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Quem ordena um mundo em transição? – por Leonardo da Rocha Botega

O papel da ONU e da OTAN, por exemplo, são avaliados pelo articulista

Assim como a Primeira Guerra do Iraque, em 1991, a Guerra na Ucrânia, deflagrada na última semana, pode ser entendida como o aparecimento de uma Nova Ordem Global. Autores de diferentes matrizes ideológicas, como Oliver Stuenkel e Henry Kissinger, escreveram obras de grande repercussão sobre o tema. Stuenkel chama atenção para a constituição de uma mundo pós-ocidental. Kissinger, por sua vez, define que estamos caminhando para uma ordem mundial marcada por “ordens internas” em várias regiões.

Em meio a esse processo transicional a principal pergunta que emerge é: quem ordena esse mundo em transição? Uma pergunta que não é nova. Em diferentes momentos históricos o mundo se viu diante desta mesma pergunta. Em 1648, os recém-formados Modernos Estados-Nacionais responderam a essa questão com a Paz de Vestfália que pôs fim a Guerra dos Trinta Anos e deu início a Sociedade Internacional Moderna.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a falência, tanto da ordem do equilíbrio armado do final do Século XIX, quando do idealismo da Liga da Nações, tal pergunta foi respondida com a criação da Organização das Nações Unidas, em 1948.

Partindo do objetivo de busca da manutenção da paz e do desenvolvimento mundial por meio da cooperação entre os países, a ONU inaugurou uma perspectiva de multilateralismo baseada na igualdade entre os seus membros. Porém, o contexto de sua criação, marcada pela vitória dos aliados e o início da Guerra Fria, impôs limites a sua proposição, sobretudo, com a formação de um Conselho de Segurança que refletia o equilíbrio dos vencedores.

Mesmo assim, a ONU teve papel fundamental na contenção de crises que potencializavam o conflito entre as nações líderes dos blocos capitalista e socialista, os EUA e a URSS, como na Crise de Muro de Berlim em 1961 e a Crise dos Misseis em 1962.

Com fim da Guerra Fria, a potência mundial vencedora, os EUA, conclamou uma Nova Ordem Mundial que substituía gradativamente o multilateralismo da ONU pela imposição de um unilateralismo através da força e da expansão da OTAN, aliança militar criada em 1949 a partir da Doutrina de Contenção do comunismo elaborada por George Kennan.

Esse mesmo George Kennan, conforme revelou recentemente o colunista do New York Times Thomas Friedman, criticou na década de 1990 a política de expansão da OTAN. Uma crítica que também foi feita por Jack Matlock, último embaixador norte-americano na URSS, Theodore Sorensen, ex-assessor de John Kennedy, e Henry Kissinger, ex-secretário de Estado nos governos de Richard Nixon e Gerald Ford e um dos principais articuladores dos Golpes de Estado na América Latina na década de 1970. Todos renomados conservadores.

A política de desestabilização da ONU atingiu seu auge em 2003, quando o governo de George W. Bush invadiu o Iraque à revelia do Conselho de Segurança e sem o apoio de algumas das principais nações que compunham a própria OTAN, entre essas a França e a Alemanha.

O resultado já é bastante conhecido: a Guerra do Iraque se configurou como um dos maiores engodos da História. As tão proclamadas armas de destruição em massa nunca foram encontradas.

Os últimos anos têm demonstrado que é inegável que o unilateralismo estadunidense não passa de um arremedo do que foi na última década do Século XX e nos anos iniciais do Século XXI. Economicamente, o país tem perdido espaço, ano após ano, para a China. Suas últimas aventuras militares no Afeganistão e na Síria foram desastrosas. E agora se vê perdido na queda de braços que se propôs a jogar com a Rússia de Vladimir Putin. Indo mais além, se vê perdido nesse mundo em transição, pois está preso diante do declínio de seu poder.

Seja qual for a Nova Ordem Global que irá sair dessa transição, o Mundo Pós-Ocidental de Stuenkel ou a Ordem Mundial das potências regionais de Kissinger (que curiosamente se aproxima da proposta do neofascista russo Dugin), é inegável que sem a reafirmação de um multilateralismo, tendo a ONU como esfera de negociação de conflitos, caminharemos para a (des) ordem da instabilidade dos autocratas.              

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. A imagem (de Divulgação/PR da Ucrânia) é de uma explosão em Kiev, capital ucraniana, na última quarta-feira, 24 de fevereiro.

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Um Comentário

  1. Noutro dia um cientista politico falou que o mundo não pode ficar sem um lider. Quem seria melhor, a Russia, a China ou os EUA que são uma democracia (como todos seus defeitos)? Há que se descontar que apesar de brasileiro tem dupla nacionalidade, é capitão da inteligencia da força aerea israelense. Final do ano passado Nigeria e Irlanda (???) tentaram passar uma resolução no Conselho de Segurança da ONU. Objetivo seria incrementar as medidas para combater o aquecimento global. Russia e India vetaram, China absteve-se. Abriria caminho para muita coisa.

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