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Cidadania em ruínas – por José Renato Ferraz da Silveira

O articulista e o 2º turno aqui: “o velho clássico da política eleitoral brasileira”?

Lembre-se de que os líderes totalitários bajulavam e engabelavam as massas, declarando-as inspiradoras de todo o progresso, quando na verdade não davam a menor importância a elas, matando-as e impondo-lhes o peso morto da ideologia. As democracias modernas exibem uma evolução semelhante. Os governantes são eleitos por cidadãos mas tratam esses cidadãos como se fossem estúpidos. De fato, o paradoxo é que um eleitorado tratado com tal ousadia pelos governantes como estúpido ainda tenha a autoridade elegê-los. Extraordinária contradição está surgindo entre a teoria e a prática da democracia” (Kenneth Minogue)

Pode-se prever que a fé na opinião comum se tornará uma espécie de religião da qual a maioria será o profeta (…), e pode ser que, enfim, ela limite a ação da razão individual de uma maneira mais estreita do que convém à grandeza e à felicidade da espécie humana”. (Alexis de Tocqueville)

Quando meu pai completou setenta anos decidiu que não iria mais votar em eleição nenhuma. Não adiantava nada. “Qualquer candidato eleito não vai fazer nada além de roubar!” A cidade está abandonada; as ruas esburacadas, sem iluminação, não tem segurança nenhuma”. Dar dinheiro para estes vagabundos”. …

Os amigos do truco e do bocha concordavam com ele em grau e número com mais relatos. “Votei no Chico da caminhonete para vereador. Ele ganhou e sumiu daqui. Nunca mais apareceu para estas bandas. Minhas netas estão sem creche e minha filha não pode trabalhar…”.

Vivemos a crise da representatividade. E paralelamente a isso surgem novos perfis de candidatos. Candidatos oportunistas que se dizem outsiders da política, com novos discursos, novas roupagens e carregando uma “nova esperança e nova perspectiva” para seus eleitores.

Em outras palavras, nessa nova “forma de sociedade”, os eleitores – sempre insatisfeitos – são os “não contentes ou indignados”. Reivindicam melhorias e gostariam que as mudanças fossem imediatas. O pensamento desse grupo (que não é pequeno) é o desejo fantasmático de “que venha logo, imediatamente”.

No século XXI, a democracia de opinião tem um peso relevante não somente no Brasil. Eleições são e serão decididas por algoritmos e quem têm maior número de seguidores nas redes sociais.

A democracia de opinião está submissa aos diktats de uma opinião, “que se pronunciaria tanto sobre as medidas legislativas quanto sobre as medidas executivas dos governantes, obrigando estes últimos a agir em função das reações imediatas da opinião. Isso significa que, por falta de formação suficiente e de experiência na prática política, essa opinião só seria reativa, só funcionaria pelo sentimento de insegurança acarretado por tal ou qual medida, por medo de perder privilégios, pelo desejo de ganhar mais. Levada ao extremo, essa democracia se tornaria populista, por ser baseada na emoção, na angústia de tornar-se vítima, no ódio ao adversário que autoriza a questionar as pessoas, sua função e as instituições” (CHARADEAU, 2016, p. 176).

Estamos passando da desconfiança democrática para a tirania populista.

A eleição em Santa Maria

Santa Maria tem 7 candidatos a prefeito e 262 a vereador registrados para disputar a eleição de 2024, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Professores, pastores, cabeleireiros, advogados, sargentos, entre outras formações profissionais candidataram-se a vereadores. Haverá renovação na Câmara Municipal?

Para prefeito, concorrem ao pleito sete chapas, sendo quatro delas em coligação e outras três com candidatura isolada.

Santa Maria é o quinto maior colégio eleitoral do Estado e deverá ocorrer um segundo turno. O ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, disse: “vou antecipar minha vinda, não será ano que vem não, será em outubro, antes do final do segundo turno para, à luz do dia, fazermos uma passeata e um grande comício para consagramos a Roberta como prefeita da cidade de Santa Maria”.

Não há dúvida de que a eleição de Santa Maria será concorrida.

