Qual foi custo em vidas da embromação de Queiroga na vacinação das crianças? – por Carlos Wagner
Será só por convicção que as ideias presidenciais antivacina são tão óbvias?
Há uma conta que a imprensa do Brasil não fez e precisa fazer para facilitar a vida dos pesquisadores e historiadores que vão documentar a pandemia causada pela Covid-19. Em 15 de dezembro do ano passado, um mês depois que a Ômicron, a variante mais contagiosa até agora conhecida da Covid, iniciava o seu alucinante galope pelo mundo saindo da África do Sul, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberava para uso nas crianças de cinco a 11 anos a vacina da Pfizer.
Enquanto os pais recebiam a liberação soltando foguetes, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), ameaçou, em uma de suas lives, tornar público os nomes dos funcionários da agência que haviam liberado o imunizante. E o seu ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga, espalhava “miguelitos” pelo chão para atrasar o início da vacinação.
Sendo que vários países, como Estados Unidos, Chile e outros, já tinham vacinado centenas de crianças. As crianças de cinco a 11 anos brasileiras só começaram a ser vacinadas, a conta-gotas, em 15 e janeiro de 2022. Pelo contrato que governo federal tem com a Pfizer, os imunizantes poderiam ter chegado ao Brasil dias depois da liberação pela agência.
Na quinta-feira (20/01), a Anvisa aprovou a uso emergencial da vacina CoronaVac para crianças e adolescentes de seis a 17 anos. O imunizante é fabricado em uma parceria entre o Instituto Butantan, de São Paulo, e a farmacêutica chinesa Sinovac.
Tudo indica que a vacinação das crianças vai deslanchar, graças à pressão das entidades médicas, da imprensa e da comunidade organizada. Mas Bolsonaro e Queiroga ainda não desistiram de tentar atrapalhar. Sou um velho repórter estradeiro e entendo que a estratégia política de Bolsonaro é desafiar a ciência para se manter nas manchetes dos jornais.
Tratei disso no meu POST de 25/12/2021 “Até onde Bolsonaro vai esticar a corda no caso das vacinas das crianças?”. O efeito colateral dessa estratégia é a crueldade com as famílias que contam os dias e as horas para ver seus filhos imunizados. Dispersos pelos noticiários existem números de óbitos e internações de crianças nos hospitais devido a Covid.
Tenho lido, ouvido e visto tudo que se publicou sobre o assunto. Pode ter escapado alguma coisa. Mas por tudo que tenho tomado conhecimento ainda não se publicou uma matéria determinando o atraso da vacinação das crianças causado pela embromação do governo e qual foi o seu custo em vidas e sofrimento para as famílias.
Não é um resultado fácil de se chegar. Lembro que a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, levou vários meses para apurar os números exatos do tamanho da tragédia causada pelo negativismo de Bolsonaro em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus.
A questão do atraso na vacinação das crianças é mais complicada porque além de envolver números há o sofrimento das famílias. Mas precisa ser feito porque são informações necessárias para quem vai contar a história da pandemia no mundo. Lembro que o Brasil, por ter sido até agora o único país no mundo que realizou uma CPI da Covid, vai ter um capítulo especial nessa história.
A Ômicron está contaminando diariamente, em média, 180 mil pessoas no Brasil. Ainda não foi publicado o número de crianças contaminadas diariamente. Não tem como levantar essa informação na correria do dia a dia das redações. Mas a informação existe e precisa ser garimpada.
Trabalhei mais de três décadas em redação e sei como o cobertor é curto, um modo de dizer que existe pouca gente para muito trabalho. Mas hoje, felizmente, existem muitas agências de notícias e pequenas empresas de conteúdos pelos quatro cantos do Brasil. Esse pessoal pode ajudar a levantar os números exatos das crianças contaminadas diariamente pelo vírus.
Um dos efeitos colaterais de toda essa lambança que o presidente da República e o seu ministro da Saúde é colocar dúvidas nas cabeças dos pais sobre a eficiência dos diversos tipos de vacinas que as crianças recebem desde os primeiros meses de vida.
Lembro que muitos recursos públicos e trabalho duro dos profissionais da área de saúde foram investidos para organização do calendário de vacinas infantis no Brasil. Graças a isso, muitas doenças, como a paralisia infantil, praticamente desapareceram. Daí a importância de imprensa estar atenta para esclarecer o seu leitor sobre a verdade.
Aqui lembro o seguinte. A maior influência na opinião não é dos comentaristas políticos dos noticiários. É do repórter que faz a cobertura do dia a dia. Justamente um dos elos mais frágeis das redações nos dias atuais devido à sobrecarga de trabalho e os baixos salários que recebem. Portanto, o que se conseguir produzir de boas informações que possam ser usadas por esses profissionais para robustecer o seu trabalho será bem-vindo.
Há fato que nós jornalistas precisamos olhar com muita calma, que é a fidelidade de Bolsonaro e dos seus seguidores à defesa dos movimentos antivacina, negação da ciência e pregação do uso de drogas sem efeito contra a Covid, como é o caso da cloroquina.
O que significa essa fidelidade a essas ideias? Convicção? Não creio. Pelas informações de que dispomos trata-se de uma estratégia de marketing político. Não podemos esquecer que há três décadas Bolsonaro consegue se reeleger e eleger os seus filhos apostando no absurdo, como a defesa dos torturadores dos presos políticos do regime militar que governou o país de 1964 a 1985. Por que mudaria agora? Só porque existe um vírus que já matou mais de 600 mil brasileiros?
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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