Coluna

Desejo permanente – por Bianca Zasso

Que os filmes produzidos no estado de Pernambuco representam os trabalhos mais criativos do cinema brasileiro na última década não resta dúvida. Quem prestigia as produções que falam a nossa língua aprendeu a ver Recife como uma cidade cinematográfica e que permite falar do que faz parte de sua identidade sem deixar de ser universal.

O diretor Leonardo Lacca faz parte da geração recifense que não tira o pé da terra natal, mas fala para multidões. Não no sentido de bilheteria farta, mas de sentimento em abundância. Permanência, sua estreia em longas-metragens, é assim. Mas não espere ter que assisti-lo com uma caixa de lenços por perto. O drama aqui é velado, daqueles que apertam o peito ao ponto de não conseguirmos nem chorar.

Inspirado em um curta também da autoria de Lacca, Permanência acompanha a temporada do pernambucano Ivo na casa da ex-namorada Rita, em São Paulo. Os manuais românticos não recomendam dividir o mesmo teto com um antigo amor, mas o motivo é nobre, já que Ivo, que é fotógrafo, vai realizar sua primeira exposição individual na capital paulista. Rita casou com um arquiteto e Ivo parece ter deixado alguém a espera no Recife, como dão a entender seus telefonemas.

Só que papel passado e linha telefônica não impedem a volta de desejos. Desde o primeiro encontro, o desconforto impera. O espectador quase duvida que um dia aqueles dois já foram um casal. Mas bastam alguns minutos e um passeio da boca de Ivo pela nuca de Rita para tudo ser entendido. Algo ainda está vivo, ou pelo menos ainda aflora quando os dois estão juntos. Só que Permanência é um filme de vírgulas. Se na gramática elas representam uma pausa na frase, aqui aniquilam qualquer continuidade de toque.

A tensão sexual presente em todos os momentos em que Ivo e Rita dividem a cena bastaria para fazer do filme uma agonia, dessas que a gente procura na sala escura por prazer ou para lembrar das nossas próprias. Porém, ainda há elementos cênicos que intensificam a respiração ofegante do público. A água fervendo que vira café, a impressora indo para lá e para cá deixando rastros no papel, o metrô cortando o trilho.

Saindo dos simbolismos, Lacca chega ao ponto de colocar as mãos do casal entrelaçadas, intercalando entrega e fuga dentro de uma sala de cinema. Parece o lugar sagrado para concretizar a vontade de ambos, mas o telefone toca. Vírgula. Cena seguinte.

Irandhir Santos, o ator-símbolo do cinema pernambucano, dá mais uma amostra de seu talento para interpretar o homem comum, mas a grande atuação de Permanência é de Rita Carelli. A tristeza está nos olhos da atriz, que também guardam segredos, já que pouco se sabe sobre como foi sua relação com Ivo no passado.

Deixar o público por fora dos detalhes é o que encanta, já que cada um pode levar para casa uma história diferente. Arte é troca. Quando o diretor permite que ela aconteça com mais liberdade, merece o nosso aplauso. E permanece.

Permanência

Ano: 2014

Direção: Leonardo Lacca

Disponível em DVD

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