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Ciência Política e Relações Internacionais: as irmãs siamesas – por José Renato Ferraz da Silveira

E tem a questão das “novas direitas do mundo global”, algo a ser analisado

“(…) a análise das Relações Internacionais oferece uma explicação clara do significado de que o pensamento político moderno corre risco, está em crise, necessita de rejeição, reafirmação ou reconstrução”.

R.B.J. Walker

A Ciência Política e as Relações Internacionais integram o conjunto das Ciências Sociais, tendo como objetos formais as relações de poder, a base ideológica, as tendências, a paz e a guerra, a cooperação e o conflito, o comércio e o direito internacional, entre outros fenômenos.

As duas áreas compreendem dois momentos importantes de procedimento científico: a investigação e interpretação. Esses momentos obedecem a um tratamento metodológico. De fato, os métodos de investigação são comuns a todas as ciências, especificando-se a conjuntos de acordo com a natureza e o domínio.

De acordo com os cientistas políticos Celso Antonio Pinheiro de Castro e Leonor Peçanha Falcão, as ciências sociais não fazem previsões, apresentam diagnósticos. “As Relações Internacionais e a Ciência Política não competem conclusões imperativas nem diretrizes morais, mas conclusões indicativas racionais, harmonizadas com as regularidades tendenciais (…) a complexidade dos fenômenos sociopolíticos adiciona às relações sociais – diversas no conteúdo e da forma – a interconexão funcional ou descontínua entre elas”.

Como diz Walker na obra “Inside/outside: Relações Internacionais como teoria política”: “vivemos num mundo dividido entre amigos e inimigos requerendo cálculos de segurança baseados na expectativa do pior cenário, mas, mais insidiosamente, argumentos sobre o que significa reclamar um conhecimento sobre a política estruturado em termos de um sistema internacional”.

Não podemos esquecer que as Relações Internacionais têm como seu marco histórico o ano de 1919, quando foi criada a sua primeira cadeira acadêmica sob os auspícios do filantropo David Davies na University of Wales, em Aberystwyth, no Reino Unido, denominada Cadeira Woodrow Wilson de Política Internacional. Seu primeiro ocupante, Alfred Zimmern, deveria enfrentar o desafio de explicar por que as guerras ocorrem e como evitá-las.

Muito tempo passou, a área continua – mais robusta e consistente também no Brasil – mas com uma diversidade de questões que não se admitem respostas fáceis ou prematuras.

Contemporaneamente, convencionou-se que o foco de estudo das ciências políticas seriam as relações políticas internas de um país, ao passo que o foco das Relações Internacionais seriam as relações externas aos Estados (o que pode incluir as chamadas relações transnacionais que não envolvem necessariamente dois Estados).

Não é tão simples assim! Pensemos no exemplo das “novas direitas do mundo global”. É um tema atual, relevante e que envolve o campo da Ciência Política/Relações Internacionais.

Analisemos – brevemente – esse fenômeno.

As Novas Direitas

Após a crise econômica de 2008 verificou-se a ascensão de governos e partidos da Nova Direita. “Essa ascensão se deveu pelo fato que esses grupos extremistas se utilizaram de crises e insatisfação popular para conseguirem prosperar, como por exemplo, na União Europeia atingida pela crise econômica e migratória houve o aumento de partidos extremistas de direita” (Tostes et al., 2019).

Contudo, as raízes dessas expressões políticas não nasceram neste século XXI.

De acordo com Mudde (2019), existem quatro grandes ondas da extrema-direita no pós-Segunda Guerra Mundial (inspirado nos trabalhos de Beyme (1988) entusiasta do modelo das três ondas):

a) A primeira onda chamada de Neofascismo (1945-1955) foi apenas uma roupagem nova de pequenos grupos nazistas e fascistas que ainda insistiam em defender seus ideais pela Europa, porém, não obtiveram participação política expressiva.

b) A segunda onda (1955-1980) marca uma mudança, pois começa a aumentar o número partidos e políticos populistas de direita com grandes movimentos de massa e a influência do poujadismo.

c) Na terceira onda (1980-2000) a direita radical começa a participar do congresso nacional e fazer alianças com partidos tradicionais de vários países europeus, além de se tornar importante ator fora da Europa tendo grande atuação na Austrália, em Israel com o surgimento de novos partidos e na Índia com a criação do Bharatiya Janata Party (BJP).

d) A quarta onda compreende dos anos 2000 até os dias atuais, na qual a extrema-direita adquiriu espaço no debate público se espalhando em diversas esferas da sociedade, principalmente, nas redes sociais.

Lideranças como Donald Trump nos Estados Unidos, Matteo Salvini na Itália, Viktor Orbán na Hungria, Modi na Índia, Rodrigo Duterte nas Filipinas e Jair Bolsonaro no Brasil são alguns dos expoentes dessa quarta onda que conseguiram ganhos políticos com o sentimento do seu eleitorado (Barnabé et al., 2023; Guimarães, 2020). 

No próximo texto, trataremos acerca dos traços característicos dessa Nova Direita no mundo.

Referências

BARNABÉ, Thiago Abdala; MELO, Ygor Lebrank de; GARCIA, Guilherme Fernandes; FORMIGA, Dayana de Oliveira. A crescente da extrema direita no cenário político mundial: um estudo do bolsonarismo. MANDUARISAWA, [s. l.], v. 7, p. 279-302, 13 nov. 2023. Disponível em: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/manduarisawa/article/view/12446. Acesso em: 4 dez. 2024.

BEYME, Klaus von. Right wing extremismo in Western Europe. London and New York: Taylor & Francis Group, 2013.

