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O desastre que foi o governo Bolsonaro e seu legado perverso – por José Renato Ferraz da Silveira e Breno Dotta de Brito

“Não bastasse o caos instaurado, ainda deixou um presente de despedida”

O governo Bolsonaro foi desastroso sob todos os aspectos. Desmontaram-se diversos âmbitos da administração pública, foram desorganizadas políticas públicas que levaram anos para ser estruturadas, envenenou-se o ambiente político e se produziu uma crise institucional sem precedentes no funcionamento e na relação dos três poderes.  

Instituições cuja autonomia funcional e operacional seria primordial, como a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República, foram capturadas. E ainda, como se não bastasse, tivemos a perda evitável de centenas de milhares de vidas humanas em função da gestão caótica e sabotadora da pandemia, assim como danos ambientais de grande magnitude e provavelmente irreversíveis. 

O Brasil se tornou um pária internacional e perdeu influência nos principais debates globais, em particular aqueles em que se destacava, como o relacionado à questão ambiental. Foram anos de destruição que exigirão muito mais anos para reconstruir tudo.  

Com a derrota nas eleições, Bolsonaro e o seu círculo de poder criaram um cenário de tensão, agravamento da polarização e de crise política. 

 A minuta do golpe  

O tenente-coronel Mauro Cid afirmou na segunda-feira (9), em depoimento ao ministro Alexandre de Moraes, que o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e fez alterações na chamada minuta do golpe – documento que previa ações autoritárias para anular o resultado das eleições de 2022. 

Segundo Cid, Bolsonaro pediu para retirar do texto os trechos que determinavam a prisão de diversas autoridades, como ministros do STF, o presidente da Câmara e o presidente do Senado. Apesar disso, o nome de Alexandre de Moraes foi mantido como único alvo de prisão. “O presidente recebeu e leu. Ele, de certa forma, enxugou o documento, basicamente retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso. O resto, não”, disse Cid, dirigindo-se ao próprio ministro. 

A minuta era composta por duas partes: a primeira reunia cerca de dez páginas de acusações contra o STF e o TSE, e a segunda apresentava propostas como estado de defesa, estado de sítio, prisão de autoridades e a criação de um conselho eleitoral para refazer as eleições. 

O documento foi encontrado pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, durante operação autorizada por Moraes. As declarações de Cid fazem parte do julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre a tentativa de golpe articulada por aliados de Bolsonaro.

O efeito nocivo de Bolsonaro 

Não há dúvida de que Bolsonaro foi o pior presidente da Nova República! Corrompeu e destruiu a credibilidade das Forças Armadas. Arruinou reputações de militares de alta patente. Colocou o país numa polarização (interminável) com desfecho bastante improvável. Criou uma turba de implacáveis bolsonaristas que não conseguem responder por seus próprios atos. Temos um Congresso Nacional extremamente reacionário e alinhado com esse ideário de ódio e desprezo às instituições democráticas. 

Por fim, o Supremo Tribunal Federal cumpriu e cumpre seu papel de guardião da Constituição num momento delicado e de exceção na História política brasileira.

Presente de despedida 

Como se não bastasse o caos previamente instaurado, Bolsonaro ainda deixou um presente de despedida: a completa degradação do debate público. Transformou o Brasil num imenso grupo de WhatsApp, onde memes, fake news e teorias conspiratórias substituíram o mínimo de racionalidade e bom senso.

O delírio coletivo virou método de governo e, posteriormente, de oposição. Qualquer tentativa de restabelecer o diálogo civilizado esbarra num muro de desinformação alimentado diariamente por influenciadores de ocasião, “analistas” de Telegram e autoproclamados especialistas em “defesa da liberdade”.

Enquanto isso, temas fundamentais como educação, ciência, saúde e combate à fome ficaram relegados a segundo plano, afinal, era muito mais interessante criar cortinas de fumaça com bravatas, frases de efeito e ataques diários às instituições. A política ambiental, que um dia nos colocou como referência mundial, virou uma piada de mau gosto. A Amazônia, transformada em território livre para garimpeiros e madeireiros ilegais, tornou-se símbolo do descaso e da cumplicidade estatal com o crime ambiental.

Internacionalmente, o Brasil foi se tornando o “tiozão” do churrasco do planeta Terra: aquele parente constrangedor, que ninguém sabe bem onde sentar na mesa, mas que todos tentam evitar. Perdemos espaço, perdemos aliados, perdemos relevância. Enquanto o mundo avançava em discussões urgentes sobre mudanças climáticas, transição energética e avanços da ciência, o Brasil de Bolsonaro ficava empenhado em disseminar cloroquina, defender tratamento precoce e fazer arminha com as mãos em reuniões oficiais.

Legado perverso 

O mais perverso, no entanto, é o legado psicológico que ficou impregnado no país: um ambiente de desconfiança permanente, onde cada fato vira teoria da conspiração, cada autoridade é vista como inimiga e cada derrota eleitoral é vendida como fraude. A política virou um espetáculo de ressentimento e negação.

Não se trata mais de divergência ideológica, mas de uma verdadeira seita com lógica própria, impermeável à realidade. O governo seguinte não herdou apenas uma nação em frangalhos, herdou um estado mental coletivo que exige muita terapia, paciência e anos de reeducação democrática para ser, quem sabe um dia, minimamente sanado.

Assim como vimos tantas vezes na história o poder simbólico das coisas, também assistimos, durante esses anos, à contaminação até mesmo dos nossos próprios símbolos nacionais. A camisa da Seleção Brasileira, antes motivo de orgulho e identidade nacional, virou uniforme de um projeto político autoritário.

Um dos maiores emblemas do futebol mundial, hoje, carrega o peso de uma ideologia, de ataques à democracia e de uma polarização que transformou até o verde e amarelo em motivo de vergonha para muitos. É o retrato perfeito do Brasil que Bolsonaro deixou: até o que tínhamos de mais inocente e coletivo foi sequestrado.

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Colunista do Diário de Santa Maria. Participou por cinco anos do Programa Sala de Debate, da rádio CDN, do Diário de Santa Maria. Contribuições ao jornal O Globo, Sputnik Brasil, Rádio Aparecida, Jornal da Cidade, RTP Portugal. Editor chefe da Revista InterAção – Revista de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (ISSN 2357- 7975) Qualis A-2. Editor Associado da Scientific Journal Index. Também é líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP)

Breno Dotta de Brito (russo) é graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria e membro do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP).

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