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Derrota de Le Pen na França não é o fim do avanço da extrema direita no mundo – por Carlos Wagner

A líder da extrema-direita francesa se veste de “lobo em pele de cordeiro”

Estão, líderes da extrema direita, usando a tática do “lobo em pele de cordeiro” (Foto EBC)

Confesso que não levei a sério as previsões da ascensão da extrema direita de Marine Le Pen, 55 anos, nas eleições legislativas da França. Afinal das contas, durante a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) as tropas da Alemanha nazista, comandadas por Adolf Hitler, e da Itália fascista, de Benito Mussolini, ocuparam o território francês (entre 1940 e 1944), submetendo a população a trabalho escravo, fuzilamentos sumários e outras atrocidades que podem ser encontradas em livros, documentários e museus da história desse conflito que foi responsável por 70 milhões de mortos, 600 mil franceses.

Esse tipo de violência é lembrado anos afora. Reforcei a minha desconfiança em relação às previsões pelo fato do pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, 96 anos, ser um negacionista do Holocausto (a morte de 6 milhões de judeus, ciganos e outras minorias nos campos de concentração nazistas) e um seguidor declarado de Hitler.

Os resultados do primeiro turno (30/6) das eleições legislativas mostraram que eu tinha cometido um erro: o Reagrupamento Nacional (RN), da extrema direita, conseguiu o primeiro lugar, fazendo 33% dos votos, e a previsão era de que no segundo turno, no último domingo (7/7), faria cadeiras suficientes (285) no parlamento para indicar o primeiro-ministro.

O presidente da França, Emmanuel Macron, costurou um acordo com a esquerda e a direita para reverter o favoritismo da extrema direita. Teve sucesso: a esquerda ficou 182 cadeiras, Macron com 168, Le Pen com 143 e outros partidos com 39.

A respeito da vitória da esquerda, Le Pen disse que ela se deveu às manobras de Macron e que apenas conseguiu adiar, por algum tempo, a sua chegada e a dos seus aliados ao poder. Não vou falar sobre o futuro do acordo do presidente francês. Muito menos sobre a pressão sobre o governo às vésperas das Olimpíadas de Paris, que começam no próximo dia 26. São assuntos que vêm sendo tratados com muitos detalhes pela imprensa diária. Vou conversar sobre a técnica da extrema direita de esconder suas verdadeiras intenções.

Vamos a nossa conversa. Le Pen disse que a derrota nas eleições apenas adiou a sua chegada ao poder na França. Foi arrogância? Não, sua certeza vem de um minucioso trabalho que está fazendo perante a opinião pública sobre a imagem da extrema direita. Usando o linguajar dos tempos das barulhentas máquinas de escrever nas redações: ela está vestindo “o lobo em pele de cordeiro”.

Lembro-me que quando estive na Guerra Civil de Angola, na década de 90, conversei muito com um colega francês sobre vários assuntos. Um deles era a respeito das recordações das famílias sobre os acontecimentos da Segunda Guerra. Ele me disse que, à medida que as pessoas que viveram aquele período morriam, levavam com elas as memórias dos horrores da guerra e interrompiam a tradição oral dos velhos de contar a história para as novas gerações.

O pai de Marine, Jean-Marie, tinha 12 anos quando as tropas nazistas ocuparam a França. Ele sempre contou a versão dos alemães e italianos sobre a Segunda Guerra. Uma versão que não interessa mais ser lembrada por Marine. Em linhas gerais, a extrema direita francesa diz que a sua principal bandeira é impedir a entrada de imigrantes para proteger os empregos dos franceses.

É o tipo de argumento que funciona, porque o avanço tecnológico está substituindo em alta velocidade a mão de obra e os novos empregos que cria exigem um trabalhador altamente qualificado, o que na maioria das vezes não é o caso de quem foi desempregado pelas novas tecnologias. Muito menos dos imigrantes, que em sua grande maioria são de origem de países do Terceiro Mundo, onde falta tudo.

O fato é que a atualização técnica exigida do trabalhador não é uma tarefa simples de resolver. Atirar a culpa nos imigrantes é uma saída mais fácil, e que funciona. Citei o caso dos imigrantes como exemplo. Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump, que busca um novo mandato possivelmente contra o atual presidente Joe Biden, além de chamar os imigrantes de “ladrões dos empregos”, adiciona a acusação de “sanguinários”.

Não foi Marine Le Pen e muito menos Trump que inventaram a técnica de “vestir o lobo em pele de cordeiro” para esconder a verdade sobre a extrema direita. Ela foi aperfeiçoada nos anos 30 pelo ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. Para entender o que Goebbels fez é necessário pesquisar os depoimentos dados pelos criminosos de guerra no Julgamento de Nuremberg.

Os comandantes das Forças Aliadas tentaram descobrir como cidadãos comuns da Alemanha foram convencidos por Goebbels a se tornarem criminosos. Há outra técnica que também está sendo usada para esconder a verdade sobre o perigo da extrema direita. Vender a ideia de que a direita e a extrema direita são a mesma coisa.

Vou citar um exemplo recente. No fim de semana (7/7), aconteceu um encontro no litoral de Santa Catarina entre o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) e o atual presidente da Argentina, Javier Milei. A imprensa inicialmente chamou a reunião de encontro da extrema direita e terminou dizendo que era da direita. São duas coisas diferentes. Mas que são ditas para os leitores como se fossem sinônimo. Inclusive, até Bolsonaro vem pregando que é de direita. Não, ele é de extrema direita e sempre defendeu o golpe de estado como um meio de chegar ao poder.

Não tenho dúvidas de que Le Pen tem chances reais de chegar à presidência da França. Porque a estratégia de “lobo em pele de cordeiro” que está usando é eficiente e, portanto, pode funcionar. Mais ainda nos dias atuais, em que há uma efetiva e organizada reinvenção da extrema direita ao redor do mundo. Não há como pregar ao lado de uma notícia um estudo sobre a extrema direita. Mas temos que ser precisos e explicar ao leitor que a direita é uma coisa. E a extrema direita é outra. Já é um bom começo.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 73 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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