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CULTURA. Nova mostra da Fundação Iberê celebra 110 anos do artista e sua ligação com Restinga Sêca

Exposição de obras de Iberê Camargo fica disponível até 9 de março de 2025

Exposição do gênio Iberê Camargo, filho dos ferroviários Adelino e Doralice, fica em cartaz até 9 de março de 2025 (Foto Reprodução)

Com texto e arte da organização do evento

Iberê Camargo nasceu no dia 18 de novembro de 1914, em Restinga Sêca, cidade localizada na região central do Rio Grande do Sul. Filho dos funcionários da Viação Férrea, Adelino Alves de Camargo (agente ferroviário) e Doralice Bassani de Camargo (telegrafista), Iberê teve naquela paisagem de desolação um exercício do olhar e princípios morais que nortearam seu pensamento. 

Restinga Sêca não passava de um vilarejo, onde o tempo para o pequeno Iberê passava debaixo da mesa da cozinha da casa da família desenhando. “Meus pais eram funcionários modestos, agentes ferroviários, que não se empenharam em ser promovidos porque se afeiçoaram ao lugar, às pessoas, e não queriam sair. Faziam de tudo para não ser removidos. Para que um ferroviário naquela ocasião tivesse um melhor posto, era preciso que fosse para uma estação mais importante. Mas, como já estavam velhos, tinham seus amigos e estavam acostumados com aquele vazio da campanha, preferiam ficar, prejudicando muito a aposentadoria”, disse o artista em entrevista ao cineasta Joel Pizzini.

Com aproximadamente 5 ou 6 anos, Iberê Camargo mudou de cidade. Mas as lembranças, a paisagem e a estação ferroviária da cidade natal ficaram impressas de um modo indelével em sua trajetória: “nunca fui lúdico na minha vida, nem quando criança. Sempre fui só. Não sou uma pessoa de muito chão, de muita caminhada. Conheço esses lugares que cito. Então, a gente faz um resumo e cria uma paisagem interior, que é a do ambiente onde a gente nasceu. É preciso saber que a experiência de engolir o primeiro gole de ar e ver a primeira luz do sol é muito importante. Isso marca.”

Agora, as lembranças da infância, suas visitas regulares à região e as memórias marcadas em desenhos e em pinturas serão apresentadas na exposição Iberê 110 Anos – Minha Restinga Sêca, que abre no dia 9 de novembro, na Fundação Iberê. Organizada por Gustavo Possamai, responsável pelo acervo do artista, com apoio da Prefeitura de Restinga Sêca, através da Secretaria de Cultura e Turismo, a mostra traz um recorte de obras que fazem referência à sua cidade natal como Crepúsculo da Restinga Sêca, As idiotas, Tudo te é falso e inútil, Ciclistas e Núcleo, além de desenhos, objetos, manuscritos e fotografias.

Para o crítico francês Jacques Leenhardt, membro do Conselho Curatorial da Fundação Iberê entre 2010 e 2014, “entra-se na obra de Iberê Camargo tendo a cronologia como guia. A relação com o passado, como um mundo feliz e desaparecido, dá sua nota de melancolia a uma das buscas pictóricas mais consequentes e solitárias da pintura brasileira dos últimos cinquenta anos. Sem dúvida, a terra da infância, aquela região que envolve Restinga Sêca onde Iberê nasceu em 1914 é uma terra dura de onde o pintor descreverá em vários comentários o aspecto desértico e abandonado. Entretanto, nessas lembranças pessoais, ela guarda o calor do espaço familiar: a casa e a estação férrea onde trabalhava seu pai. Sublinhando a importância do céu e do horizonte, essa paisagem de solidão é marcada igualmente pelas linhas formadas pelos trilhos perdendo-se na distância e pelos fios do telégrafo onde trabalhava sua mãe. Um mundo isolado e voltado para dentro, mas ao mesmo tempo ligado a outros mundos por essas linhas de fuga que os desenhos de Iberê não cessarão nunca de reproduzir”.

“Iberê sempre evocou as suas raízes e o seu chão como mitos fundadores de sua obra. Nas visitas a Restinga Sêca, já adulto, costumava pedir que tocassem o sino da estação ferroviária, onde nasceu, enquanto fechava os olhos, imerso nas memórias despertadas por aquele som.  Ele sempre acolheu o carinho da comunidade local, afirmando que não se deve negar o amor. É um pouco desse lugar de memória e afeto que esta exposição pretende revelar”, destaca Possamai.

Para Thais Danzmann Chaves, pesquisadora da memória do artista plástico e diretora de Cultura e Turismo de Restinga Sêca, a exposição, dialoga também com a dissertação de mestrado em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, intitulada Educação Patrimonial e Identidade: Reencontro da Comunidade de Restinga Sêca com Iberê Camargo, e poderá aprofundar a compreensão do público sobre o vínculo do artista com sua terra natal.

“O material como fontes primárias, desenhos e depoimentos com memorialistas que tiveram contato com Iberê foram prospectados junto à comunidade e marca o reencontro com a vida e a obra do pintor. O trabalho teve início em 2018 e transita por um território pouco conhecido, apresentando possibilidades múltiplas de educação, de arte e de memória, e tendo como transversalidades as questões do patrimônio cultural local e educação patrimonial”.

O que escreveu Iberê sobre Restinga Sêca em suas obras

Núcleo, 1963

Óleo sobre tela

Acervo Fundação Iberê

“Um dia eu fui a Jaguari, fui até o cemitério onde estão sepultados meus pais, próximo da viação férrea, da estação, e naquele momento por acaso passou um trem e a máquina expeliu uma fumaça negra, cuspiu aquela fumaça negra e ela toldou o azul, que era um céu assim de dia de muito azul, puro azul, e aquela mancha encobriu o cemitério como um véu escuro, e depois foi esgarçando, o véu foi se esgarçando, foi esmaecendo, se expandindo, e aquilo ali me inspirou aqueles núcleos em expansão… as coisas que se expandem, compreendes, que se expandem… E veio dali essa ideia de expansão de núcleos, daquelas formas que se expandiam”.

Ciclistas, 1989

Óleo sobre tela

Acervo Fundação Iberê

“Estes ciclistas, por exemplo. Eram só dois ciclistas, mas depois de pintá-los, pensei: que curioso, aqui estão todas as cores da estrada de ferro e dos trens – o carvão de pedra, este vermelho queimado, este cinza. Todas são cores da minha infância, nasci na beira da estrada de ferro. E as rodas? Mais são de locomotivas que de bicicletas. Mas eu não sabia disso ao pintar. Acho que propomos uma coisa e nosso inconsciente dita outra. A gente pensa que dá o rumo, quando no fundo as coisas vêm de dentro”.

Crepúsculo da Restinga Sêca, 1993

Óleo sobre tela
Acervo Fundação Iberê

“As figuras que povoam minhas telas envolvem-se na tristeza dos crepúsculos dos dias de minha infância, guri criado na solidão da campanha do Rio Grande do Sul”.

SERVIÇO

Exposição: Iberê 110 anos – Minha Restinga Sêca

Organização: Gustavo Possamai
Apoio: Prefeitura de Restinga Sêca

Visitação: Até 9 de março de 2025 | Domingo

Endereço: Avenida Padre Cacique, 2000 – Cristal

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