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Tempo – por Orlando Fonseca

“Não é dinheiro, não se pode comprar, emprestar, não se mede pela cotação”

Passadas as festas, a euforia das compras de presentes, ornamentos e provisões para as ceias, é chegado o momento de encarar a virada do ano. Embora, na perspectiva do cosmos, nada de tão significativo esteja em jogo, para nós, meros mortais, trata-se de um novo tempo. Oportunidade para rever o que foi realizado ou deixado de lado, e chance para projetar a nova etapa. Ainda que do futuro não se saiba muito, de uma coisa podemos ter certeza: não há como comprar um segundo sequer deste valor misterioso. Em meio a listas, boletos, cartões de crédito, nem sempre nos conscientizamos disso. Tudo o de que precisamos para viver cada dia do ano que começa, já está em nós, em nossa disposição de viver, em cada vão momento, como diria o Poeta, falando de amor. O tempo não entra neste jogo, até porque, quando nossa jornada tiver alcançado o seu ápice, não teremos como alegar falta de tempo para isso. Na chamada Hora H, o momento definitivo para cada um, todo o dinheiro acumulado perde o sentido, assim como o tempo deixa de fluir, ao menos como nossa percepção indica. Por isso é importante estar atento ao novo ciclo que começa, depois de uma volta completa de nosso planeta, em torno do sol.

Tempo não é dinheiro, não se pode comprar, emprestar, não se mede pela cotação do dia. Diante da necessidade de produzir e, em face da dinâmica do capital, a tendência é atribuir equivalências monetárias às nossas rotinas. Mas não há como usar essa régua para quase tudo o que diz respeito à alma humana, essa essência que nos distingue das demais coisas que compõem o mundo que conhecemos. Sequer o trabalho pode ser medido desse modo, mesmo que, para efeito de remuneração, seja entendido como bem venal. Tivemos um ano em que, no Brasil, ganhou alarde a discussão sobre a escala 6×1. Para muitos, que medem tudo em dólares, o que se faz naquele pequeno intervalo de ócio, é perda de tempo. Ledo engano, pois “não fazer nada” tem sido a matriz de grandes ideias no mundo, a começar pela filosofia, na antiguidade grega. Dedicar um tempo para a reflexão e a meditação melhora a saúde da mente, o que se reflete no bem-estar do corpo.

Os momentos em que nos encontramos com a nossa individualidade são cruciais para uma vida em paz. A correria do dia a dia, o trânsito, a violência, a falta de perspectiva, as notícias da guerra, colocam a nossa mente em permanente atenção. Nos gabinetes governamentais e salas das corporações, não se discutem as fraquezas de nós, indivíduos. Não há soluções individuais para problemas coletivos. A ansiedade e a depressão pelo cumprimento de metas ou pelas instabilidades todas, são situações que só podemos corrigir dedicando-nos um olhar generoso, individualizando nossa condição. A pandemia nos fez ver que é possível frear as máquinas aceleradoras, e racionalizar o tempo, os equipamentos, as atividades para curar feridas do corpo e da alma. O certo é que o tempo voa – nem bem nos recuperamos dos eventos climáticos em maio e chegamos nas Olimpíadas, nas eleições, e vieram as festas do final do ano. Já que o tempo segue o seu curso impassível, a despeito de nossas ansiedades, o melhor é vivê-lo e deixar que corra por bons motivos. Ele não está passando mais rápido, a percepção de sua passagem depende do quanto damos atenção aos detalhes daquilo com que nos ocupamos.

Somos como poeira no vento, e há quem pense que somos filhos da poeira das estrelas. Dizem os versos daquela canção do Kansas, que completa: “todo teu dinheiro não comprará outro minuto”. Não se trata de tentar recuperar isso que nem sabemos como é, mas sim de recuperarmos o que podíamos ter feito, o que deveríamos ter feito; trata-se de nossa ação no tempo, e não o tempo da ação. De modo que tudo o que desejo para esta virada de ano é que tenhamos ânimo, paz e alegria para fazer um esforço conjunto a fim de tornar esta jornada de nosso planeta boa para todos.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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7 Comentários

  1. Resumo da opera. Amontoado de chavões. A cornucopia da esquerda, ‘todos trabalharão menos e ninguém vai passar necessidade’. Com na Venezuela, em Cuba, etc.

  2. ‘ Não há soluções individuais para problemas coletivos.’ O todo é a soma dos individuos. Não há solução coletiva para problemas individuais. Sempre sobra alguém. Boa parte não tem o problema totalmente resolvido.

  3. ‘ Dedicar um tempo para a reflexão e a meditação melhora a saúde da mente, o que se reflete no bem-estar do corpo.’ Puxar um cabo de enxada também. Servidores que tem tempo para se preocupar com saude deviam experimentar. Ficar esfregando a barriga num mesa no ar condicionado não é saudavel.

  4. ‘[…] tem sido a matriz de grandes ideias no mundo, a começar pela filosofia, na antiguidade grega.’ Filosofia não tem valor economico lato sensu. Alguém pagava a conta.

  5. ‘[…] no Brasil, ganhou alarde a discussão sobre a escala 6×1.’ Factoide do PSOL. Parte cortina de fumaça, parte tentativa de ‘arrebanhar as massas’ para uma causa comum em torno dos vermelhos. Não teve eco na sociedade como o protesto petista pela prisão do Cavalão. Ambos floparam.

  6. ‘Tempo não é dinheiro, não se pode comprar, emprestar,[…]’. Obvio que é. Quem tem carteira assinada precisa ficar 44 horas semanais a disposição do empregador. E produzir senão a cabeça rola. No serviço publico é outra historia. A começar que são 40 horas geralmente.

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