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O custo ambiental dos álbuns de figurinhas – por Marta Tocchetto

As despesas com os álbuns de figurinhas não se limitam às econômicas. Os custos ambientais sequer são mencionados e comentados.

O mundo acordou nesta semana em clima de Copa do Mundo. Domingo aconteceu a abertura, música e efeitos tecnológicos ofereceram brilho à cerimônia que, também contou com o jogo de estreia dos donos da casa derrotados pela seleção do Equador. Mas, nem só futebol cerca a edição 2022, muitas polêmicas e críticas envolvendo violações de direitos humanos, desrespeito às mulheres e às pessoas LGBTQIA+, até suspeita de propina. Apesar de todo o contexto, a Copa do Catar prende as atenções, sobretudo dos brasileiros que sonham e torcem pela conquista do hexa. A mobilização por parte das federações internacionais começa cedo. Marketing e publicidade pesados direcionam os holofotes para o evento.

Uma das estratégias para chamar a atenção e para atrair o público são os álbuns de figurinhas. Lançado em agosto, em pouco tempo se tornou a febre entre crianças e adultos. São 670 figurinhas e 80 extras, totalizando 750 cromos. O envelope com 5 unidades custa em torno de R$ 4,00. Desconsiderando as extras, também chamadas de lendárias e as repetidas, o custo total é de R$ 536,00. O valor é salgado, mas nem assim afasta os colecionadores. Completar é um desafio que pode ainda aumentar mais o custo. As figuras lendárias podem ser negociadas pelos sortudos que as conseguem com valores acima de R$ 1.000,00.

As despesas não se limitam às econômicas. Os custos ambientais sequer são mencionados e comentados. Vale a máxima dominante – o meio ambiente que se encarregue de absorver a carga de resíduos decorrente de nossas práticas cotidianas. Aquilo que não serve, joga-se fora. É bom lembrar que fora não existe! Tudo o que é descartado fica no planeta ocupando espaço e poluindo. Já pensaram no papel aderido na parte de trás e que é retirado para colagem das figurinhas no álbum? Esse papel base se chama liner (lainer). Etiquetas e adesivos também são ancorados em papel liner. É um papel silicionado ou parafinado que protege o lado adesivado. O papel dos envelopes é facilmente destinado à coleta seletiva convencional.

No Brasil, preferencialmente o liner é destinado aos aterros apesar de ser um material reciclável. O caminho não sustentável se deve à comodidade das empresas em não se responsabilizar pela destinação, muito menos em não incentivar a separação e o retorno ao ciclo produtivo. A desinformação e a despreocupação do consumidor com o encaminhamento correto também contribuem para a destinação inadequada. Em Garulhos (SP) se localiza a principal empresa de reciclagem de liner, implantada desde 2014. O processo consiste em transformar o papel em pasta de celulose destinada à fabricação de novos papéis. A qualidade da pasta é similar a do produto virgem. Significa que os papéis fabricados com a matéria prima do reaproveitamento são de alta qualidade, o que torna economicamente viável a reciclagem. Além disso, a rota produtiva adotada pela empresa é considerada inovadora, de baixo custo, produz baixo volume de águas residuárias e utiliza menos produtos químicos que os processos convencionais.

Há outras vantagens decorrentes da reciclagem dos papéis base das figurinhas. Uma delas se relaciona à economia de matéria prima, ou seja, de madeira para fabricação de polpa celulósica, mesmo que essa seja originária de plantio e não de desmatamento. Outro ponto positivo é a redução dos custos de coleta e de destinação dos resíduos urbanos, tendo em vista que o material deixa de ser encaminhado aos aterros. Cita-se também, o aumento da vida útil dos aterros – quanto mais resíduo disposto na vala, mais rapidamente ela atinge o limite e precisa ser selada. Aterros são obras de engenharia caras e complexas. O fechamento de ciclo é mais uma vantagem importante considerando a economia circular, pois o liner retorna a ser matéria prima para novos produtos. Importante também destacar a redução dos custos ambientais decorrentes do descarte insustentável, pois nem todo o liner descartado vai para os aterros. Apesar da Política Nacional de Resíduos Sólidos, ainda há cidades no Brasil que destinam os resíduos urbanos para lixões, alternativa que causa significativa poluição e degradação ambiental.

