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Bolsonaro corta laços políticos e de amizade com os manifestantes do 8 de Janeiro – por Carlos Wagner

Porém, é “como diz o ditado popular. Uma imagem vale mais que mil palavras”

Ex-presidente Jair Bolsonaro não foi ao interrogatório no Supremo para brigar, mas para contar a sua versão da história (Foto EBC)

Assim descrevo o comportamento do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, na tarde de terça-feira (10), durante o interrogatório feito pelo ministro Alexandre de Moraes, 56 anos, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro foi Bolsonaro. Desde que iniciou a sua carreira parlamentar como vereador do Rio de Janeiro, em 1988, e depois deputado federal (1991 a 2018) e presidente da República (2019 a 2022), a sua principal característica é cortar os laços políticos e de amizade com seus seguidores que se tornam uma ameaça a sua carreira.

Entre nós, jornalistas, costumamos dizer que o ex-presidente não volta para buscar os seus companheiros feridos no campo de batalha. Durante o interrogatório, sem nenhuma cerimônia negou que tivesse tido relação com os seus seguidores acampados na frente de unidades das Forças Armadas. Vamos conversar sobre o assunto.

Mas antes vamos seguir o manual do bom jornalismo e contextualizar a nossa conversa. Repito que não podemos partir do princípio de que o leitor sabe do que estamos falamos. Bolsonaro, ex-ministros e outros ex-funcionários de alto escalão do seu governo são acusados de terem montado uma organização criminosa, em 2022, com o objetivo de dar um golpe de estado. A organização foi formada pelo ex-presidente e outras 33 pessoas (27 militares reformados, da reserva e da ativa).

A Procuradoria-Geral da República (PGR) dividiu o grupo em quatro núcleos. O primeiro a ser interrogado foi o “núcleo crucial”, assim chamado por reunir os articulares da tentativa do golpe. Cabe aqui uma lembrança. Nos tempos das máquinas de escrever nas redações, os repórteres que faziam a cobertura dos assuntos policiais chamariam este núcleo de “andar de cima”, onde se alojavam os chefes.

Os interrogatórios começaram na tarde de segunda-feira (9) e terminaram na terça. Agora começa a fase de diligências complementares, quando a acusação e a defesa têm cinco dias para apresentar os seus pedidos de investigações adicionais. Terminada a contextualização, voltemos a nossa conversa.

Ainda não vi pesquisas sobre a audiência das TVs que transmitiram a sessão da Primeira Turma do STF na terça-feira. Mas creio que tenha sido significativa, porque existia uma grande expectativa a respeito do desempenho do ex-presidente perante o ministro Moraes.

Havia uma grande aposta de que ele perderia a calma e “enfiará os pés pelas mãos”, como se diz no interior gaúcho. Isso não aconteceu. A performance dele foi perfeita. Respondeu às perguntas de maneira serena, tom de voz com uma sonoridade agradável, e misturou, na medida certa, humor com informações. O comportamento do ex-presidente foi inédito?

Não foi. Lembro que durante o seu governo, sempre que uma das suas lambanças colocava em risco o seu cargo, ele recuava dizendo que tinha sido mal compreendido. Isso aconteceu várias vezes. Vou citar uma. Em 7 de setembro de 2021, o então presidente Bolsonaro participou das comemorações do Dia da Independência em Brasília (DF) e na cidade de São Paulo (SP).

Nos dois discursos que fez, na Esplanada dos Ministérios, na capital federal, e na Avenida Paulista, ele questionou a segurança das eleições eletrônicas. E afirmou que não iria mais obedecer às determinações judiciais do ministro Moraes. Nos dias seguintes, o “mundo caiu da cabeça dele”. Foi alertado pelo seu círculo pessoal que poderia sofrer impeachment e depois ser preso por ter pregado a desobediência às ordens judiciais. E recuou.

