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Em respeito aos 700 mil mortos pela Covid, Lula precisa blindar o Ministério da Saúde – por Carlos Wagner

História da pasta “precisa ser resgatada e contada. Até lá é preciso protegê-la”

Como os negacionistas (e Bolsonaro “colocou todas as fichas neles” agiram no ministério na pandemia? (Foto Reprodução)

Nas últimas semanas, tem proliferado nos noticiários diários e nas análises dos comentaristas políticos a conversa sobre a intenção dos deputados do Centrão pressionarem o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por uma fatia do Ministério da Saúde em troca de apoio no Congresso para aprovar os projetos de interesse do governo. Por conta dessa pressão é real a ameaça de rolar a cabeça da ministra da Saúde, a socióloga Nísia Trindade Lima, uma respeitada cientista de 65 anos.

Temos noticiado que o assédio dos parlamentares por uma fatia na Saúde deve-se ao fato dele ter o maior orçamento da administração federal, ao redor de R$ 170 bilhões. O governo tem dito que a pasta está fora de negociação e ponto final.

Mas, como todo repórter sabe, mesmo o que está em início de carreira, nas negociações políticas não existe o ponto final. Não quero discutir o futuro dessas negociações. Mas informações sobre o ministério que foram deixadas de lado pelos noticiários e pelos comentaristas políticos. Vamos aos fatos.

Não estamos falando de um ministério qualquer. Mas sobre o da Saúde, que nos últimos quatro anos foi usado de maneira criminosa pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para apavorar a população durante a pandemia de Covid. O que vou escrever a seguir não é opinião. São fatos que foram relatados em nossas matérias e estão documentados nas 1,3 mil páginas do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19 (CPI da Covid).

Essa investigação colocou as digitais do governo federal nas mais de 700 mil mortes de brasileiros pelo vírus. Em janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia. Imediatamente, Bolsonaro apostou as suas fichas no negacionismo do poder de contágio e letalidade do vírus. Nos primeiros meses não havia remédios contra a doença e muito menos vacina. A única maneira de se proteger era ficar em casa e usar máscara.

Lembro que a grande preocupação das famílias naquele momento era quem seria a próxima vítima da Covid. Nos noticiários, assistia-se a enterros coletivos dos mortos e caminhões frigoríficos eram estacionados nos pátios dos hospitais à espera dos corpos. O ministro da Saúde da época, o médico Luiz Henrique Mandetta (02/01/2019 a 16/04/2020), foi demitido por defender publicamente as recomendações da OMS.

Foi substituído pelo seu colega Nelson Teich (17/04/2020 a 15/05/2020), que se demitiu um mês depois também por não concordar com a política genocida do governo. No seu lugar entrou o então general da ativa do Exército Eduardo Pazuello (16/09/2020 a 23/03/2021), que transformou o negacionismo do presidente da República em política do governo. Notabilizou-se no cargo por ser o responsável pela crise da falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e no interior do Pará, que resultou na morte por asfixia de dezenas de pacientes de Covid.

No meio dessa confusão surgiram as vacinas. E houve uma novela para o governo federal comprar os imunizantes, como foi documentado pela CPI e pela imprensa. Assumiu a Saúde o médico Marcelo Queiroga (23/03/2021 a 31/12/2022), um equilibrista que conseguiu sobreviver entre os absurdos pregados pelo círculo íntimo de líderes que cercava o presidente, como o deputado e médico gaúcho Osmar Terra, que desprezava o poder do vírus, entidades médicas que pregavam o uso do Kit Cloroquina, drogas sem efeito contra a doença, e a pressão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para que fossem cumpridas as determinações da OMS.

A embromação do governo para comprar as vacinas custou muitas vidas. Claro que não estou defendendo que cada notícia que se faça sobre as negociações a respeito do destino do Ministério da Saúde tenha um anexo da história da maior tragédia sanitária do país, que foi a pandemia causada pela Covid. Mas temos que lembrar ao leitor em nossos textos sobre o que estamos falando.

O que as famílias brasileiras passaram devido o negacionismo do ex-presidente é uma história que ainda não foi para os tribunais. Mas ela vai. E quando for o rolo vai ser muito grande, porque são escassas as pessoas que não perderam um parente, vizinho ou conhecido durante a pandemia.

Há mais uma questão aqui que precisa da nossa atenção. Toda matéria que publicamos sobre a pandemia tem muitas informações sobre o que acontecia dentro das casas das famílias e nos hospitais. Pouco sabemos dos rolos que ocorriam entre as quatro paredes do Ministério da Saúde. Funcionários de carreira contam histórias de perseguição, assédio moral e outras barbaridades.

Muitas informações técnicas simplesmente desapareceram dos arquivos. Foi preciso formar um consórcio de empresas de comunicação (Estadão, Folha, O Globo, Extra e UOL) para manter a população informada sobre o andamento da pandemia. As informações que existem entre as quatro paredes da Saúde são fundamentais para contar a história da pandemia no Brasil.

Andei perguntando para as minhas fontes no ministério se existe alguma comissão que esteja fazendo o levantamento sobre os acontecimentos daquele período. O que recebi de resposta é que os levantamentos que estão sendo feitos são na área econômica (estoques, compras e outros assuntos). Desconhece-se se alguém está levantando as histórias sobre as relações entre os funcionários de carreira e os colocados lá pelo governo Bolsonaro, em especial os militares que ocuparam os postos de coordenação.

O que a imprensa brasileira precisa levar em conta é que não pode ser esquecido o sofrimento imposto pelo governo Bolsonaro à maioria das famílias brasileiras pelo negacionismo sobre o poder de contágio e mortalidade do vírus. E parte importante dessa história está lá entre as quatro paredes do Ministério da Saúde. Ela precisa ser resgatada e contada. Até lá é preciso protegê-la.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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