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O jornalismo do entretenimento e o entretenimento do jornalismo – por Guilherme Bicca

“Está na hora de revisitar a máxima de que o que dá audiência é desgraça”

Você já ligou para a polícia por um motivo banal e se sentiu mal por saber que eles têm ocorrências mais graves e relevantes pra tratar? 

Pois eu me sinto um pouco assim, como assessor de imprensa, quando preciso pedir espaço para uma pauta de baixo interesse público, em meio a tantos outros assuntos relevantes para serem tratados em nosso dia a dia. 

Mas essa sensação logo passa quando me deparo com algumas reportagens que vão ao ar em pleno horário nobre, no noticiário local. 

E principalmente quando lembro que sua justificativa para não apoiar as iniciativas da cidade são a falta de tempo disponível na grade da programação. 

Em um dia, temos uma galinha que adotou um gato como filho. Noutro, um papagaio que cita os vice-governadores gaúchos em ordem alfabética, e por aí vai. 

Sim… o insólito é um dos critérios que devem ser considerados pelas redações na hora de “escalar” uma notícia, segundo a teoria do gate keeper. Mas até que ponto essas pautas devem (ou podem) tomar o lugar de outras que realmente são carregadas de informação? 

Quantos assuntos realmente importantes deixaram de chegar às casas das pessoas porque naquele dia o entretenimento venceu a informação e alguém decidiu que era melhor falar da ovelha que vive em meio aos terneiros, do que aquilo que foi tratado no Conselho de Saúde da cidade, por exemplo? 

O problema não é o entretenimento em si. Ele é legítimo, necessário, e cumpre seu papel social: aliviar, aproximar e humanizar. O problema é quando ele passa a ocupar o lugar da notícia e é embalado de jornalismo para garantir audiência.

O que antes era um respiro leve entre as tragédias, tornou-se o produto principal de muitos telejornais. As emissoras descobriram que o riso prende mais que a reflexão e que o papagaio sabichão tem mais apelo que a informação.

A era do “conteúdo leve” saltou dos smartphones para formar o noticiário de entretenimento travestido de jornalismo humanizado. 

É claro que há espaço para o leve, o curioso, o divertido. Mas quando o noticiário vira show, o jornalismo perde seu papel de mediação entre o cidadão e a realidade. 

Em resumo: a tentativa de fazer rir ocupa o tempo que deveria ser usado para entender o que de fato impacta a vida das pessoas. E o cidadão passa a achar que está informado, quando na verdade apenas se divertiu.

A consequência disso é um novo tipo de desinformação: a desinformação pelo excesso de irrelevância. 

Não é aquela fake news clássica, fabricada. É a desinformação sutil, mas de fato. Com vinheta e apresentadores sorridentes, em um sofá, como na casa da gente. 

Ela não mente. Mas também não diz nada.

E esse fenômeno tem reflexo direto na agenda pública. Quanto menos espaço se dá a pautas estruturais, mais elas parecem distantes do cotidiano da população. 

O resultado são cidadãos desmobilizados, incapazes de se engajar em temas complexos. Até porque, depois que se perde o fio da meada… não recupera mais.

E entre uma galinha mãe adotiva, e um papagaio com memória de elefante, o público segue bem informado… sobre tudo, menos o que realmente importa. 

Está na hora de revisitar a máxima de que o que dá audiência é desgraça. Tenho achado que é a graça.

(*) Guilherme Bicca é jornalista graduado na Universidade Franciscana (UFN) desde 2008. Nesses anos, especializou-se em assessoria de comunicação integrada, quando realizou trabalhos junto a instituições como Sociedade de Medicina; Apusm; Sindilojas; e, mais recentemente, CDL Santa Maria. Está à frente da comunicação de entidades como Adesm e Secovi Centro Gaúcho; presta assessoria especializada ao Fidem Bank; é redator sênior na Jusfy, legaltech eleita a startup mais escalável do último South Summit. Também é um dos âncoras do Semanário, programa veiculado aqui mesmo em claudemirpereira.com.br; e criador do podcast Bocas do Monte, da TV Santa Maria. Guilherme Bicca escreve às sextas-feiras no site.

