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Calamizade – por Orlando Fonseca

Assim como muitos gaúchos, com a sensibilidade à flor da pele, assisto ao noticiário que coloca o nosso Estado no centro do mundo, por ser hoje um ponto referencial em desastres ambientais. Em uma das entrevistas de pessoas atingidas pelas cheias e pelos deslizamentos de terra das encostas, um homem simples, idoso, o rosto contraído pelo medo e pelo espanto, lamenta as suas perdas e clama pelo humanismo dos brasileiros. Em sua fala, entrecortada pela emoção e pela precariedade do vocabulário, diz o neologismo que dá título a esta crônica: estamos nesta “calamizade” à espera do socorro que venha dos nossos irmãos ou dos governos. Penso que esta pessoa humilde (não imagino que tenha pensado no trocadilho, tarefa indicada para cronistas ou cartunistas, sintetizou em sua idiossincrasia o que é a obrigação de todos nós neste momento. Diante de tamanha calamidade, não resta a qualquer um que tenha um mínimo de humanismo em seu coração, levar a fundo a amizade pelos seus semelhantes tentando sobreviver.

Uma tremenda tarefa, porque significa não apenas salvar vidas, mas também reerguer cidades, e recolocar o nosso Estado em sua grandeza histórica. Temos um Rio que atravessa o topônimo que nos enche de orgulho há tantos anos. No entanto, neste momento em que a natureza passa por convulsões (algumas por nossa culpa), o Grande se torna medonho e ameaçador. Isso nos põe todos em alerta, e o restante do país a olhar o Sul do mapa, com renovada expectativa solidária. São tantos os voluntários que se juntam aos oficiais da Defesa Civil e órgãos governamentais; são tantas as histórias de sobrevivência e salvamento que não temos como ficar impassíveis. É hora de ajudar como puder, a calamidade nos junta todos em uma amizade humanitária e humanizante. Esperança de que só entre nós há salvação para a humanidade.

Será uma tarefa imensa resgatar a cidadania e o entendimento do lugar do humano no equilíbrio ecológico, na sustentabilidade diante das mudanças climáticas. Não é mais possível buscar o desenvolvimento de uma economia baseada em uma produção sem responsabilidade socioambiental. Cidades inteiras deverão sair das margens de rios que correm pelas veias deste território meridional. Portanto, novos traçados urbanos ensejam o esforço das administrações públicas, no redesenho de espaços que coloquem em harmonia a natureza, agricultura, pecuária e os cidadãos. Sincronia necessária para dar concretude ao que chamamos de Estado, o qual garanta a vida e o bem-estar de todos. Desse modo, tudo é político, mas nem tudo é eleitoral simplesmente, porque o futuro é feito de estágios que vão muito além de mandatos e de campanhas eleitorais.

Esta é a lição que a natureza está a cobrar de todos: o aprendizado de humanidade diante do novo normal meteorológico. Um lugar e um tempo adequados ao são convívio entre diversidades culturais. Quanto ao neologismo citado, pode ser que eu tenha entendido mal a forma de expressão do entrevistado, mas uma coisa entendi muito bem. O recado da calamidade é indicação de que a hora é de juntar esforços para reerguer o Rio Grande, de redobrar a solidariedade em favor dos que perderam tudo. Para nós, que não fomos atingidos em cheio pela chuvarada, resta a missão de ajudar que os atingidos não percam a esperança, e que o altruísmo resgate a dignidade. Ao darmos a mão aos nossos irmãos, estamos erguendo a fortaleza que dará segurança às cidades (em tempos de paz ou de calamidades) em nosso Estado, e assim vislumbrarmos um país justo, solidário, desenvolvido e generoso para todos que convivem em harmonia com seu território. Já perdemos a chance de aprender alguma coisa sobre solidariedade com a pandemia, e perdemos muitas vidas. Talvez de sobressalto em sobressalto, a natureza nos ensine mais com seus corretivos, sobre seus caprichos e sobre nossas irresponsabilidades.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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13 Comentários

  1. Resumo da opera III, confronto final. Certas decisões, ou constatações, já foram tomadas a respeito do assunto. Quem não foi consultado deve constatar que sua opinião não é relevante. Alas, ‘novo normal meteorologico’ (bastante otimista) só com o clima estavel, algo que vai demorar. Discursos ‘bonitos’ são perda de tempo. Solução é complexa, aparentemente não tera solução. Vai ser na base do ‘vamos ver no que dá’. Quem tem dinheiro e poder (incluindo a classe politica) tem para onde correr. Os demais são ‘humanamente’ descartaveis. Simples assim.

