CRÔNICA. E o Pylla Kroth, sem pressa alguma de se mandar desta para “melhor”, reflete sobre… velórios
Alô, Além!
Por PYLLA KROTH (*)
Será que morrer é tão ruim assim? Às vezes me ponho a pensar e geralmente me pergunto isto, quando sou comunicado do falecimento de alguém que eu conheço. Sim, porque por um lado morrer é deixar as coisas boas da vida e por outro é desapegar-se de todas as coisas e pertences adquiridos aqui num berreiro alucinante, e os problemas, os credores, os impostos, etc, deixar tudo nas mãos de nossos herdeiros ou sabe lá Deus quem.
Chego a pensar que morrer não é tão ruim assim. Mas quero deixar claro que morrer de causas naturais, não outras. Porque dificilmente vejo em algum velório alguém falando mal do defunto! Geralmente os comentários são do tipo “Deus estava precisando dele lá em cima”, “como ele esta bonito no caixão, parece estar dormindo”, “finalmente descansou, coitado, estava sofrendo aqui neste mundo”, “era uma rica pessoa, gostava muito dele” e coisas assim.
Até o boêmio cachaceiro, maconheiro, ladrão e salafrário nessa hora se transforma em gente boa. Ainda tem a vantagem quem bateu a caçuleta de ouvir calado os elogios a sua pessoa sem precisar agradecer a ninguém, nem aos falsos nem aos verdadeiros amigos presentes. Mas tem aqueles que comparecem ao velório apenas para “ganhar uma moral” ou fazer seu “papel social” entre os parentes e amigos e de sobra pleitear alguma sobra do “quieto esticado durinho”.
Quando eu era menino ficava intrigado com aquelas pessoas na cabeceira do morto, com lenços nas mãos, espantando as moscas do defunto. Tem aqueles que se aproximam do caixão e sem nunca ter rezado fazem uma prece ininteligível em cochicho baixo. Quanta falsidade! Aí começam circular pelo salão funerário inquietos, perguntando sobre fulano e beltrano, “alguém os tem visto?”
Chega a hora de levarem o caixão do falecido e ouvem-se aplausos. Será que eram palmas pelo bom sujeito que era ou é por se verem finalmente livres dele? Claro que tem uma boa parcela presente que acredito serem pessoas sinceras em sua comoção, mas da maioria me ponho a desconfiar.
Muitos foram os velórios que fui e vi aquelas senhoras de óculos escuros, sem uma lágrima sequer nos olhos. Um dia depois o falecido já não é mais lembrado na maioria das vezes. Já era. Fazem até festa em homenagem ao que um dia atrás estava de pés juntos.
Certa vez, fui ao velório de um “grandão empresário” aqui da cidade, nome até de rua, em que, confesso, a falsidade foi tanta que na hora de levar a alça do caixão faltou gente. Mas quinze dias depois de sua morte não havia lugar pra estacionar meu carro no quarteirão residencial do mesmo, tamanha quantidade de gente pronta para pegar sua fatia da herança. Mas “Deus ta vendo” e se por acaso existe reencarnação ou pelo menos justiça divina com certeza vai ter volta.
Numa outra ocasião, fui no enterro de um grande boêmio, acostumado a fechar todos os bares da cidade. Quando ele aparecia nos bares tarde da noite, os proprietários já iam fechando as portas tamanha a chatisse do fulano. No dia de seu velório foi um festão. Todos os donos de bares estavam ali “bebendo o defunto”.
Quando chegou na hora de enterrarem o dito, o caixão não coube na portinhola do túmulo. Tiveram que quebrar tudo e seu enterro levou mais de hora para ser finalizado. E o povo comentava entre si à meia voz: “putz…incomodou até na morte, até depois de morto!”
Sendo assim estou adotando critérios para ir aos velórios de meus amigos, que infelizmente nestes tempos não tem sido poucos. Vou no horário da madrugada, pois aí posso fazer meu agradecimento e oração de luz por ter compartilhado as coisas da vida sem precisar assistir tantas falsas demonstrações de confrangimento, afinal na madrugada só resiste no velório geralmente quem se importava muito com o finado.
No último que fui, cheguei lá e dei de cara com a capela fechada! Abriria somente às sete da matina. Confesso que foi uma boa experiência. Sentei na porta do lado de fora e bati um longo papo com sua alma já descansando. Mas o mundo anda tão ruim que ao sair dali bem em frente ao necrotério fui assaltado por um ladrão que só não logrou lucro porque sou um pobre coitado tão duro que nunca tenho dinheiro no bolso e meu celular estava no carro.
Oh, mundo cruel! Dá até vontade de morrer “porque o que eu quero lhes dizer é que a coisa aqui tá preta” como já dizia o cantor e poeta Chico Buarque. Se alguém aí em cima quiser nos dar um sinal de que por aí a pós-vida ao menos é uma coisa boa, será uma notícia bem vinda e consoladora, até porque pelo que sei, aqui ninguém vai ficar pra semente e em algum momento, querendo ou não, chegará nossa hora naturalmente.
E que descansem em paz os meus amigos que partiram recentemente. Fica aqui minha homenagem sincera com uma lágrima verdadeira de tristeza. Por hora, vamos continuar lutando contra essa bandidagem que golpeou o país. “Hay que endurecer, pero perder la ternura jamás”.
(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35 anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A ilustração que você vê aqui é uma reprodução de internet.
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