, entre outros direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, é um retrocesso político.

Por enquanto, o Chile ainda continuará a viver em meio às “entranhas do velho”, mais especificamente, sob a Constituição de Pinochet, que mesmo tendo sido alterada várias vezes, ainda mantém um papel ínfimo ao Estado em relação aos direitos básicos da cidadania e nos gastos sociais.

Agora, o jovem presidente deverá que ter muita habilidade e diálogo para unir as forças políticas nacionais na elaboração de um novo texto.  E ter a aceitação de forma soberana pelo povo chileno, é o principal desafio de sua gestão, no caso, consolidar uma nova história constitucional para o Chile.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15. Ele escreve no site às quartas-feiras.

Nota do Editor: a imagem (de manifestação no Chile) que ilustra este artigo é uma reprodução obtida na internet.

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3 Comentários

  1. Problemas obvios com o que foi aprovado. Conta não fecharia nunca. Paridade de genero em todos os poderes presume que existem pessoas qualificadas para que isto aconteça (não era o caso). Nenhum espanto, ideologicamente vermelhos acreditam que qualquer um pode desempenhar qualquer papel. Aumento de impostos para o novo sistema de saúde e novas aposentadorias. Restrições ambientais que prejudicaria a mineração de cobre, o vinho e outras fontes de receita. Estado plurinacional (vendido como uma Suiça) seria abrir mão da soberania em favor das populações indigenas. Liberação do aborto (que não é materia constitucional). Sovieticamente eliminariam o Senado. Controle ‘democratico civil’ das Forças Armadas. Alás, havia uma proposta, não sei se chegou ao texto final, dissolveriam as forças armadas (haveria um pequeno nucleo permanente) e só seriam convocadas em caso de necessidade. Cargos de oficiais só teria um nivel, coisas do genero.

  2. Contexto, quando conveniente, sempre fica de fora. Portugal teve uma crise em 2010 e precisou de ajuda do FMI e da Comunidade Europeia. Pequena diferença, Chile não tem CE para ajudar ou fazer pressão politica para que alguém mais ajude. Simples assim.

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