  2. Resumo da opera II, a missão. Tratado de Paris tem como objetivo limitar o aumento medio na temperatura global abaixo dos 2º C acima dos niveis pré-industriais. Também envidar esforços para que não ultrapasse os 1.5º. Estimativas dão conta que os 1.5º serão atingidos em 2024. Revista ‘The Guardian Weekly’ do ultimo final de semana da conta que segundo pesquisa 77% dos cientistas do clima acreditam que o acrescimo será de pelo menos 2.5º. Parcela de cientistas que acreditam que acrescimo será maior que 3º chega a 42%. Problema é que os tais cientistas tem uma agenda (no sentido de programa de ação) ideologica. Elencam o consumo de carne como super importante. Numeros variam entre 11 e 60%. Numero é bem menor (metano entra na conta; como armazena mais energia existe um equivalente de carbono). O que leva a pensar nos diversos lobbies, industria do petroleo, cimento, aço, transporte.

  3. Resumo da opera. Necessario é conversa para adultos. Noutro dia um video de Bill Gates. Algo parecido com texto já publicado no blog do sujeito, Gates Notes. Emissões de CO2, segundo ele, irão atingir o pico ano que vem ou pouco depois. Mundo não vai acabar. Temperatura vai subir até um determinado nivel. Problema é que para baixar de novo será necessario tirar carbono da atmosfera. Foi noticiado que ele já começou a investir em captura. Pessoal das teorias da conspiração já gritou que é por isto que os super ricos estão construindo bunkers.

  4. ‘O recado da calamidade é indicação de que a hora é de juntar esforços para reerguer o Rio Grande, […]’. Discurso vazio.

  5. ‘Esta é a lição que a natureza está a cobrar de todos: o aprendizado de humanidade diante do novo normal meteorológico.’ Papinho religioso ainda. Simplificações absurdas. ‘Novo normal’ numa epoca de transição.

  6. Alas, ensino publico, SUS, etc. Funciona na base do que a casa tem para oferecer. Logo não ‘garante’ nada. Simples assim. Não são textos ou ladainhas em microfones que irão mudar isto.

  7. ‘Sincronia necessária para dar concretude ao que chamamos de Estado, o qual garanta a vida e o bem-estar de todos.’ Kuakuakuakuakuakua! O ‘humanismo’ de formigueiro! Estado é um organograma recheado de cargos. Que se forem ocupados por cabeças de bagre não funciona. Simples assim.

  8. Cidades inteiras se não deixarem de existir irão encolher. Muito. Alas, tendencia mundial, a migração para grandes centros urbanos.

  9. ‘[…] nos junta todos em uma amizade humanitária e humanizante. Esperança de que só entre nós há salvação para a humanidade.’ Papinho ‘religioso’ fajuto. Vermelhos não gostam dos crentes porque são de uma ‘religião’ diferente.

  10. ‘[…] , e recolocar o nosso Estado em sua grandeza histórica.’ Não vai rolar. Até porque já não depende mais dos autoctones. Decadencia, curva demografica não ajuda e a economia do jeito que esta estruturada favorece a emigração.

  11. ‘[…] não resta a qualquer um que tenha um mínimo de humanismo em seu coração […]’. No meu só tem sangue. ‘Humanismo’ mesmo só nos 46 genes.

  12. ‘[…] clama pelo humanismo dos brasileiros.’ Que incluem saques, tiroteios e animais abandonados para morrer. Isto entra no ‘mundo mudando pela semantica fofa’.

  13. ‘[…] assisto ao noticiário que coloca o nosso Estado no centro do mundo, por ser hoje um ponto referencial em desastres ambientais.’ Não. Mentalidade provinciana de umbigo do mundo. Guerra na Ucrania, Faixa de Gaza e morte do presidente iraniano. Para quem não entendeu ainda, antigamente as fontes de informação eram limitadas, não havia acesso ao que la fora era publicado. Agora é só olhar e ver o que é publicado.

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