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O deus Mitra e um manifesto pelo fim do faz de conta – por Luciano Ribas

O significado original da palavra “dogma” está relacionado com “aparência” e refere-se a uma opinião ou crença. Foi o catolicismo que a transformou em sinônimo de verdade absoluta, inquestionável, imposta, opinião que não aceita as demais. O dogmatismo (no sentido que a filosofia e a política lhe conferem) é, pois, uma invenção religiosa, possuindo a mesma origem de grandes atitudes de intolerância cometidas em nome da fé que a história registra.

Contraditoriamente, a inventora do dogmatismo sempre soube apoderar-se de tradições e ritos alheios como método para levar adiante seu projeto de poder. Ou o sabia, ao menos nos tempos em que sua invenção ainda não havia lhe corroído a capacidade criadora, como suprema negação do espírito inclusivo e acolhedor que serviu de base ao cristianismo primitivo.

A igreja agiu com tal “sabedoria” quando a festa consagrada ao deus Mitra, uma divindade de origem persa ou indiana, se tornou a data do “nascimento” de Cristo. Esta tarefa foi muito facilitada pela simbologia envolvendo Mitra, que se casava perfeitamente com a mitologia cristã: entre os persas ele era o filho de Aúra-Masda, um deus “do bem” gerado a partir de uma virgem; os romanos comemoravam na madrugada de 24 para 25 de dezembro o “nascimento do invicto”, o alvorecer de um novo sol com o nascimento do Menino Mitra; seu culto, com raízes no zoroastrismo, era marcado pelo dualismo, opondo o bem e o mal; figuras do pequeno Mitra encontradas em escavações possuem grande semelhança com representações antigas do menino Jesus.

A esmagadora maioria das pessoas não faz a menor ideia disso, é claro. Dedicam-se, por esses dias, a exercitar o saudável espírito natalino sem sonhar que sua celebração possui raízes imemoriais reembaladas para o consumo cristão, incluindo o sacrifício de um touro e o banhar-se no seu sangue na busca da imortalidade. Aliás, um ritual até ameno se comparado com o principal rito cristão, que se baseia no canibalismo simbólico – para os dogmáticos, nem tão simbólico assim – com a carne e o sangue de Cristo sendo ingeridos pelos fiéis reunidos.

Para os que “crêem”, rituais religiosos possuem tanta verdade que, num caso extremo, até mesmo a insanidade de cravar agulhas num menino indefeso pode fazer sentido – um fato assustador, principalmente porque a matriz geradora desse crime é a mesma das celebrações atualmente aceitas.

Mais inocente é o “faz de conta” das histórias infantis, mas mesmo ele pode nos conduzir por dois caminhos, o do terreno mágico da fantasia ou a o da alienação das ilusões.

Santa Maria viveu (e em alguns setores ainda vive) dentro da segunda opção. Tivemos (e temos) muitos negociantes fazendo de conta que eram empresários, aproveitadores se passando de políticos bem intencionados, pulhas por vestais, sofistas por pensadores iluminados. Pagamos caro por isso, atrasando o desenvolvimento econômico e humano da cidade por décadas.

Começamos a virar a páginas há alguns anos, mas a tarefa é hercúlea. Há muito por ser feito e, se seguirmos minimamente o que o novo presidente da Cacism, Paulo Ceccim, disse no seu discurso de posse, também há esperança de que possa ser feito.

Verdadeiro manifesto pelo fim do faz de conta institucionalizado, foi o discurso mais lúcido e corajoso que ouvi nos últimos anos. Sem preocupação de agradar, começou um saudável rompimento com certos dogmas, para desespero de uns e alegria da esmagadora maioria.

Os compromissos assumidos naquele manifesto exigirão bastante trabalho, um pouco de sorte e, também, muita fé, entendida aqui num sentido laico e profundamente humano. “Rezemos” para que 2010 traga para Santa Maria tudo isso e, especialmente, a sabedoria para realizar.

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