A logística para uma destinação correta do liner é bastante simples. Os pontos de venda de figurinhas poderiam ser também pontos de entrega voluntária para os colecionadores. Estes pontos comporiam uma rede com o objetivo de armazenamento do material descartado para posterior envio à reciclagem. A responsabilidade pós-consumo é incipiente em nosso país tanto por parte dos fabricantes quanto da rede de comercialização e, também dos consumidores. Além das vantagens mencionadas, a prática poderia servir para toda a cadeia como estratégia de marketing ambiental demonstrando o compromisso de cada elo com a sustentabilidade, incentivando inclusive, uma visão circular associada ao ato de colecionar. Sem falar no processo de educação ambiental, pois o álbum poderia ser utilizado para a introdução de práticas cotidianas sintonizadas com a proteção do meio ambiente, essencial para a manutenção da vida humana no planeta.

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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5 Comentários

  1. Voltando a competição uma situação peculiar. Gente discutindo a venda de bebidas alcoolicas e o preço das mesmas. A 13 mil quilometros de distancia. Tem gente precisando de Ritalina mesmo. Muita Ritalina.

  2. Pesquisas não falham somente nas eleições, óbvio. Marketing ambiental, da maneira que é feito, é jogar dinheiro na sarjeta. Container laranja foi até adesivado, mas parecia penteadeira de p#t@ (de alguns dialetos brasileiros). Na hora de jogar lixo pessoal vai levantar a tampa e jogar la dentro, não vai ficar apreciando ‘arte’ de adesivo (de novo a conveniencia). Uma placa do lado do container (que é mais caro) avisando quais os materiais que ali se recolhem sem muita poluição visual seria um caminho.

  3. Leis discutidas no ar condicionado para serem implementadas numa sociedade ‘imaginada’, jogadas de cima para baixo, tendem a ser pouco exitosas. Alas, discussão ‘Brasil dos livros’ e ‘Brasil real’ não é de hoje. Alás, vieram se somar outros Brasis, o da mídia tradicional majoritariamente esquerdista, o dos sonhos de alguns, etc. Educação ambiental tem resultados pifios. Teria que ser feito um estudo para descobrir as causas. Brasil tem problema de evasão escolar, tem problemado analfabetismo funcional, do pessoal que ‘não gosta de estudar’ e vai empurrando com a barriga. Querem resolver todos os problemas com educação e não fazem a mesma funcionar direito. Solução, quando discutida, é aumentar salarios e aumentar o uso de tecnologia, ou seja, para ingles ver. Alas, os que saem dos bancos escolares são uma parcela pequena da população. Vão para o mercado de trabalho e quem pega o bonde andando não senta na janela, vai de pé. Tende a fazer ‘como sempre foi feito’.

  4. Conferencia climatica do Egito deu em nada, vamos falar de figurinhas. De novo, falta conveniencia. Se as ditas cujas forem levadas para a residencia ninguém vai voltar no local de compra somente para levar adesivo. Se o assunto vier parar na aldeia nem a coleta seletiva conseguem implementar. Alás, a urb é suja porque a população é relaxada e porque cestinho de lixo é dificil de encontrar. Parece que se houverem os cestinhos alguém vai ter que esvaziar, dai faltaria dinheiro nos cabides do paço municipal. Tudo são prioridades.

  5. Polêmica para alguns. Sempre que alguém decreta ‘polemica’ já colocou um julgamento de valor no assunto. Violação dos direitos humanos, pessoal do Alfabeto, desrespeito as mulheres, foram assuntos hiperbolados pela midia. Bandeiras atras das quais os vermelhos se escondem. Obvio, grande parte da população está andando para a ‘polemica’. Alas, são os mesmos que ignoram as violações de ‘direitos humanos’ na China.

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