Há 2 favoritos para o segundo turno. E há 3 candidatos que são verdadeiros azarões (underdogs). E duas candidaturas completamente fora da disputa.

Arrisco a dizer que teremos no segundo turno “o velho clássico da política eleitoral brasileira”: PSDB x PT.

O candidato da situação, o ex-vice prefeito Rodrigo Décimo (PSDB) e o principal candidato da oposição, o ex-prefeito de Santa Maria (por duas vezes), ex-deputado federal (uma vez) e atual deputado estadual (quatro vezes) Valdeci Oliveira (PT) são os principais favoritos dessa eleição municipal.

Esta eleição me leva pensar num risco duplo da disputa eleitoral no Brasil. Primeiro, o risco de que a democracia representativa se transforme em um sistema oligárquico ou plutocrático, as mesmas figuras atuando por décadas e décadas.

E segundo, o risco de que a democracia vire um instituto de opinião que, a cada dia, imponha seus humores ao poder político, obrigando-o a responder de imediato através de medidas legislativas. Seria a governança por intermédio das mídias e das diversas manifestações.

Um governo que se caracterizaria mais pela emoção do que pela razão.

Como diz Pierre Rosanvallon, é a democracia de interpelação: a desconfiança democrática em desconfiança populista.

Referências

CHARADEAU, Patrick. A conquista da opinião pública: como o discurso manipula as escolhas políticas. Trad. Angela M. S. Côrrea. São Paulo: Contexto, 2016.

CLAUDEMIR PEREIRA. ELEIÇÕES 2024. Bolsonaro promete voltar a Santa Maria, no fim do segundo turno, para apoiar Roberta. https://claudemirpereira.com.br/2024/09/eleicoes-2024-bolsonaro-promete-voltar-a-santa-maria-no-fim-do-segundo-turno-para-apoiar-roberta/. Acesso em 21/09/2024.

G1. Eleições 2024 em Santa Maria (RS): veja os candidatos a prefeito e a vereador.

 https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/eleicoes/2024/noticia/2024/08/16/eleicoes-2024-em-santa-maria-rs-veja-os-candidatos-a-prefeito-e-a-vereador.ghtml. Acesso em 21/09/2024.

MINOGUE, Kenneth. Política: uma brevíssima introdução. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1998.

 (*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP

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26 Comentários

  1. Resumo da opera. ‘Estamos passando da desconfiança democrática para a tirania populista.’ Quem paga a conta quer saber o que fazem com o dinheiro ganho com o suor do rosto de alguns. Os ‘altos executivos’ com dinheiro publico tem que lembrar que são servidores, empregados. Não parte da ‘nobreza’.

  2. ‘[…] é a democracia de interpelação […]’. A coisa desandou tanto que a população que costuma só ‘tocar a vida’ começou a prestar atenção na politica. E cobrar. O teatro de má qualidade, ineficiente e sugador de recursos ve-se ameaçado. Até a Torre de Marfim, a Academia, sente-se ameaçada: tem que mostrar resultados. Este é o problema.

  3. ‘Um governo que se caracterizaria mais pela emoção do que pela razão.’ Ou seja, um governo de esquerda. Vivem falando em ‘ciencia’ e ‘razão’. Defendem utopias e vivem provocando respostas emocionais. Que dão em nada.

  4. ‘[…] obrigando-o a responder de imediato através de medidas legislativas.’ Que podem ou não ‘colar’. Geralmente medida marketeira. Governo federal foi avisado da seca. Quando as queimada tomaram uma proporção maior do que a habitual mostrou-se ‘surpreendido’. Anuncio de criar uma sinecura (autoridade climatica) e um pacotão legislativo inclusive com criação de ‘fundos’. Ou seja, mais desculpa para aumentar a tributação.

  5. ‘[…] o risco de que a democracia representativa se transforme em um sistema oligárquico ou plutocrático, as mesmas figuras atuando por décadas e décadas.’ Basta ver a arvore genealogica dos detentores de cargos eletivos no Brasil. Ministra do Planejamento. Candidata a prefeitura de POA. Cavalão e familia. Pernambuco. Renan pai e filho. Barbalho. Sem falar nos ‘Donos do Poder’. Em SM temos as patotinhas.

