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A morte do operário da Arena e o que isso tem a ver com a Copa – por Anderson Santos, Dijair Brilhantes & Bruno Lima Rocha

Coluna Além das 4 linhas –  edição da semana de 6 de outubro de 2011 – por Anderson Santos (editor), Dijair Brilhantes & Bruno Lima Rocha

UMA COPA ACIMA DAS PESSOAS

Já tratamos neste espaço sobre a Copa do Mundo FIFA 2014 – cada vez mais FIFA e menos do Brasil. Já falamos sobre as greves em alguns dos estádios. Já destacamos Ricardo Teixeira e seus amigos. Ainda assim, quase toda semana aparecem notícias relevantes sobre o evento e não temos como nos calar.

Na noite de domingo (02/10/2011), um operário que trabalhava na obra da Arena do Grêmio morreu atropelado porque não há transporte para atravessar uma movimentada avenida no dia de folga. Por conta disso, os demais trabalhadores teriam colocado fogo no alojamento. Foi o terceiro protesto só este ano. Você acha que isso não tem nada a ver com a Copa?

Grêmio e Internacional fazem um duelo de bastidores para que um deles seja a sede “gaúcha” (rio-grandense, pois os gauchos originais não seriam obedientes a patrões e capatazes) da Copa do Mundo. A proximidade a países com fortes seleções, casos do Uruguai e da Argentina, cujas formas de torcer são “imitadas” por aqui, seria uma grande atração para o Rio Grande do Sul em 2014.

O Beira-Rio surgia como franco favorito. Bastava uma simples reforma e tudo ficaria pronto com tempo de sobra. Porém, o modelo de autofinanciamento foi descartado, já que o valor da reforma começou a crescer, e em maio a construtora Andrade Gutierrez foi escolhida.

Ainda assim, só esta semana a mega-empreteira (com ilustrativas passagens pelas operações da PF, a Satiagraha e a Castelo de Areia) encaminhou a minuta do contrato, que passará nas mãos de um escritório de advocacia para análise e só então será apresentada na reunião do Conselho Deliberativo para ser aprovado ou não.

Enquanto isso, o Grêmio seguiu o projeto de construir um novo estádio, num sistema que a construtora ficará com o antigo, o Olímpico – alguém lembra de um clube grande que iria construir o seu estádio independente da Copa, mas viu ser escolhido em detrimento de um rival?

A escolha da Arena para a Copa não é descartada por ninguém, nem que seja apenas como campo de treinamento. Se for alternativa para estádio então, há um excesso de canchas para o evento – 12, quando se pode fazer com 8 – e outros estádios do Brasil na sobra.

E OS TRABALHADORES?

Se o Inter só derrubou um pedaço das arquibancadas e ainda usa o seu estádio, a promessa tricolor é que o seu estará pronto três meses antes do previsto, até o fim de 2012. Na pressa, alguns problemas trabalhistas apareceram e foram motivo para duas greves até aqui por más condições de trabalho.

Na noite do primeiro domingo de outubro veio à justificativa para a terceira. O trabalhador José Elias Machado foi atropelado no trecho da BR-209, conhecido como Freeway, no bairro do Humaitá, em Porto Alegre. A pista bastante movimentada fica entre a obra e o alojamento de cerca de 500 operários e não tem uma passarela. Como protesto, alguns dos operários teriam tocado fogo no alojamento e se recusaram a trabalhar nesta segunda-feira.

O Ministério do Trabalho já chegou a embargar a obra em março deste ano por falta de condições de segurança e porque os fiscais encontraram pessoas trabalhando sem carteira assinada.

Lembramos que, por conta dos baixos valores de salário, a maioria dos operários vem das regiões Norte e Nordeste e, portanto, não têm ligação com o sindicato local dos trabalhadores da construção civil.

Segundo a OAS, construtora responsável pela obra (também com uma ilustrativa passagem pelo inquérito da Operação Castelo de Areia), há disponibilização de transporte apenas para os dias de trabalho, que não seria o caso do domingo, justo quando todos precisam sair de casa para se divertir. Ou seja, para os “donos da obra”, peão não precisa se divertir, e se sai para caminhar ou dar uma volta nas tardes de domingo, pode se arriscar ao atropelamento! Desgraçadamente, a tese patronal estava errada.

Como já relatamos em outras edições desta coluna, obras das reformas de Maracanã e Mineirão já pararam mais de uma vez por conta de má condição de trabalho, baixo salário e falta de cumprimento com direitos legais. No Maracanã até comida estragada foi entregue aos operários (como na guerra dos candangos durante a construção de Brasília); no caso da Arena do Grêmio, o trabalho era em três turnos.

Quanto vale uma Copa? Quer dizer, em termos de recursos gastos nestas obras vale muito, mas no cuidado com os trabalhadores, sejam os que constroem as obras ou aqueles que pagam os seus impostos, parece que a relação é inversamente proporcional.

ENTREGUEMOS O PAÍS!

