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Nasceram no mesmo berço as fake news sobre a tragédia gaúcha e das vacinas da Covid – por Carlos Wagner

E tem a expressão popular “Deus me livre da língua afiada das lavadeiras”

Notícias falsas sempre existiram. No interior do Rio Grande do Sul são chamadas de “língua de lavadeira” (Fotos MD/Reprodução)

Ao se desinteressar pelo destino do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19 (CPI da Covid), a imprensa e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário perderam uma valiosa oportunidade de esmiuçar, punir e frear o crescimento da indústria da fake news no Brasil.

Lembrei-me desse fato quando o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e os seus ministros resolveram montar uma “Sala de Situação” para combater as notícias falsas que estão infernizando a vida das tropas militares, dos funcionários civis (federais, estaduais e municipais) e dos voluntários que envolvidos em ajudar os gaúchos atingidos pela maior enchente da sua história, que até agora (no fechamento deste artigo) deixou um rastro de 148 mortes, 126 desaparecidos, centenas de feridos e muitos bilhões de prejuízo. Vamos a nossa conversa.

Começamos contextualizando a história. Concluído em 20 de outubro de 2021, o relatório da CPI da Covid tem 1,3 mil páginas e coloca as digitais do governo (2019-2022) Jair Bolsonaro (PL) na morte de 700 mil brasileiros. A maioria dessas mortes foi consequência do fato do ex-presidente ter transformado o seu negacionismo em relação ao poder de contaminação e letalidade do vírus em política de governo, que foi executada pelo seu ministro da Saúde Eduardo Pazuello, na época (2020 a 2021) general de divisão da ativa do Exército e atualmente deputado federal pelo Rio de Janeiro.

Em janeiro de 2021, Pazuello cometeu uma série de erros na logística do transporte de oxigênio para os hospitais de Manaus (AM) e do interior do Pará que causaram a morte de pacientes da Covid por asfixia. Também se envolveu na produção de fake news contra as vacinas contra a Covid e apoiando drogas, como a cloroquina, ineficientes contra o vírus.

Toda essa história é documentada com provas no relatório da CPI e em dezenas de documentos, reportagens e pesquisas de cientistas. O fato do relatório não ter seguido em frente resultou que, até os dias atuais, não houve punição dos principais indiciados pela CPI, como Bolsonaro e os seus três filhos parlamentares, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo. E outros, entre eles Pazuello.

A indústria da fake news, que tinha se organizado no Brasil na eleição de 2018, inspirada na experiência de Steve Bannon, estrategista político do ex-presidente americano Donald Trump durante as eleições presidenciais de 2016, foi ampliada nos primeiros meses do mandato de Bolsonaro. Na ocasião, os seus filhos parlamentares montaram um grupo, que a imprensa apelidou de Gabinete do Ódio, que usava fake news contra seus adversários políticos e aliados que haviam caído em desgraça.

O Gabinete do Ódio viveu os seus dias de glória espalhando fake news e contratando influenciadores que semeavam o discurso do ódio nas redes sociais. Terminou em 2021, quando Bolsonaro fechou um acordo com os parlamentares do Centrão, como são chamados os deputados e senadores de vários partidos que apoiam quem está no governo em troca de cargos.

Na época, o gabinete entrou em uma disputa por espaço político no governo com um dos líderes do Centrão, Arthur Lira (Progressista-AL), atual presidente da Câmara dos Deputados. Lira venceu e o Gabinete do Ódio desapareceu da cena pública. Mas continuou atuando nos bastidores. Em 2022, o ex-presidente perdeu a reeleição para Lula.

O Gabinete do Ódio voltou às manchetes dos jornais e redes sociais bombardeando com fake news a legitimidade das eleições. E municiando de notícias falsas os bolsonaristas radicalizados que estavam acampados na frente de vários quartéis do Exército. Até que finalmente, no dia 8 de janeiro de 2023, estimulados pelas redes sociais de fake news, os seguidores do ex-presidente invadiram e quebraram tudo que acharam pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).

Atualmente, a indústria de fake news dá a versão do ex-presidente sobre as dezenas de processos e inquéritos policiais aos quais responde no STF e na Polícia Federal (PF). Na tragédia dos gaúchos, a indústria de fake news se engalfinhou com o governo federal tentando distorcer os fatos – matérias na internet.

Lembro o seguinte. Essa história de fake news pode parecer novidade. Mas não é. Ela sempre existiu. Nas guerras, os serviços de inteligência usam notícias falsas para desorientar os inimigos. Bolsonaro é capitão reformado do Exército e pautou toda a sua carreira militar e as três décadas como deputado federal pelo Rio de Janeiro usando fake news para desnortear os seus adversários políticos, em especial os ex-aliados.

Lembro-me que logo que se começou a falar sobre fake news, eu fiz o post “A língua da lavadeira é a fake news gaudéria”. Na história que contei no post usei muitas das informações que tinha apurado durante uma reportagem que fiz nos anos 90 no interior do Rio Grande do Sul. Recordei que, antes das máquinas de lavar roupa se popularizarem, as famílias levavam as roupas sujas para lavadeiras, senhoras que viviam perto dos rios.

Corria a conversa entre o povo que as lavadeiras ficavam sabendo dos segredos das pessoas pela sujeira nas roupas, inclusive o número de vezes que o casal fazia sexo. E que saíam pela cidade contando para quem se interessasse em ouvir. Foi daí que surgiu a expressão popular, no interior do Brasil, “Deus me livre da língua afiada das lavadeiras”.

A novidade dos dias atuais é que as fake news são montadas por uma competente indústria que deixou no chinelo a “língua afiada da lavadeira”. Em outro post, que publiquei em 24 de novembro de 2023, perguntei o seguinte: o que fez o governo Lula com as denúncias do relatório da CPI da Covid? Fiz a pergunta por entender que ao não se interessar em procurar nas gavetas o relatório e tocá-lo em frente, o governo perdeu uma oportunidade de expor publicamente os estragos que a indústria da fake news bolsonarista fez à saúde pública durante a pandemia da Covid – matérias na internet.

Pergunto o seguinte: o ataque que o governo federal está sofrendo da indústria da fake news no atendimento aos flagelados das enchentes no Rio Grande do Sul poderá lembrá-lo de procurar nas gavetas o relatório da CPI da Covid? Defendi, defendo e sempre vou defender que em respeito às 700 mil vítimas do vírus, os seus parentes merecem saber os motivos pelos quais morreram. E um dos motivos foi o negacionismo do governo da época, fortalecido na opinião pública pelas fake news. Sou um velho repórter que aprendeu andando pelo mundo atrás de histórias para contar que as coisas só funcionam quando a imprensa pressiona.

Portanto, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário só irão procurar nas suas gavetas o relatório da CPI da Covid se tiver um repórter batendo na sua porta. Em tudo que escrevi, o que não entendi é o silêncio da imprensa sobre o relatório da CPI da Covid. Olhem. Até as pedras dos calçamentos das ruas do Brasil sabem quem são os cabeças da indústria da fake news. Nasceram no mesmo berço as fake news sobre a tragédia gaúcha e as vacinas da Covid-19. Quem duvidar, aconselho uma lida no relatório da CPI da Covid.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 73 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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