  6. Alas, as explicações que a candidata do Cavalão dá sobre os projetos absurdos que apresentou é conversa de advogada.

  7. ‘E há 3 candidatos que são verdadeiros azarões (underdogs).’ Acredito que todas candidaturas são iguais e merecem respeito. ‘Underdog’ é desnecessário.

  8. ‘Para prefeito, concorrem ao pleito sete chapas, sendo quatro delas em coligação e outras três com candidatura isolada.’ No segundo turno todos sabem quem vai apoiar quem. Existe uma afirmação não comprovada de que ‘é necessária uma candidatura a prefeitura para puxar votos para os(as) candidatos(as) ao Casarão’.

  9. Empulhação é grande. Possochato no programa de governo da ultima eleição fala em Plano de Pavimentação, ampliar o mesmo (pagina 38). Péssimo promete fazer o maior Plano de Pavimentação já visto. Qualquer chuvinha é só ver as ruas da cidade. Depois criticam os ‘outsiders oportunistas’.

  10. ‘Arrisco a dizer que teremos no segundo turno “o velho clássico da política eleitoral brasileira”: PSDB x PT.’ Bastante arriscado. Primeiro, as ‘patotinhas’ da cidade não ficam tristes. Candidato tucano já foi presidente da Cacism (uma especie de Medvedev do Pacheco). Candidato petista, o PT não tem quadros qualificados o suficiente, empregou quatro ou cinco empresarios no secretariado. Seis e meia dúzia.

  11. Sem falar nos/nas professores/advogados(as). Uma criatura defendendo o ‘direitos das mulheres’ (como se fosse assunto para edis). Depois ‘vamos tirar os matusalens de lá’ (do Casarão). Só que o partido dela tem candidato a prefeito e vice que somam quase duzentos anos.

  12. Santa Maria, Cidade Universitaria, Cidade Cultura. Já teve candidato ao Casarão ‘estátua viva’. Agora tem um sujeito andando no Calçadão com um jacaré de plastico amarrado nas costas. Imagino o que vai sair daquela ‘cruza’.

  13. Polarização é fruto das pautas identitárias que a esquerda levantou. Baseada na ‘superioridade moral auto-atribuida’. Atacar identidade dos outros levou a uma sensação de perigo existencial.

  14. ‘[…] no ódio ao adversário que autoriza a questionar as pessoas, sua função e as instituições.’ Rato Rouco ‘ em 1985 eu achava que jamais a gente poderia chegar ao poder pela via democrática’. ‘Odio’ é palavra utilizada para desqualificar, principalmente quando um adversario ‘odeia’ e outro é ‘vitima’. Alas, Rato Rouco visitou a UFSM quando Burmann era reitor e quem foi agredido por um miliciano do MST foi um professor aposentado do curso de Odontologia. ‘Acuse os outros do que faz, chame-os do que voce é’.

  15. ‘Levada ao extremo, essa democracia se tornaria populista,[…]’. Até na antiga Atenas o contrario de ‘democracia populista’ era oligarquia. Alternativa? Aristocracia. Alas, ‘Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,[…]’. Mas como o pôvú é muito ignorante só paga a conta, o poder fica para alguns espertalhões.

  16. ‘[…] por medo de perder privilégios, pelo desejo de ganhar mais.’ Sim, é a população que tem medo de perder previlégios e é gananciosa. Não é a população que paga a conta das barbeiragens que fazem com o pais. Também não é ela que paga uma carga imensa de tributos para receber quase nada de retorno.

  17. ‘[…] , por falta de formação suficiente e de experiência na prática política, essa opinião só seria reativa, só funcionaria pelo sentimento de insegurança acarretado por tal ou qual medida, […]’. Outra cascata, os politicos só tomam medidas ‘para o bem da população’ que ‘é muito ignorante para entender’.