GUIMARÃES, Julia de Oliveira Góes. Dando Nome aos Bois: fascismo e a nova extrema direita. Orientador: Guilherme Simões Reis. 2020. 114 p. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em:

https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/ trabalhoConclusao/vie wTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=10325331.  Acesso em: 1 abr. 2024.

MUDDE, Cas. The far right today. Cambridge: Polity Press, 2019.

TOSTES, Ana Paula Balthazar et al. As ameaças da Nova Direita na Europa: um balanço das eleições europeias de 2019 l The New Right Threats In Europe: A Stocktaking Of The 2019 European Elections. Revista Neiba, Cadernos Argentina Brasil, v. 8, n. 1, p. 47068, 2019.

WALKER, R.B.J. Inside/outside: Relações Internacionais como teoria política. Rio de Janeiro: Ed. PUC-RIO: Ed. Apicuri, 2013

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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14 Comentários

  1. Em tempo. Governo Sirio caiu em uma semana e meia do nada. Bases russas preservadas. Assad aparece na Russia. Podem chamar de teoria da conspiração, mas o cheiro é de um acordão de bastidores. Tudo muito ‘limpinho’. Demais. Alas, quando a guerra civil na Siria recomeça?

  2. Resumo da opera. A descrição é, como sempre, da ‘Nova Direita’, da ‘extrema-direita’. Epitetos que bloqueiam o dialogo e a análise. Alas, do outro lado pouco se ouve falar. Soros, por exemplo, em 2015 falou de Orban ‘O plano dele trata a protação das fronteiras nacionais como objetivo e os refugiados como obstáculo; nosso plano trata a proteção dos refugiados como objetivo e as fronteiras nacionais como obstaculo’ (Bloomberg e outros). Ou seja, Academia a serviço de narrativas. Alas, não se sabe se existe liberdade academica suficiente para contrariar as ditas cujas. Tudo muito ‘cientifico’.

  3. Cavalão não é fascista. Porem dentre seus apoiadores existem viuvas do Regime de 64, vivandeiras, liberais da economia e setores religiosos evangelicos (ou neopentecostais; que não estão fora até do trafico de drogas). Tudo o que os vermelhos ‘gostam’, gente que é conservadora nos costumes e quer menos Estado (até porque não funciona direito e é caro).

  4. Filipinas é uma festa. Frentes de Libertação Nacional criadas ainda na decada de 60. Dissidencias socialistas islamicas. O ponto é muito fora da curva, mas é colocado junto para forçar ainda mais a barra.

  5. Trump quer Estado menor e desregulmentação. Tem problemas de imigração. Quer reformar o Estado Ianque. Salvini é Eurocetico, mas não conseguiu cargo maior ainda. Orban segundo a midia legada é nacionalista mas esta vinculado a Organização dos Estados Turcos (bloco de que pouco se fala).

  6. ‘A quarta onda compreende dos anos 2000 até os dias atuais, […]’. Não se sabe se é má fé, preguiça ou simplemente incompetencia. Academia faz malabarismos para igualar coisas diferentes.

  7. Midia legada, academia (famigerada Torre de Marfim), burocracia estatal, profissionais liberais ligados ao direito. Esta bolha ve interesses ameaçados. Seja bolso, sejam ideologicos (com as redes sociais as teorias de Gramsci vão para o arquivo morto). Alas, por isto querem censurar tanto as redes sociais.

  8. ‘Após a crise econômica de 2008 […]’. A narrativa aqui é ‘os apostadores do mercado financeiro’, ‘o socorro aos bancos’. Só que na origem da coisa estão os bonus da Federal National Mortgage Association (Fannie Mae) e da Federal Home Loan Mortgage Corporation (Freddie Mac). Ambas estatais, ambas criadas pelo Congresso Ianque. Politicas publicas para resolver o deficit habitacional. Dali a pouco juros dos titulos do governo que eram 1% vão para mais 5%, inadimplencia sobe, creditos podres aparecem e deu no que deu.

  9. Stalin convencionou que os que são contra a esquerda deveriam ser chamados de ‘fascistas’. Perdura até hoje. Interessante observar a novilingua. Na Revolução Francesas a esquerda era republicana, a direita queria uma monarquia constitucional. Agora esquerda representa o establishment e direita são os que se opõe. População ve instituições que não resolvem problemas, burocracia/Estado caros e ineficientes. Vai dar razão para quem?

  10. ‘[…] deveria enfrentar o desafio de explicar por que as guerras ocorrem e como evitá-las.’ Como se vê deu certo. Nota-se a influencia da WWI

  11. ‘[…] as ciências sociais não fazem previsões, apresentam diagnósticos.’ Pois então, ciencias moles. Pior, os diagnosticos não são unanimes, subjetividade é a marca.

  12. Alas, mesmo nas ciencias duras existem problemas. Alas, uma revista cientifica ‘despublicou’ 36 artigos de pesquisador brasileiro. Mais 13 estão sob investigação. Fraude é a acusação. Alas, em 2015 a revista Nature publicou um estudo sob a reprodutibilidade de artigos na area de psicologia. Aconteceram 100 tentativas de reprodução de resultados de 98 artigos. Somente 39 chegaram nas mesmas conclusões.

  13. ‘De fato, os métodos de investigação são comuns a todas as ciências, especificando-se a conjuntos de acordo com a natureza e o domínio.’ Obvio que não. Ciencias moles tem diferenças. Nas duras existem, dentre outras coisas, hipoteses, experimentos e conclusões. Nas moles experimentação se resume a levantamentos estatisticos.

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