Com o que sonham os oprimidos?
Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)
Alemanha, 30 de janeiro de 1933. Mesmo sem ter conseguido a maioria parlamentar, Adolf Hitler assume a condição de chanceler alemão. O então chanceler-renunciante, Franz von Papen, com apoio dos burgueses industriais e dos latifundiários aristocratas, convenceu o presidente Paul von Hindenburg a nomear o líder do partido nazista para a chefia do governo.
Para Papen e a elite alemã, era necessário barrar a ascensão da esquerda revolucionária, impedir a reforma social, acabar com as organizações dos trabalhadores e reativar a indústria armamentista. Pouco importava o fato de que o novo chanceler em nenhum momento ter escondido sua concepção totalitária, a lógica era uma vez no governo os nazistas terão que negociar e se adequar à política tradicional. Bastou um mês para Hitler demonstrar que estavam equivocados.
Em fevereiro, após um incêndio suspeito no Reichstag (o parlamente alemão), Hitler pressionou Hindenburg a assinar um decreto de emergência suspendendo os direitos civis. Com poderes ilimitados, o governo nazista passou a perseguir e prender os opositores, caçando, inclusive, o mandato de deputados comunistas e sociais-democratas, impedindo-os de participarem das eleições parlamentares de março. Praticamente sem oposição e com a passividade dos partidos de centro-direita, Hitler passou a concentrar os poderes, desmontando as frágeis estruturas da democracia alemã. Estava sendo construído o Terceiro Reich.
Em meio a este processo de construção de um Estado-Barbárie, a jornalista Charlotte Beradt iniciou secretamente uma pesquisa original e audaciosa. Na busca de captar a percepção dos sujeitos sobre “uma realidade prestes a se tornar um pesadelo”, coletou, através de entrevistas, sonhos de mais de trezentas pessoas ente 1933 e 1939.
A ideia surgiu após perceber que desde a ascensão de Hitler passara a ter pesadelos terríveis e a acordar todas as manhãs tomada pelo medo. Eram pesadelos recheados de cenas de tortura, perseguições e mortes, que a levaram a se perguntar: será que é só comigo que isso está acontecendo?
Ao ouvir o relato de um senhor crítico do nazismo que sonhou ter sido humilhado pelo chefe da propaganda do partido, Goebbels, em uma visita a sua fábrica, a autora percebeu que não. Se tratava de um fenômeno coletivo.
O relato do “senhor S” fez despertar em Charlotte Beradt a ideia de que tais sonhos não deveriam se perder, pois pareciam ter vindo “diretamente da oficina do regime totalitário onde é produzido seu mecanismo de funcionamento”. Para a autora, caso o regime “viesse a ser julgado um dia, esses sonhos poderiam ser usados como provas, pois pareciam estar repletos de informações sobre os afetos e os motivos das pessoas quando acionadas, como pequenas rodas, ao mecanismo totalitário”.
A guerra acabou, os líderes nazistas sobrevivente foram julgados em Nuremberg, porém os sonhos coletados por Beradt só vieram à tona em 1966, quando “Das Dritte Reich des Traums” foi publicado na Alemanha. No Brasil, a tradução “Sonhos no Terceiro Reich” foi publicada somente em 2017.
Os sonhos são objetos de pesquisa muito recente para as Ciências Sociais em geral. Para a História em particular podemos dizer que são objetos recentíssimos de estudo. O campo que mais elaborou (e elabora) a respeito dos sonhos é o da psicanálise.
Foi justamente o psicanalista Christian Dunker que, na apresentação de “Sonhos no Terceiro Reich”, chamou atenção para o fato de que “o sonho nos apresenta uma curiosa combinação de fatos futuros e passados imersos em uma situação de perturbação do presente”.
Os sonhos relatados por Charlotte Beradt nos fazem perceber essa perturbação. São homens, mulheres, idosos, jovens, judeus, pessoas comuns inseridas em um contexto onde, conforme Robert Ley, a única pessoa que tinha uma vida privada era aquela que dormia. Obviamente, os sonhos daquelas pessoas nos fazem questionar até mesmo essa afirmação feita pelo chefe de organização do Partido Nazista.
O medo transbordado no sonho privado trazia à tona o terror da vida pública sob o domínio do Nazi-fascismo. O terror da constatação de que o fascismo é cotidiano e uma vez que ganha força invade os nossos mais íntimos refúgios.
O fascismo tem sua semente na violência contra o outro, o diferente, o opositor. Na violência do homem sobre a mulher, do heterossexual sobre o LGBTTQ+, do branco sobre o negro, no genocídio dos povos indígenas, na intolerância religiosa, na normalização da morte.
Os sonhos dos oprimidos de ontem são um grito de alerta e também um questionamento: com o que sonham os oprimidos de hoje? Eu, particularmente, em meio aos pesadelos cotidianos, sonho com um mundo onde caibam vários mundos.
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Observação do editor: a imagem aqui publicada é uma reprodução obtida na internet, da capa do livro citado no artigo.
Por aqui está instaurada a Raichadinha
Obvio que evocam o nazismo com motivação politica. Noticia boa? Analogia completamente furada. Para confirmar basta perguntar a alguém que manje de historia. Sem Primeira Guerra (e a grande depressão)não existe nazismo. Rendição francesa foi assinada no mesmo vagão de trem no qual foi assinada a rendição alemã anos antes.
Stalin assinou um tratado de não agressão com Hitler. O mesmo que não quis saber de acordo com os social democratas.
Autora era judia. Refugiou-se onde? Moscou? Obvio que não. Nova Iorque. Correr o risco de ir parar no Gulag, capinar a Sibéria, para quê?
Doutrinação nas IFES obviamente é coisa da Globo.