Falta mais “olho no olho” e menos emotion
Por DÉBORA DIAS (*)
A Polícia Civil gaúcha tem dentre seus programas de prevenção (embora tenha gente achando que isso não é “coisa de polícia”) um Programa chamado Papo de Responsa, que nada mais é do que uma boa conversa com adolescentes e jovens sobre temas e assuntos que afligem toda a sociedade, principalmente o ser humano que ainda está em desenvolvimento. O Papo de Responsa teve uma de suas edições em Santa Maria, capacitando 35 policiais, nos dias 14 e 15 de junho , encerrando o ciclo de capacitação que iniciou em Porto Alegre , depois Rio Grande.
A Polícia Civil do RS assinou um termo de cooperação técnica com a Polícia Civil do Rio de Janeiro, no ano de 2016, a respeito do programa, sendo o criador do referido, o Polícia Civil Roberto Chaves de Almeida, ou simplesmente, como é conhecido, Beto Chaves, formado em Direito, trabalhou por 10 anos na linha de frente da Polícia Civil do Rio de Janeiro, e em determinado momento, como ele mesmo afirma, havia dentro dele uma “inquietude”, algo que dizia que o que deveria ser feito não era somente o que se estava sendo feito. Aí, dessa maneira, surgiu embrionariamente o Papo de Responsa.
O programa foi muito bem aceito em nosso estado, e já há dois anos vem se desenvolvendo em municípios gaúchos. Ainda, quanto a capacitação, como dito anteriormente, recentemente foram realizadas três novas edições de capacitação/sensibilização de novos policiais para trabalharem com o programa. Essas edições foram de iniciativa da Divisão de Relações Institucionais, já que é um dos programas de prevenção ligados diretamente à chefia de polícia, com o apoio da Academia de Polícia Civil – ACADEPOL.
Já ouvi elogios sobre o programa, mas em determinado momento, em uma discussão sobre segurança pública, alguém fala: “delegada, o trabalho que vocês fazem é muito bom, mas não acho que isso seja serviço de polícia”. Pois, muito bem, com toda educação, respondi: é serviço de polícia, sim. A atividade fim da polícia civil, que é o trabalho de polícia judiciária, investigação do crime após sua ocorrência, é nossa atividade fim como polícia judiciária. Entretanto, a prevenção é essencial. Semear para colher, ou, tudo que se colhe um dia se plantou, não é assim?
A prevenção é uma das atividades mais difíceis de serem realizadas ao mesmo tempo que de importância vital, sem quaisquer sombras de dúvidas. E quando a polícia civil adentra em ambientes escolares, escolas públicas ou particulares ou em outros ambientes, falando em prevenção ao uso de drogas, por exemplo, a um público mais vulnerável e suscetível ao problema, estamos falando de prevenção secundária do crime.
É muito difícil medir índices de prevenção e é algo que não é imediato. No trabalho do Papo de Responsa, o qual está sendo realizado na grande maioria das regiões policiais, é um trabalho realizado olhando nos olhos de adolescentes e jovens, é feito por policiais civis de forma voluntária e comprometida. É trabalho para quem acredita que o Direito Penal somente não vai solucionar todos os problemas da criminalidade. Aliás, se somente a repressão penal, evitasse o cometimento de crimes, nós no Brasil estaríamos muito bem, já que nossos presídios estão abarrotados de detentos.
Mas, sabemos que não é assim que funciona. Para se prevenir o crime, há que se agir em um conjunto de políticas públicas com a participação não somente da polícia, mas da saúde, da educação, da mobilidade urbana (sabe aquele rua escura e sem iluminação; ela também contribui para o crime). Assim, prevenção é algo muito maior e complexo.
Todavia, uma coisa é certa: quando chega um jovem ou adolescente, seja como infrator ou como vítima, em um dos balcões de atendimento da polícia civil, em quaisquer das cidades de nosso estado, o certo é que, todo o resto falhou. Nós, da polícia, vamos trabalhar na investigação do crime, mas falhou família, falhou educação, falhou saúde, falhou esporte; enfim, algo deu muito errado. Falhou o Estado na prevenção primária do crime.
O título deste artigo fala mais em conversa, mais olho no olho, menos emotion, ou seja, o Papo de Responsa, não é palestra, mas é uma conversa, é discutir o excesso invasivo das redes sociais em nossas vidas, da loucura dos emotions serem protagonistas na expressão de sentimentos, o Papo é olhar para a gurizada e sentir suas dúvidas, anseios, medos..é discutir sobre bulliyng, drogas, preconceitos, violência doméstica, violência de gênero, depressão, etc…é deixar naquele momento o celular de lado e , melhor ainda, não sentir falta dele. É questionar, concordar, discordar, debater, refletir, crescer. Essa é a proposta do Papo. Logo, em outro momento, a escola vai ter outra visita dos policiais, para sentir os efeitos do trabalho realizado.
A ideia do programa é bastante simples, não inventamos a roda, apenas queremos fazê-la andar direitinho. Falta, hoje, mais escuta, mais empatia, mais conversa (por que não conversa também jogada fora também?), mais risadas.
Os policiais que realizam essa atividade são voluntários com muito comprometimento e estão indo além da atividade-fim da polícia civil. Estão fazendo inquéritos, estão investigando, mas também estão tentando impedir de quem sabe, no futuro, investigar o menino que os escuta atentamente no banco escolar, ou ainda, receber em uma Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher, a menina, que depois do Papo, vai ter noção do que se trata violência doméstica e, vai sair correndo de qualquer relacionamento com indícios de ser abusivo.
Servir e proteger significa também prevenir!!!
(*) Débora Dias é Diretora de Relações Institucionais, junto à Chefia de Polícia do RS. Antes, durante 18 anos, foi titular da DP da Mulher em Santa Maria. É formada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Ciências Criminais e Segurança Pública e Direitos Humanos e mestranda e doutoranda pela Antônoma de Lisboa (UAL), em Portugal.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a foto (de Reprodução/Facebook) mostra participantes do Papo de Responsa em Santa Maria, há 10 dias.
Parabéns pelo excelente texto?????? tive a oportunidade de fazer o Papo contigo em Rio Grande, além de te ouvi, te conheci… percebi o quanto esse trabalho é feito de coração ❤ nossa polícia merece ter policiais como tu… comprometidos, inquietos e dispostos a melhorar a sociedade…. pretendo ser uma ramificação do Papo aqui na nossa região… abraços ?
Maravilhosa atitude e ação! Parabéns a Polícia Civil! A prevenção é sim, uma da maiores responsabilidades de todos nós, e uma da melhores soluções a médio e longo prazo! A semente germinará e dará frutos!