Crônica 400 – por Orlando Fonseca

O editor me informa que, com este texto, alcanço o número de 400 crônicas neste espaço. Até brinca comigo que, por ser mais das letras, não dou muita bola para isso. No entanto, nos últimos anos, até pelo acúmulo de tempo (e maturidade, por suposto) os números passaram a ter muito sentido, sim. Como tenho um padrão de texto, mais ou menos estabelecido, para caber na página do site, posso dizer que já são 252 mil palavras, ou 1.288.000 caracteres. Lembrando que um dicionário online de português pode ter até 400 mil palavras, ainda não percorri tanta coisa assim, usando nossa língua pátria. Tudo bem, temos 26 letras em nosso alfabeto, mas um taquígrafo no Congresso nacional, ou servidor de cartório terá usado mais caracteres, em 40 anos, do que eu escrevendo neste espaço. Ou seja, são apenas números em um universo de letras, o que certamente não tem maior significado em termos literários (meu afã), não passam de contabilidade.
Então, para não perder a prática dos cronistas, comecei a colher no baú das lembranças alguma referência simbólica nestes 400, na história ou no literatura, para ver que outra dimensão pode ser comparada à façanha que me anuncia o editor. Tem lá os 300 guerreiros que acompanharam Leônidas, rei de Esparta na defesa do desfiladeiro de Termópilas, contra o poderoso exército persa de Xerxes I, alguns séculos a.C. (os persas, aliás, vão precisar mais do que gente para defender o seu atual território, o Irã). Aquele número parece meio mágico, pois a Bíblia também registra que o Todo Poderoso orientou Gideão, juiz de Israel e líder militar, a escolher 300 soldados para enfrentar o exército midianita (o Gideão moderno usa mísseis). Mas, olhando assim, para quem luta com a palavra, como diria Drummond, esses números “são outros 500” (expressão nascida a partir de uma lei na península Ibérica, século XIII, que estipulava uma multa de 500 soldos a quem ofendesse um nobre). E ofensa é tudo que não faço em meus textos. Não achei outros 400 que me identificassem, a não ser o das famílias paulistas, cujos membros das oligarquias tradicionais de São Paulo, são chamados de quatrocentões. Enfim, como não tenho vocação bélica, nem venho de aristocracia qualquer, vou ter de me virar para esse texto com os meus 400, que, convenhamos, não é pouca coisa (e não é para me exibir).
Tendo iniciado em 1977 esta trajetória de ocupar espaços em jornais da cidade, eu me aproximo do meio século de crônica. Não é uma jornada épica para a humanidade, ainda que feita de literatura e jornalismo, porém é um fato que tem mais significado pra mim do que pra minha comunidade. Ainda assim não posso retirar da essência da minha proposta o aspecto que me liga à história cultural da cidade. Esta dimensão é que me fez, desde o início, buscar as referências capazes de dar substância ao meu trabalho. Conteúdo que, via de regra, circula pelas ruas, pelas rodas de bate-papo, pelas páginas de jornais e comentários de rádio e televisão. Nos últimos anos, tem-me valido também o que circula pela internet, nem sempre confiável, mas mesmo assim valioso (verdades ou fake news rendem).
Quando me dei conta de que a dimensão do que eu fazia estava estabelecido como gênero por gente como Rubem Braga, Fernando Sabino e LFVerissimo, entendi que a primeira coisa a fazer era estudar como eles (e outros) operavam para dar beleza e sentido à crônica. Tendo sido professor de Produção Textual na UFSM, expandi o meu conhecimento para tornar didática a escrita e interpretação destes e de outros textos. O que certamente me valeu muito para ir além do prosaico em tudo o que tenho feito por aqui. Sou grato ao meu editor, Claudemir Pereira, que além da parceria da amizade e do site, tem confiado em minha dedicação em ocupar este espaço para dar voz a um cronista provinciano, mas atento (e bem intencionado). Se ainda houver ânimo e interesse em produzir esses textos, tendo oportunidade, pretendo seguir em frente. Se vou conseguir, aí são outros 400 (porque tem o olhar do editor também, que é o dono do pedaço).
(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.
Resumo da opera. Seinfeld era uma serie de tv sobre nada. Esta cronica também.