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O fim de cada um – por Bianca Zasso

Eu tinha muito medo de morrer quando era mais jovem. Acho que esse temor era fruto da minha vida no interior, tão sem graça e insatisfatória, que eu queria ver mudar de figura. Eu tinha medo de morrer antes de viver de verdade. Hoje, encaro numa boa o fato de que, uma hora dessas, pode ser amanhã ou daqui a 50 anos, eu vou partir.

Vários filmes que tratam da finitude da vida já passaram diante dos meus olhos e só aumentaram ainda mais a minha coragem diante da certeza que todos temos desde o dia que nascemos. Mas poucos tiveram o impacto de O filho da noiva.

A produção argentina dirigida pelo premiado Juan José Campanella nos apresenta os dias confusos e atarefados de Rafael, que comanda o restaurante que um dia pertenceu aos seus pais. Entre um pedido de queijos e as queixas dos empregados, ele ainda precisa lidar com a filha, a ex-mulher e a namorada. Mas a mulher mais importante de sua vida não está a par do turbilhão que rege os dias do protagonista.

Sua mãe, Norma, interpretada com a maestria de sempre da atriz Norma Aleandro, sofre de Mal de Alzheimer e vive em uma clínica. As crises de demência são constantes, ela quase não reconhece o filho e o marido e seu olhar parece eternamente perdido. Uma visão triste, mas que será o sol no momento mais sombrio de seu filho. Após sofrer um infarto, Rafael vai mudar suas atitudes e buscar novos rumos. E entre suas metas está realizar o sonho da mãe de casar-se na igreja. Mas onde andará esse sonho na mente adoentada de Norma? Em O filho da noiva, isto pouco importa.

Campanella, sempre afetuoso com suas tramas e personagens, constrói uma história onde a cura do Alzheimer, a crise do restaurante e a falta de afeto de Rafael são apenas detalhes. O que vale mesmo é construir a trama de redenção de um homem que erra, mas também é capaz de perdoar, sem culpa. A fotografia realista, com a cidade de Buenos Aires mostrada com intimidade, bem diferente dos vídeos turísticos usado em alguns filmes, torna tudo mais fraterno e convida o público a fazer parte daquela família imperfeita, que nos faz olhar para a nossa própria família imperfeita com carinho.

Afinal, que graça teria se todo mundo se amasse loucamente? