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KISS. Professores da UFSM, que perderam alunos na tragédia, partilham suas memórias, 10 anos depois

Quatro docentes do Centro de Ciências Rurais relembram aqueles momentos

Vigília dos 10 anos do incêndio na boate Kiss, realizada na madrugada do dia 27 de janeiro de 2023 (Foto Rafael Balbueno/Sedufsm)

Por Bruna Homrich (com entrevistas concedidas a Fritz Nunes) / Da Assessoria de Imprensa da Sedufsm 

Ligações e mensagens na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 marcaram para sempre a história de professores e professoras da UFSM. Hoje, o site da Sedufsm traz as memórias de quatro docentes ligados ao Centro de Ciências Rurais (CCR), unidade que mais sentiu os impactos da maior tragédia evitável de Santa Maria e do Rio Grande do Sul.

André Vasconcelos Soares, atual vice-coordenador do curso de Medicina Veterinária, relembra que, naquela noite, há dez anos, chegara a passar em frente à boate e cogitar entrar para prestigiar a festa então promovida, pois incluía estudantes do curso no qual lecionava. Contudo, por não ter adquirido o ingresso previamente, decidiu ir para outro local da cidade, onde, por volta das três horas da manhã, ele e as demais pessoas que lá estavam começaram a receber mensagens.

Diferentes pessoas, diferentes números de celular, a mesma informação: algo estava acontecendo na boate Kiss, talvez alguém tivesse se machucado, mas nenhum texto chegava perto de dimensionar o tamanho da tragédia que se passava naquele momento.

“Segundos depois, um amigo (que morava no prédio geminado à boate), e que estava em outro evento, me contatou dizendo que o seu apartamento estaria com problemas (fogo ou algo do tipo; as informações eram desencontradas). Neste momento eu percebi que podia se tratar de algo mais sério. Meu amigo me pediu para eu ir até lá, para ver com ele o que estava acontecendo. Ainda achando que se tratava de algo apenas no prédio dele, e que talvez tivesse alguma consequência secundária à boate, fui! Combinei de encontrá-lo na frente da casa dele. No entanto, ao chegar ao entorno da boate, já não era mais possível chegar de carro a uma quadra da casa noturna, pois os acessos já estavam interrompidos. Me encontrei com ele na esquina da Andradas com a André Marques. E naquele exato momento, pela confusão e barulho ensurdecedor das sirenes, me dei conta da dimensão absurda do que estava acontecendo”, partilha Soares. Ainda sobre aquele momento, ele acredita que nunca será capaz de esquecer as palavras de uma aluna sua, que, naquela esquina, abraçou-o chorando e disse: “…profe, tem muitos que estão presos lá dentro, e muitos da Veterinária, tem pessoas mortas”.

Ao todo, o curso de Medicina Veterinária da UFSM perdeu 15 estudantes naquela noite. Para alguns deles, Soares já havia ministrado disciplinas. Naquele semestre, uma das 242 vítimas era seu aluno e, a outra, sua estagiária. “Os demais viriam a ser meus alunos e, destes, vários frequentavam quase que diariamente o hospital veterinário, onde exerço várias de minhas atividades”, comenta.

“Enquanto estivéssemos juntos, estaríamos bem”

Dois dias após a tragédia, em 29 de janeiro, Soares foi até o hospital veterinário e viu, aberta, a sala onde ministrava suas aulas teóricas. Ali ele não conseguiu permanecer, tamanha sensação de desespero. “Lembro de andar pelos corredores do hospital, corredores esses com um total silêncio. Não tinha o que ser dito. Lá, alguns alunos, funcionários e professores. Apenas nos olhávamos. Mas era um olhar de acolhimento, como se disséssemos uns aos outros: estamos juntos!”, diz o docente.

Algumas semanas depois, quando as atividades foram retomadas na instituição, Soares conta que a sensação de dividir novamente a sala de aula com as e os estudantes era dúbia: “era ao mesmo tempo de uma dor muito grande e de um “não querer” sair de perto deles! Era como se, enquanto estivéssemos juntos, estaríamos bem. Ao menos era o que eu sentia! E alguns me relataram o mesmo. Ainda assim, repito, não consigo até hoje explicar em palavras o que senti!”.

“Essa tragédia me mudou completamente como docente”

Passados dez anos, Soares diz que a tragédia evitável da boate Kiss transformou essencialmente sua postura frente à docência. Após ter vivenciado tão de perto a dor de estudantes e de seus familiares, ele passou a desenvolver outra relação com as e os alunos, enxergando-os como seres humanos que têm suas dores, falhas, lutos e dificuldades – muitas vezes, inclusive, financeiras.

“Me preocupo verdadeiramente com aquele ser humano que está sentado ali, assistindo minha aula […] Quando vejo algum aluno com alguma dificuldade, não me furto da responsabilidade que hoje eu penso que tenho, de estar disponível para auxilia-lo. Passei a entender que quando os meus alunos se formam são partes de mim que estão ganhando o mundo por aí. Por isso, por todos eles que se foram, tento a cada dia dar o melhor de mim; melhor de mim como docente, melhor de mim como funcionário da instituição, melhor de mim como filho, melhor de mim como amigo, melhor de mim como ser humano. Essa é uma premissa que vou levar para toda a minha vida”, conclui…

27 pode ser dia não letivo 

Embora o Centro de Ciências Rurais da UFSM tenha sido o que mais registrou perdas no incêndio da boate Kiss, todas as unidades de ensino da universidade perderam estudantes. Em reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) na última quinta-feira, 26, o reitor Luciano Schuch afirmou que, nas próximas semanas, a instituição irá discutir transformar o dia 27 de janeiro em não letivo, em homenagem às vítimas e sobreviventes da tragédia…”

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