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Ajuda dos universitários – por Orlando Fonseca

No caso, das universitárias. Falo de um vídeo que viralizou nas redes, semana passada, no qual três alunas do curso de Biomedicina da Unisagrado debocham de uma colega de classe por causa de sua idade. A ajuda a que me refiro relaciona-se ao enfrentamento à eclosão do discurso de ódio que tomou de assalto a cultura brasileira. Na política é mais flagrante, por causa do último período eleitoral, mas, no geral, o convívio social está contaminado. Por causa da polarização ideológica, famílias se desagregaram, casais se separaram definitivamente, e adversários políticos viraram inimigos de morte. Patrícia Linares, de 45 anos, a aluna alvo do sarro tirado pelas colegas indiscretas, se diz abalada emocionalmente pelo bullying no conteúdo do vídeo. Nesta semana, em que os alunos da Federal voltam a dar vida às ruas, aos ambientes culturais da cidade, tomo esse fato para pedir uma ajuda aos universitários que chegam.

Dentre as muitas formas de exclusão social, tomamos contato com um exemplo de “etarismo”. De modo geral, a violência começa com os ataques verbais, e não raro avança para as vias de fato. Ao discurso de ódio existe um antídoto poderoso, justamente nas universidades, ou, ao menos, assim é que deveria ser. Desde a sua formação, ainda na Idade Média, as instituições de ensino superior foram constituídas para doutrinar as disciplinas de humanidades, ou seja, o conhecimento e a práxis da ética. Ainda que, nesta semana, os alunos da UFSM – os de outras IFES da cidade já há alguns dias – especialmente os calouros, sejam recebidos com o famigerado trote, é no ambiente acadêmico que se aprende sobre ser humano.

Tenho pensado, ultimamente, que é a Universidade o único lugar em que o humanismo pode ser estudado criticamente, e entendido como razão da nossa existência (seres providos de racionalidade). Ao longo dos séculos, a igreja e os centros místicos de toda ordem, cumpriram o papel de pensar e influenciar a moral. Aliás a escolástica, matriz do que conhecemos como ensino universitário, surgiu no ambiente da igreja católica. Mas, com as mudanças havidas na moral e nos bons costumes, a igreja se tornou um centro de convívio social, mas perdeu a sua importância na formação do caráter cidadão. Veja-se o caso recente: a partir dos depoimentos dos participantes nos atos terroristas de 8 de janeiro, em Brasília, ficamos sabendo que muitos deles estavam lá patrocinados ou estimulados por organizações evangélicas (neopentecostais).

Vivemos uma sociedade doente, e a sua decadência é flagrante. Dos jovens se esperam as maiores mudanças, aquelas que têm feito a civilização evoluir e o progresso tecnológico avançar. Contudo, pela primeira vez na humanidade percebe-se uma geração menos inteligente que a anterior. Por não ter desenvolvido o processamento de informações pela rápida absorção híbrida nas novas mídias, percebe-se uma falta de recursos linguísticos para elaboração qualificada de argumentação. Por isso essa galera tem pressa em tudo, inclusive para se deprimir e se desencantar com a vida. A incapacidade de se expressar integralmente produz atalhos para a violência verbal – ou física – até consigo mesmo.

O ensino superior no Brasil tem muito o que melhorar, mas é urgente que se pense na retomada das humanidades. As gerações não se equivocam, mesmo que temporariamente se vejam em meio a crises, como essa, de uma sociedade totalmente conectada, mas com intoxicação de informações. A Inteligência Artificial está chegando com tudo, em todos os setores, e vai ocupar o lugar dos jovens em formação neste momento. De modo que a minha expectativa é que haja um reforço no humanismo, que será o produto faltante se a decadência ética avançar, ao mesmo tempo que a IA ocupa o ambiente de produção e de criação. Em publicação nas redes sociais, a Unisagrado afirmou não compactuar com o ocorrido, e que as alunas da velhofobia pediram para sair. Era o mínimo a fazer. Aos que chegam, meu apelo para que atentem para os valores humanos que só a Universidade é capaz de colocar em pauta, permitir o debate elevado e estimular as melhores práticas.

 (*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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5 Comentários

  1. A Universidade Stanford, uma das melhores do mundo, tem o ‘Alpaca’. Uma versão do GPT3 com ‘algoritmo’ diferente que, segundo eles, roda num hardware de 600 dolares. A Khan Academy, instrução online, lançou o Khanmigo, instrução com tutoria (ainda é experimental, somente para alguns testarem) de inteligencia artificial.
    Pessoal estudando na UFSM (e outras), grande maioria, está ferrada e não sabe.

  2. O cerebro das gerações atuais é igual ao das anteriores. Fica a pergunta, é deficiencia ou diferença? Velhofobia é frescura. Todo mundo tem direito a sua fobia, todos são vitimas de alguma coisa?

  3. Adolfo também se dizia ‘fiscal do humanismo’, decidiu que 11 milhões não eram humanos e mandou para a vala comum. No fim o debate sobre o assunto é outra bobagem, o tempo não vai voltar atras e as coisas irão evoluir, para o quê não se sabe. Unica certeza é que não será como antes. Ponto final.

  4. Do inicio. Caso das universitarias é uma baita bobagem. Fica dificil saber quem tem o problema cognitivo maior, as estudantes ou os ‘jornalistas’ que transformaram a coisa em assunto midiatico. Alas, um dos grandes problemas atualmente é o ‘chatismo’. Todo mundo policiando o que os outros dizem, nada pode ser dito que remotamente possa ‘ofender’ alguma criatura desconhecida que nem vai tomar conhecimento do ocorrido. ‘Discurso de ódio’ outra bobagem.

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