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Il Trillo de Francisco – por Pylla Kroth

O talzinho foi citado cinco vezes na Bíblia: – nas tentações de Eva, Jó e Cristo e no Apocalipse. Mas qual seria sua cara? Porque a associação do dito cujo com coisas do mal (ruins?). Isso me intriga. Seria apenas assombrações apregoadas pelo cristianismo? Sim, porque a barbicha e pele escura dizem que foi herdada dos árabes e muçulmanos, afinal eles foram inimigos dos cristãos durante as cruzadas pela conquista da terra santa, não foi? Mas a cara feia, incrivelmente, veio do Deus Egípcio Bes, que tinha uma carranca assustadora para afugentar espíritos do mal. Até hoje, tudo o que consideram do mal é associado ao diabo. Mas uma frase é certa: “O homem fez de Deus e o Diabo a sua imagem e semelhança”.

Existem fantasias clássicas na música acerca do que estou falando. Falemos de um dos mais míticos folclores envolvendo o tema. Reza a lenda que Robert Johnson, cantor e violonista norte-americano,que até os dias atuais é uma das principais referências para a padronização do formato de doze compassos para o blues, foi envenenado por um coquetel fatal de uísque e estricnina preparado pelo dono de um bar em que ele tocava. Um marido ciumento que não aceitou as trocas de olhares entre o músico e sua patroa. Envenenado, Roberto agonizou por três dias e três noites, até finalmente bater as botas. Há quem conte outras versões acerca de sua morte, pois no certificado de óbito do músico está escrito apenas “No Doctor”. Outra versão muito difundida sugere que Johnson vendeu a alma ao Diabo numa encruzilhada. Com isso, ficara dotado de uma proeza inigualável ao tocar seu violão. E assim nasceu a lenda. Como num sonho ébrio, surge o diabo a surrupiar seu violão, e só o devolve depois de afiná-lo numa escala desenhada especialmente por ele. E foi assim, quando Robert retornou ao convívio dos seus, deixou de ser um músico medíocre, para ganhar status de ás das seis cordas. Em vida gravou apenas 29 canções, temas que hoje são tão imortais quanto a própria lenda que ajudou a construir em letras como “Crossroads Blues”. O mito ainda explica detalhes sobre ele ter saído desesperadamente do bar na noite do envenenamento, sendo perseguido por cães pretos e encontrado com marcas de mordidas, cortes em forma de cruz no rosto e seu violão estirado ao lado de um pobre homem agonizante. Dizem que morreu de olhos abertos e uma expressão tranqüila no rosto. O blues e o rock não sobrevivem sem lendas, tampouco a humanidade.

Eu me lembro destas lendas, assim como também de “causos” contados ao redor dos fogos de chão e em volta do fogão a lenha quando era menino,todos em silêncio de olhos arregalados, ouvindo os relatos de Lobisomem , que seria um humano que virava uma espécie de capeta em noites de lua cheia. E sempre fazendo as associações imaginativas. Eu particularmente nunca vi o tal cramunhão ou os ditos nos causos. Mas…

Na última quarta feira fui convidado a ir ao Theatro Treze de Maio ouvir o artista e violinista ‘prata da casa’ Francisco Cóser. Muito jovem, com apenas sete anos começou estudar violino, cursou bacharelado na Roosevelt University em Chicago e mestrado na Royal Academy of Music de Londres. Retornou ao nosso convívio na companhia do pianista João Tavares Filho, músico nascido em Quaraí e que atualmente cursa piano em um dos melhores conservatórios do mundo, o Santa Cecilia, em Roma, onde ambos vivem hoje. “World Sonata”era o nome do recital.

