Coluna

Paraíso em tons de cinza – por Bianca Zasso

bianca aAlgumas duplas marcaram época na Sétima Arte. Abbott e Costello, O Gordo e o Magro, os irmãos cara-de-pau encarnados por John Belushi e Dan Aykroyd, Bambino e Trinity, imortalizados nas telas pelo recém falecido Bud Spencer e seu parceiro Terence Hill. Em 1975, duas moças que passam longe da ficção conquistaram o público e deixaram rastros impossíveis de apagar. Grey Gardens, documentário dos irmãos David e Albert Maysles (os mesmos do ótimo Gimme Shelter) espalhou pelo mundo um pedaço da vida de Edith Bouvier Beale e de sua filha Little Edie, primas de Jackie Kennedy Onassis.

Após seus anos de ouro devido a parente famosa, as duas acabaram isoladas na mansão conhecida como Grey Gardens. A solidão é quebrada quando a justiça entra em cena, alegando que a casa não tem condições de ser habitada. Duas mulheres acostumadas às colunas sociais passam a estampar as manchetes como moradoras de um local decadente, sujo e habitado por gatos e guaxinins que roem suas paredes.

Na mão de um documentarista sedento por polêmica, teríamos algo que segue o modelo tradicional, provavelmente explorando as falas etéreas de Little Edie e as discussões que ela mantém com a mãe. Os Maysles, no entanto, adentram em Grey Gardens como visitantes, travando diálogos com as protagonistas, que em alguns momentos parecem esquecer que estão diante de dois profissionais realizando um filme.

Little Edie chega até a declarar que está apaixonada por um dos irmãos. O mergulho que Grey Gardens propõe aproxima o espectador de uma realidade desoladora, onde duas pessoas que já foram ricas vivem o dilema de tentar manter velhos costumes ao mesmo tempo que se mostram nostálgicas dos seus dias de glória.

bianca bApesar de Edith ser a dona da casa, é Little Edie quem conduz os dias e a trama de Grey Gardens. Suas mudanças repentinas de humor e opinião, demonstram o quão grande foi o trauma de tornar-se anônima. Ela divaga sobre os pretendentes que perdeu, da carreira de bailarina que não conseguimos saber se foi real ou apenas fruto de sua imaginação fértil e as roupas que ela improvisa de forma insólita.

Aliás, nunca um documentário teve tanta influência entre designers. Os turbantes de toalhas e as saias feitas com casacos foram parar nas passarelas anos depois do lançamento do filme. Little Edie, mesmo reclusa e um tanto confusa, continuava marcando presença.

Enxuto, com pouco mais de uma hora e meia, Grey Gardens conquista desde o primeiro plano. É impossível ficar imune aos devaneios e lembranças de Edith e Little Edie. Mesmo com alguns instantes cômicos, o que o documentário mais registra são duas mulheres vivendo com intensidade a desilusão, seja pela situação em que se encontram, seja consigo mesmas, tentando exorcizar os próprios fantasmas.

A câmera de David e Albert em nenhum momento é invasiva, e isso colabora para que, em determinados momentos, sejamos pegos pela dúvida se toda aquela loucura de cotidiano não passa de teatro. As entrevistas presentes nos extras nos dão a resposta: Little Edie é de verdade e suas dores e paixões realmente fazem parte de Grey Gardens.

Em 2009, um filme para a TV, protagonizado por Drew Barrymore e Jessica Lange, dramatiza as lembranças de mãe e filha utilizando as cores e os cenários do documentário como base. O resultado são atuações grandiosas. Mas nada supera o olhar perdido de Little Edie e sua mãe avistando o mar do terraço. O oceano é azul, mas o paraíso delas é em tons de cinza.

Grey Gardens

Ano: 1975

Direção: David Maysles, Albert Maysles, Ellen Hovde, Muffie Meyer e Susan Froemke

Distribuição: Obras-Primas do Cinema

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo