Pastores Malafaia e Edir Macedo substituíram os generais ao redor de Bolsonaro – por Carlos Wagner
Há uma história que vem sendo contada nas entrelinhas das reportagens, em especial nos textos dos comentaristas políticos. Diz respeito a um dos motivos da queda da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É o seguinte. Lula é o primeiro presidente eleito a enfrentar uma oposição que usa o púlpito das igrejas neopentecostais e as redes sociais para fazer pregação política partidária, misturando discurso de ódio com passagens da Bíblia, o que resulta em uma narrativa de uma incrível capacidade corrosiva.
Há 40 anos e uns meses faço jornalismo investigativo. Nesse tempo, testemunhei a religião, seja ela qual for, se misturar com os assuntos políticos, em especial nas lutas populares. É do jogo. Mas o que está acontecendo agora é inédito na disputa política brasileira. Não creio que tenha sido planejado, aconteceu.
E os seus dois grandes representantes são os pastores Silas Malafaia, 65 anos, da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, responsável por ter organizado e financiado uma manifestação pública no último dia 25 de fevereiro, reunindo mais de 200 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, em apoio ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos.
E Edir Macedo, 79 anos, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e dono do Grupo Record, um poderoso conglomerado de mídia (jornais, rádios, TVs e outras plataformas de comunicação). Usando as mídias, os pastores atingem com as suas pregações milhares de pessoas diariamente no Brasil e ao redor mundo, em especial nos países de língua portuguesa, como Angola, na África.
É do conhecimento geral que, seja lá de qual partido forem os pastores Malafaia, Macedo e seus colegas de púlpito, eles sempre estiveram por perto de quem se sentou na cadeira de presidente do Brasil. Tratei do assunto no meu post, publicado em 10 de março, Qual o poder do pastor evangélico em determinar para o crente em quem votar? Vale aqui o que comentei no post, não estou falando da fé dos seguidores neopentecostais. Mas de líderes, no caso de Malafaia, Macedo e seus colegas pastores, que estão construindo um projeto de poder.
O que aconteceu de diferente nas últimas semanas no cenário político brasileiro? É o seguinte. Durante o governo Bolsonaro (2019 a 2022), foi vendida para o grande público a ideia de que as Forças Armadas estavam voltando ao poder pelo voto, depois de terem se envolvido no golpe militar de 1964. Tanto que existiam os chamados “generais do Bolsonaro”, que lideravam um grupo de mais de 6 mil militares (ativa, reserva e reformados) que trabalhavam em postos-chave no governo federal, como ministros e coordenadores de equipes.
Era tudo conversa fiada que as Forças Armadas tinham voltado ao poder. Como têm revelado as investigações da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de estado fracassada, que é representada pela invasão e quebradeira que bolsonaristas realizaram em 8 de janeiro de 2023 no Congresso, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF) – há muitas matérias na internet.
A investigação mostra que os generais e outros militares que rodeavam o então presidente da República estavam ali por sua conta e que agora estão correndo o risco real de irem parar na cadeia, entre eles os generais da reserva Braga Netto e Augusto Heleno. Soma-se a toda essa história o fato do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter determinado a inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos.
A sentença do TSE não afetou o prestígio político do ex-presidente. Ele continua reunido milhares de pessoas por onde passa. E não é por outro motivo que Malafaia e Macedo apressaram-se em ocupar o lugar deixado pelos generais ao redor do ex-presidente. Aqui é o seguinte. Durante o governo Bolsonaro os pastores tinham uma participação importante na máquina política e administrativa federal. Mas não tinham o poder dos generais e coronéis que faziam parte do círculo íntimo do então presidente.
Agora a conversa é outra, eles têm poder. E para se manter relevantes entre os bolsonaristas, radicalizaram o seu discurso. Não tiveram dificuldade de substituir os generais que bateram em retirada com a chegada dos agentes da PF. Mas vão precisar negociar com Valdemar da Costa Neto, 74 anos, presidente do partido de Bolsonaro, por ser quem paga as contas e salários do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle. Como vai ser essa negociação, só o tempo dirá. A única coisa certa é que, caso não acontecer nenhum imprevisto que detone os planos dos pastores a vida de Costa Neto ficaria melhor.
Aqui vou falar um assunto que considero importante. Tudo que escrevi não brotou dentro da minha cabeça. São fatos que temos publicados. E que acredito que mereçam ser melhor esmiuçados para o leitor. A questão é a seguinte: Malafaia, Macedo e seus colegas têm um projeto de poder.
Isso não significa que os neopentecostais sejam companheiros deles nessa empreitada. São duas coisas diferentes. E é justamente essa diferença que precisa ser entendida por nós para que se consiga clarear para os leitores os cantos escuros desse episódio. Feito o esclarecimento, vamos voltar a nossa conversa para o arremate da história.
O quadro que descrevi está rolando agora entre os seguidores do ex-presidente. E há um detalhe para o qual precisamos ficar atentos. Se o movimento bolsonarista ficar marcado perante o público como sendo majoritariamente dos pastores corre o risco de se transformar em uma bolha. E como se sabe, bolha não ganha eleição.
Quem ganha são os movimentos que defendem várias bandeiras políticas. Por qual razão? Pesquisas mostram que a maioria dos eleitores decide em que votar a caminho da urna, os tais dos indecisos. Por ser um dos políticos mais experientes na arte da disputa eleitoral, o presidente do partido de Bolsonaro sabe da história da bolha. E vai tirar vantagem disso para manter nas suas mãos o controle do prestígio político do ex-presidente.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
Guerra religiosa no Brasil: evangélicos contra os vermelhos. Que também gostam de um ‘dizimo’. O resto é a bobajada de sempre.