Esse menino, o Chico, como carinhosamente o chamo, tive o prazer de pegar no colo quando criança, além de compartilhar com o menino os primeiros passos na música. Graças a Deus ele se formou erudito, pois quando garoto me veio com o papo de “como fazer pra formar uma banda de rock?”Rsrsr. Entro no recinto,todo cheio de emoção, pois certo que iria me entregar ao ver o menino, agora homem, artista no palco. Acomodo-me, e a tempo de dar uma meditada, pois todo recital desse naipe requer certa preparação para o ritual. Na entrada me entregaram o roteiro do espetáculo, mas como não sigo as regras, dobrei e coloquei no bolso.

Toca o sinal, o espetáculo vai começar e eu num baita cochilo. Abro os olhos e lá está o garoto com seu violino junto com seu comparsa do piano. Fecho os olhos novamente e começo me emocionar nos primeiros segundos da execução da primeira peça musical. A música foi entrando nos meus ouvidos e invadindo meu corpo de um modo infernal (gostoso) que há muito não sentia; parecia uma gangorra de emoções onde o bom e o ruim misturasse-se em sucessivas explosões sentimentais. É como se estivesse possuído, ao ponto de quando acabou a execução quase não consegui abrir meus olhos, tamanho foi a despacho recebido. E como tudo que dá barato ao natural eu gosto, tentei nos próximos atos repetir o ritual de fechar os olhos e deixar a música entrar em mim e simplesmente agir, mas foi em vão… Sensação como a primeira jamais.

Ao acabar o espetáculo, me retiro do teatro ainda meio possuído, saio caminhando meio atordoado parecendo estar na companhia de alguém, “sim porque até falar sozinho falei!”, desço a ladeira até minha casa e entro na porta do prédio. Os sensores ligam as luzes. De frente ao elevador, me olho no espelho e retorno ao estado normal. Entro em casa, minha mulher me pede que desça até o bar que fica no térreo comprar cigarro. Desço e o porteiro do bar me pergunta: “quem era aquele louco feio que vinha atrás de ti agora pouco quando chegaste em casa? Parecia o Capeta!”, fiquei intrigado e respondi “sei lá de quem estás falando!”

Volto pra casa e vou dormir. Engraçado que não fiquei matutando muito pra pegar no sono, pois neste mês de agosto meu sono não esta regulado, seguidamente me acordo no meio da noite sem sono. Foi um sono só. Uma tranqüilidade ímpar.

Pela manhã em paz, após um sono reparador,vou tomar meu café e retiro do bolso o roteiro do recital da noite passada e começo ler sobre obra que me assombrara. Ali estava escrito:“Sonata para violino em sol menor de Tartini,G. (1875-1962), chamada “Trinado do Diabo”. A sonata conta que numa noite o autor sonhou que tinha feito um pacto com o diabo em troca de sua alma. Entregou seu violino para ele e teve uma surpresa ao ouvir uma sonata tão bonita, sendo tocada com tanta maestria e inteligência adivinha por quem? Claro, pelo diabo! Que ao acordar imediatamente pegou o violino, na esperança de lembrar alguma coisa do que tinha acabado de ouvir, mas foi em vão. Mas a peça que ele compôs é sem duvida a melhor obra sua, e ele chamava de “A Sonata do Diabo”, mas, segundo ele, não chega nem aos pés daquela que o diabo executou em seu sonho.

Tenho pra mim que, nesta noite que estive no teatro não foi o Francisco Cóser que executou. Foi o diabo e na versão do sonho!Foi Bravo! Bravíssimo!

Indescritível! E de quebra saiu comigo e me fez companhia até minha casa, eu senti e até falei com ele, mas o porteiro do bar viu o espectro em carne e osso na minha parceria! Não teve pacto, acho, porque ele sabe que sou ruim de brique! Pois o diabo pode até ser o pai do rock, mas asseguro que não sou seu filho.
Quero envelhecer pra contar sobre esta noite de agosto de lua minguante ao pé do fogo para os meus herdeiros, como faziam meus antepassados. E digo mais: Francisco Cóser é sem dúvida um desses talentos eruditos que aparecem a cada cem ou duzentos anos. Que noite amigos, que noite!

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