Desde que foi enviada ao Congresso Nacional, a Lei Geral da Copa divide opiniões. Parte da mídia, até a pequena, viu alguns problemas que demonstrariam a interferência de uma entidade internacional privada nos interesses do país. Toda a outra parte passou a anunciar estremecimento da relação entre a FIFA e o Governo federal, a ponto de sugerirem que teria sido cogitada a quebra de contrato para o evento por faltar pontos importantes para a Federação comandada por Blatter.

Na segunda-feira (03/10), a presidenta Dilma Rousseff se reuniu com o secretário-geral da Associação com sede na Suíça (àquela que lava mais branco!), Jeröme Valcke, em mais um exemplo de como não quer ver sua imagem ligada a nomes como Ricardo Teixeira, presidente do Comitê Organizador Local, e Joseph Blatter, presidente da dona do evento.

O choque das exigências da FIFA com as leis federais e estaduais do país será diminuído ou até eliminado. Ao menos foi o que deu a entender o ministro dos Esportes, o ex-comunista Orlando Silva, que prometeu a Valcke que o Governo sugerirá alterações numa lei que ele mesmo fez. A justificativa é que a Copa do Mundo é um evento “único” – já os problemas de saúde, educação e infra-estrutura são tão comuns que não há tanta urgência na preocupação…

O secretário-geral da FIFA – que era vice-presidente de marketing foi afastado por suposta corrupção e voltou num cargo maior – deixou claro que as exigências são sempre as mesmas, independente das leis de cada país. Como o Brasil assinou um contrato se comprometendo em cumpri-las, cabe agora ao Governo recuar e deixar “nítido que todas as garantias serão cumpridas”, como disse o ministro.

Um dos pontos em conflito é a garantia de meia-entrada. A FIFA teria liberdade para colocar qualquer valor nos ingressos – o que justifica a “Copa no Brasil, mas não dos brasileiros”, como diz o atual deputado federal (e recém contratado pela Record) Romário –, porém há o Estatuto do Idoso, lei federal que garante o direito de pagar a metade do valor para entrar em eventos. No caso estudantil, as regras são em alguns Estados e deve ficar mais fácil de serem quebradas com um pedido especial de um ministro que já foi presidente da União Nacional dos Estudantes…ai, ai, UNE, quem te viu e quem te vê!

O SUPER-SINCERO ESTÁ DE VOLTA

Como a coluna da semana passada foi sobre ele, achamos que não deveríamos trazê-lo de volta para a desta semana. Mas não dá. Andrés Navarro Sánchez, presidente do Corinthians, foi matéria especial da Revista Época (Organizações Globo), que contou toda a sua história – com direito a detalhes pessoais e sua ligação com bicheiros paulistas.

De toda a matéria assinada por Luiz Maklouf Carvalho o que criou mais polêmica foi o seguinte trecho, que aqui reproduzimos:

“Quem fez o estádio fui eu e o Lula. Garanto que vai custar mais de R$ 1 bilhão. Ponto. A parte financeira ninguém mexeu. Só eu, o Lula e o Emílio Odebrecht (presidente do Conselho de Administração da Odebrecht). – O dia em que essa história vier a público vai ficar feio para quem?? – Não vai ficar feio pra ninguém. Vai ficar, talvez, não imoral, mas difícil para o Lula. – Por quê?? – Porque vão falar: ’Pô, como é que uma empreiteira se submete a fazer isso? Por que o presidente pediu?”’

Uma nota foi publicada no site do Corinthians ainda no sábado. Andrés não retira o que disse sobre a importância do ex-presidente Lula para a construção do estádio, mas que não teria dito que o estádio custaria mais de R$ 1 bilhão, seria o contrário: “o Corinthians lutou para baixar este valor para R$ 820 mi e que o custo total da obra não irá superar esta marca”.

ENQUANTO ISSO…

Enquanto o Governo federal corre para agradar a FIFA, a “farra” de gastos com estádios no Brasil não parece que vai parar tão cedo. Na final do “Superclássico das Américas”, em que o time B do Brasil (ou de Teixeira) venceu o time B (ou C?) da Argentina (ou de Grondona), foi anunciado que o Estádio Olímpico do Pará (Mangueirão) será sede da Copa América de 2015. Goiânia também foi confirmada no amistoso realizado contra a Holanda.

Como bem provou a torcida paraense, ainda nos parece inadmissível que Estados como Pará e Goiás, com mais tradição no futebol estejam fora da Copa do Mundo FIFA 2014 em detrimento de Amazonas e Mato Grosso (neste caso, como o Rei da Soja, ex-governador Blairo Maggi é base do governo, senador pelo PR do MT, tudo pôde e conseguiu).

Além disso, e ainda mais grave, é pensar que para um evento que precisa de oito estádios e vão construir doze (!) ninguém tenha pensado em aproveitar quatro ou cinco deles para sediar a Copa América que será no ano seguinte.

QUEM ESCREVE:

Anderson Santos é jornalista e mestrando em comunicação social na Unisinos ([email protected]), Dijair Brilhantes ([email protected]) é estudante de jornalismo & Bruno Lima Rocha ([email protected]) é editor do portal Estratégia & Análise (www.estrategiaeanalise.com.br).

Twitter da coluna: @alem_das4linhas

 

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