  18. ‘Eleições são e serão decididas por algoritmos e quem têm maior número de seguidores nas redes sociais.’ Narrativa, sem base nenhuma que a suporte. Parece alguns programas de debate por ai ou amontoado de ‘jornalistas’: ‘todos são facilmente manipuláveis menos nós’. Lembrando que para ser estelionatário não precisa ter curso superior.

  19. ‘Reivindicam melhorias e gostariam que as mudanças fossem imediatas.’ Isto é opinião. Não é informação. Fato indiscutivel é que o Brasil é o pais do futuro desde 1941. A empulhação do ‘complexo de vira lata’ vem desde 1958. Pergunta a ser feito a qualquer um(a) na rua (fora da classe média bunda mole e escravos de ideologias): ‘na sua opinião o Brasil aparenta estar no caminho certo para as condições do pais melhorarem no futuro?’.

  20. STF compra lagosta e vinhos finos (trocaram por viagens) e tem gente madrugando por ai para tirar ficha para ser atendido no SUS. Alas, parlamentares defendem o Sistema Unico de Saúde, mas qualquer problema correm para o Einstein ou Sirio Libanes. Desculpa para bancar o ‘executivo’ (como se de empresa privada fosse) com dinheiro público é ‘os/as representantes do pôvú não podem andar como mendigos por ai’. A população pode.

  21. ‘Candidatos oportunistas que se dizem outsiders da política, com novos discursos, novas roupagens e carregando uma “nova esperança e nova perspectiva” para seus eleitores.’ Primeiro, os atuais detentores de mandatos nunca foram ‘oportunistas’? Segundo, o sistema vai ‘se autocorrigir’. Acredito que não, vai entrar em decadencia e quem vai pagar a conta são os mesmos de sempre.

  22. Cidadania é um conceito abstrato. Brasil não é a França do século XVIII. Nem a Ianquelandia onde até bem pouco tempo atrás o conceito de ‘comunidade’ era importante. De novo, RS e SM tem ‘intelectuais’ de esquerda e causidicos(as) demais para ‘dar certo’. Fica naquela base, todos ‘debatem’, falam muito, nada acontece e no rodizio de assuntos ‘cidadania’ volta eventualmente a pauta. Sem faltar o ‘é necessario campanhas de conscientização’ ou ‘temos que incluir no curriculo das escolas’.

  23. Imagina se para o exercício da cidadania (no caso do voto) fosse exigido o curso superior? Com tantos largando os Cursos de graduação e pós-graduação e vivendo, não se sabe como…sustentados pelos pais, até a alta maturidade…

  24. Um bom texto, mais uma vez. Considero-me desiludido. Creio que a democracia liberal foi massacrada. Imagina se levada ao pé da letra a ideia original da boa formação intelectual do cidadão…em Santa Maria, muitos desistem de graduação e pós-graduação e preferem ser sustentados pela família até a maturidade, dedicando-se outrora ao dedurismo, arapongem etc e hoje a falar bobagens arrotando ” intelectualidade ” para esconder ora o recalque, ora outras coisas enrustidas…

  25. Infelizmente, Professor, há a descaracterização de alguns partidos: à Esquerda os militantes preferem lutar por linguagem neutra, sem propostas efetivas. À Direita falsos pastores. Assemelha-se aos pseudointelectuais de Santa Maria de outrora e de hoje: muitos venderam ilusões inclusive na sua área sobre o Mercosul, etc..à Esquerda. À Direita, pululam em bares e cafés com conversas chatas e teorias da conspiração e sofismas.

  26. Professor Silveira, creio que não se podemos nos esquecer que a chapa do ex-prefeito Valdeci é a chapa do ex-prefeito Farret (ex-ARENA, ex – PDS, ex-PPR, ex-PPB, ex-PP) e apoiada pelo ex-secretário e ex-vereador M.Bisogno (ex-PT, ex-PDT). Hoje, ambos no União Brasil. Santa Maria optará sobre qual continuidade prefere: se a mais de recente ou a mais antiga. Até parece uma República Velha, cidadania exercida entre “oligarquias”.

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