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Na jaula – por Bianca Zasso

Em Garçonete, dirigido por Adrienne Shelly, uma garota desiludida com a própria vida e incapaz de se afastar de seu marido violento, ganha uma coragem avassaladora no momento em que olha nos olhos de seu bebê pela primeira vez. A produção transforma em realismo fantástico a experiência vivida por muitas mulheres que encontro na maternidade um novo rumo para suas histórias.

Shelly fez filme colorido, quase um conto de fadas, que é o modo como algumas mulheres encaram a gestação. Só que nosso hermano Pablo Trapero resolveu fazer jus às mulheres que não veem problema em dizer que gravidez pesa, cansa e irrita. Ainda mais quando o direito de ir e vir não está incluído no pacote.

Leonera, lançado em 2008, inicia como um bom filme de suspense. Julia é mais uma das muitas moças que acordam com a maquiagem borrada e sem entender muito bem o que se passou na noite anterior. Vai trabalhar, sem muito ânimo, encerra o expediente, curte o tédio da volta para casa. Abre a porta e encontra um corpo desacordado e outro gravemente ferido. Sangue, facas, bagunça. Chega a polícia. Ela é a principal suspeita. Entra no camburão e desembarca na cadeia. Vai para um local especial, com celas individuais, conhecido como leonera, a jaula das leoas. Parece só, mas não está. Uma barriga protuberante se apresenta como companhia.

biancaDividir o chuveiro, as histórias e os perigos de estar numa prisão é um elemento que trabalha quase como coadjuvante na trama de Trapero. Julia vê o fato de sua barriga crescer como mais um erro cometido na sua busca por uma existência com um pouco de emoção. Com o nascimento de Tomas, ao contrário da magia que toma o ambiente mostrado em Garçonete, temos a cela apertada onde a comida divide espaço com as fraldas, os paninhos e as mamadeiras.

Vemos uma mãe recém-parida como ela realmente é: que chora porque não consegue amamentar, que vive a agonia de não conseguir fazer o filho parar de chorar. Não sabe se ama ou se odeia aquela criança. E aí que a magia de Trapero surge, bem diferente da do filme americano. As colegas de leonera, antes vistas com temor, tornam-se um coletivo de criação, onde o importante é manter as crianças em segurança. Os pequenos, alguns de colo outros dando os primeiros passos, espalhados pela cela de paredes escuras e chão de cimento protagonizam as cenas mais tocantes de Leonera.

É como se a protagonista perdesse aquele véu de dúvida, passamos a não mais nos importar se ela matou ou não, a observamos como mulher, como mãe. O bebê Tomas é sua salvação.  Não sua salvação como prisioneira, mas sua salvação como pessoa. Estar atrás das grades não lhe aflige mais. Ela quer liberdade para que Tomas conheça o mundo fora da prisão e seja feliz.

Depois de Leonera, passamos a entender que associar as mulheres defensoras de suas crias à animais selvagens não é só uma metáfora.  Desculpem-me as mães que acreditam que após o nascimento de seus bebês vão se transformar em doces criaturas, daqueles que usam tons pastéis que é para não chocar demais o ambiente. Gerar é ganhar uma carga violenta de hormônio, observar o corpo ganhar formas nada adoráveis e perder o sono. Dói, mas é assim que criamos forças para aproveitarmos os momentos de ternura, pois eles existem. Dentro da jaula, também há espaço para o amor. O maior de todos.

Leonera

Ano: 2008

Direção: Pablo Trapero

Disponível em DVD e na plataforma Netflix

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