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11 Comentários

  1. Resumo da opera. Pessoas são bombardeadas por informação diariamente. Muita gente se informa via Tik Tok, videos curtos. Memes. Mais conveniente. Nivel de informação é fragmentado, uns se interessam mais do que outros. Sinal dos tempos. Não é defeito, é caracteristica. Não vai voltar a ser como antes.

  2. ‘Não é aquela fake news clássica, fabricada. É a desinformação sutil, mas de fato.’ Fake News é a mentira classica. Desinformação mistura coisas reais com mentiras para criar duvida, confusão. Numa população que acha que é ‘esperta’ gera teorias da conspiração, manipulação, etc. Nesta os gate keepers estão longe de serem ‘santos’, gostam de omitir detalhes para dar o vies desejado.

  3. ‘O problema é quando ele passa a ocupar o lugar da notícia e é embalado de jornalismo para garantir audiência.’ Ganha-se um publico, perde-se outro. Quem só está interessado em fatos vai procurar noutro lugar. Pior, as vezes vira encheção de linguiça. Falta objetividade. Pior, as vezes vira ‘informalidade’, apresentadores falando na vida pessoal ou casos pitorescos pessoais que interessa só alguns. Os ‘empaticos’.

  4. Conselhos ainda. Se é publico não é de ninguém. Não existe ‘republica’. Não é a França e nem vai ser por decreto.

  5. ‘[…] do que aquilo que foi tratado no Conselho de Saúde da cidade, […]’. Quanto mais baixa a posição da criatura na ‘cadeia alimentar’ menos tempo livre disponível. Pessoas necessitam de alguma maneira de ‘aliviar a pressão’. O conselho, como todo soviet, foi criado com base em decisões tomadas no ar condicionado por pessoas com muitos recursos e muito tempo livre. Não levaram em conta a ‘conveniencia’. Objetivo é construir a imagem de ‘participação popular’ e ‘democracia’. De cima para baixo.

  6. Voltando ao gate keeper. Jornalistas, muitos se intitulam ‘progressistas’ (o equivalente a chamar porcos de sanitaristas), acham que são intelectuais que irão ‘salvar a humanidade’. Viés evidente. Existe o ‘bem’ e o ‘mal’. ‘Noticia’ é a soma de versões sobre os fatos, opinião pessoal e juizo de valor. Alas, empresas maiores tem profissionais responsaveis para elaborar clippings. De gerente para cima existe orientação sobre quais assuntos merecem atenção.

  7. Alas, pessoal do juridico tirando os assuntos habituais do métier também estão altamente defasados. É só abrirem a boca e saem situações esgualepadas das leituras obrigatorias da graduação. Rousseau, Beccaria e outros. Economia? Adam Smith. Se as leituras pararam no seculo XVIII ou XIX já se sabe o que vai sair.

  8. ‘Sim… o insólito é um dos critérios que devem ser considerados pelas redações na hora de “escalar” uma notícia, segundo a teoria do gate keeper.’ Na aldeia fica bem evidente como funcionam as redações. Vermelhos pululam. Gente defasada que não se adaptou aos novos tempos. Sobrevivem do atraso da cidade. ‘Campanhas de conscientização’. Pessoal do juridico e funcionalismo publico da Universidade publico alvo.

  9. Truquezinho antigo jornalistico, pegar o caso isolado e tentar vender a imagem de que é regra. Galinhas, gatos e outros bichos. Alas, outro truquezinho barato, tentar fazer uma minoria parecer maioria.

  10. ‘[…] sua justificativa para não apoiar as iniciativas da cidade são a falta de tempo disponível na grade da programação.’ Qual os reais motivos? Irrelevancia das iniciativas deve ser um. O ‘para trabalhar até relogio ganha corda ou bateria’ é outro. Sociedade de Medicina só interessa para o pessoal da saude. Apusm para os docentes. Lojas são problemas dos lojistas. Bancos são bancos e imobiliarias e incorporações não são de interesse geral.

  11. Por partes como diria Elize Matsunaga. Noticiario local quem acompanha? Não se sabe. Chutaria que o pessoal de mais idade e parte das patotinhas.

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