Passaram-se quatro anos, e na terça-feira, durante o interrogatório na Primeira Turma, Moraes perguntou ao ex-presidente sobre uma denúncia que ele fazia sempre que surgia uma oportunidade. Em uma delas, durante uma reunião em 5 de julho de 2022, acusou os ministros do STF Edson Fachin, 67 anos, e Luís Roberto Barroso, 67 anos, que na época integravam também o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de terem recebido 50 milhões de dólares para fraudar as eleições daquele ano.

O ex-presidente respondeu de maneira direta à pergunta. Começou a sua resposta dizendo que usa uma retórica política (maneira de influenciar os eleitores) desde que iniciou a sua vida parlamentar, em 1988, como vereador no Rio de Janeiro (RJ), que manteve nos seus 28 anos na Câmara dos Deputados e nos quatro anos que ocupou a Presidência da República.

Bolsonaro não esclareceu durante o depoimento a estrutura da sua retórica. Mas, durante o seu mandato presidencial, nós jornalistas aprendemos que sua retórica consiste em incluir informações falsas que têm um grande poder de atrair a atenção das pessoas. Como foi o caso do suposto suborno dos ministros. Depois de ouvir o relato do ex-presidente, Moraes perguntou se ele tinha provas do suborno. Ele respondeu que não tinha provas. E pediu desculpas.

Seguindo a sua tática de, antes de responder às perguntas, falar sobre outro assunto, Bolsonaro aproveitou e disse que aqueles que acamparam na frente das unidades militares pedindo a volta do AI-5 (o Ato Institucional Número 5 foi uma lei de exceção da ditadura militar, promulgada em dezembro de 1968, que intensificou a repressão política no país) e que as Forças Armadas dessem um golpe de estado, “eram uns malucos”.

Sem nenhuma cerimônia, o ex-presidente tentou cortar os seus laços políticos e de amizade com os bolsonaristas que saíram da frente dos quartéis em 8 de janeiro de 2023 e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF, em Brasília. Lembrei-me que ele e seus seguidores vêm tentando enfiar garganta abaixo da população brasileira o PL da Anistia, um projeto de lei que perdoa todos os envolvidos no 8 de janeiro e na trama golpista.

Virou símbolo desta situação a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que usou um batom para escrever na Estátua da Justiça, em Brasília, a frase “perdeu, mané”. Ficou conhecida como “Débora do Batom” e está em prisão domiciliar – matérias na internet.

Aqui vou lembrar ao leitor alguns detalhes que considero importantes. A trama golpista consistiu em realizar uma série de atos, que se iniciaram no começo de novembro de 2022, com o objetivo de provocar pânico e impedir que o presidente eleito da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, assumisse o cargo – matérias na internet. O ato de 8 de janeiro foi o mais impactante por vários motivos. Primeiro, porque foi transmitido ao vivo pelas emissoras de TV, rádio, redes sociais e outras plataformas na internet. Além disso, as imagens das câmeras de segurança detalharam o que aconteceu dentro dos prédios invadidos.

Tudo foi documentado por imagens e sons. Não é por outro motivo que o ministro Moraes usa essas imagens para sintetizar a história da tentativa do golpe. Bolsonaro tem insistido que não teve nada a ver com o 8 de janeiro. Cita que inclusive estava nos Estados Unidos naquele dia.

Não é o que contam as 884 páginas do relatório final da Polícia Federal (PF). Ali diz que as digitais do ex-presidente estão vinculadas a uma série de fatos que desembocaram no 8 de janeiro. Como diz o ditado popular. Uma imagem vale mais que mil palavras. Este é o motivo pelo qual o ex-presidente quer ficar longe da turma do 8 de janeiro.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 75 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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2 Comentários

  1. Esta é daquelas. O ‘jornalismo’ se resume a fazer juizos de valor que terceiros ‘deveriam’ fazer. Com guerra no Oriente Medio os poucos que prestavam atenção no assunto possivelmente não estão acompanhando. O inelegivel vai continuar assim e usar truquezinhos não vai mudar o que as pessoas acham do Rato Rouco.

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