ANIMAIS. Justiça com as próprias patas: de forma inédita em SM, uma gata é coautora de ação judicial
“Cacau” busca indenização contra uma clínica por danos morais e materiais

Por Pedro Pereira / Com informações do TJRS
Pela primeira vez em Santa Maria, uma gata figura na autoria de uma ação judicial. A Cacau, como é chamada a felina, foi vítima de imprudência – ou incompetência – veterinária em uma intervenção cirúrgica de castração e deseja uma reparação pelas consequências, que são sentidas até hoje. O processo foi recebido pelo juiz Régis Adil Bertolini, da 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Maria, na quarta-feira (22)
Na decisão de Bertolini, é atestado o reconhecimento de “pessoa não-humana” à Cacau, validada como coautora na ação junto de sua tutora, que busca a indenização de uma clínica veterinária por danos morais e materiais. De acordo com o advogado Márcio Bernardes, a recepção por parte do juiz é um avanço na temática do direito animal, uma vez que poucas são as vezes em que os animais são admitidos como sujeitos de direito. “Isso demonstra, em certa medida, que o próprio Judiciário está começando a entender essa novidade”, destacou.
Caso Cacau
Tudo começou em maio de 2024, quando a tutora de Cacau decidiu castrá-la. Em princípio, estava tudo normal. Contudo, quando voltaram para casa, a gata começou a sentir dores e desconfortos – chegando a ficar com os olhos esbugalhados em certo momento -, o que fez com que fosse feito contato com a clínica. Em resposta, o local afirmou ser algo normal após a cirurgia. A tutora esperou até que, de tanto esperar e a situação não melhorar, fez contato com outra clínica veterinária.

Em resumo: foi sinalizado que os tecidos da gata estavam apodrecidos internamente e que isso seria em decorrência de uma cirurgia de castração malfeita, como por conta de uma anestesia realizada de forma inadequada. Problemas renais crônicos foram gerados na Cacau, que tem como tutores um casal formado por uma mulher e por um homem adultos, além da mãe desta mulher que, naturalmente, tem Cacau como “neta”.
Como o processo segue em andamento, a família responsável pelo pet, que procurou a justiça, decidiu não ter as identidades reveladas. Bernardes realça que, muitas vezes, os juízes não recebem uma ação desse tipo pois entendem que há ilegitimidade. Bertolini, contudo, crê na garantia dos direitos dos animais. “Cada vez mais a jurisprudência dos Tribunais brasileiros caminha no sentido de reconhecer a possibilidade de animais domésticos serem autores em processos judiciais, especialmente nas ações que versem sobre o respeito, a dignidade e o direito desses seres”, afirmou o juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Maria
Pets como pessoas não-humanas
Bernardes é advogado do escritório Ferrony, Bernardes e Andrade da Silva Advogados Associados e, junto de Edenise Andrades da Silva, assumiu o caso. Ambos, além de atuarem na advocacia, são pesquisadores: ele no campo do meio ambiente e ela na causa animal. Embora esse não tenha sido o primeiro processo do tipo que trabalharam, esta foi a primeira vez que obtiveram qualquer sucesso.
“Até agora, nós não tínhamos conseguido que uma ação fosse aceita admitindo o animal como autor. Mas, no mundo acadêmico do direito, essa discussão sobre os animais poderem ou não ser sujeitos de direito, tem bastante impacto nacionalmente. Com eles sendo sujeitos de direito, admitindo que eles têm direitos, se eles podem pleitear esses direitos na justiça. Se os animais teriam a capacidade de, representado por seus tutores, por uma ONG ou pelo Ministério Público, ter acesso ao judiciário”, contou Bernardes.

Conforme revela o advogado, a questão tem sido debatida em outros lugares do Brasil. Ele destaca acontecimentos na Paraíba, entre 2021 e 2022, quando 22 gatinhos promoveram uma ação contra um condomínio. O juiz extinguiu a ação entendendo que os animais, embora fossem apoiados por uma ONG, teriam uma autoria ilegítima. No Paraná, cães já foram reconhecidos como sujeitos de direito pelo Tribunal de Justiça do Estado em outro caso. Internacionalmente, também há declarações como na Índia e na França.
“No Brasil, tem algumas poucas ações, mas dentro do Judiciário isso ainda é uma discussão viva, porque alguns juízes entendem que não é só o ser humano que pode ser parte do direito. A grande discussão é essa: se os animais que sentem, que têm consciência da dor, do amor, do afeto, sobretudo os animais domésticos, que têm o carinho que a gente tem, que não podem sofrer maus tratos, tem que ter a sua dignidade animal respeitada e direitos.
Quando li o começo da frase achei tratar-se do STF.