Coluna

O homem e seus discos ou como um filme envelhece – por Bianca Zasso

Já que esta que vos escreve já esteve presente neste sítio no início da semana dividindo lembranças, acho importante não perder o ritmo. Há alguns meses tenho me dedicado a vivenciar a crise dos 30 de uma forma cinéfila, revendo alguns filmes que foram importantes ao longo dessas três décadas em que habito este planeta. O tempo não tem permitido uma dedicação muito intensa, mas seguimos tentando. Entre as últimas revisões, uma mostrou a poeira acumulada com mais força.

Alta Fidelidade, dirigido por Stephen Frears e inspirado no livro homônimo de Nick Hornby, chegou aos cinemas no início dos anos 2000. A trama gira em torno de Rob Gordon que pode ter a vida resumida em dias circulando por sua loja de discos em Chicago, dezenas de listas para quase tudo e uma coleção considerável de decepções amorosas. Na época de seu lançamento, sua trilha sonora era tão comentada quanto seu roteiro, que tem a mão do protagonista John Cusack, um confesso fã da literatura de Hornby. Para quem aos 13 anos estava descobrindo Bob Dylan, Peter Frampton, Elvis Costello e outros nomes da música, era um encanto, a ponto de ofuscar a essência da história. Sim, caro leitor, às vezes é preciso envelhecer para captar o real sentido das coisas.

Alta Fidelidade é, antes de qualquer boa canção, um filme sobre a fraqueza masculina. Não tem nada a ver com falta de testosterona, é algo mais underground, tão escondido que nem os próprios homens conseguem enxergar e sentir por completo. Rob Gordon entra em crise quando sua namorada Laura o abandona e começa a lembrar, sempre permeado por uma e outra fita cassete gravada para suas amadas, os foras que levou. A ferida é tão profunda que sua primeira lembrança é da adolescência quando, após um beijinho na colega de escola, ele vê tudo desabar porque a boca dela está próxima demais da de outro garoto da classe.

Primeiros romances marcam, mas o público feminino sabe que, para a garota, foi só um beijo. Não foi ela que colocou significado extra na troca de saliva. Rob sofre, se descabela, telefona como um louco, quer morrer e quer matar. Age como o lado clichê do mundo dos homens acha que uma mulher sempre age com o fim de uma relação. Rob é uma mocinha romântica. Não superou a síndrome de Walt Disney e espera que Cinderela chegue ao baile e perca seu sapatinho para que ele o ache e coloque de volta no seu lindo pezinho. Só que as moças que cercam a Rob já estão em outra. Seguem em frente, fortes, transformando decepção em combustível para novas paixões. Os garotos com seus discos de rock e poucas ideias na cabeça além de peitos e guitarras ficaram no passado. Rob é um deles.

O melhor de rever Alta Fidelidade depois de alguns desamores, boas surpresas e filmes a mais é perceber que Stephen Frears trouxe para as telas algo que ficava subentendido no livro. Rob, para a maioria dos leitores homens, era o cara conquistador que gravava seleções musicais para conquistar garotas. Uma máscara para esconder um adolescente com mais de trinta anos e cheio de insegurança nas relações amorosas. Se nós, mulheres, choramos litros quando temos espinhas na cara é porque logo ali na frente está uma época bem mais equilibrada e feliz. Claro que vamos chorar e mais alguns pedaços terão que ser remontados em nossos sentimentos, mas o ritmo é outro. O impacto é outro. Frears dá o recado com auxílio da fotografia e da direção de arte. Enquanto a casa atulhada de vinis e escassa de móveis de Rob é escura e pouco aconchegante, suas mulheres, do passado e do presente, são solares, sorridentes, donas da própria vontade. Características que ele tenta transformar em defeitos, a todo custo. Nem o público acredita.

Alta Fidelidade continua um deleite para os ouvidos (Jack Black interpretando o clássico Let’s Get It On ainda diverte!) e perceber que, mesmo colocadas em segundo plano, suas personagens femininas se mostram muito mais interessantes e bem-resolvidas que o protagonista é um bom sinal. Há homens que sabem que jamais deixarão de ser garotos. No discurso, eles até desconversam, mas seus filmes falam por eles.

Alta Fidelidade (High Fidelity)

Direção: Stephen Frears

Ano: 2000

Disponível em DVD, Blu-Ray e na Plataforma Netflix

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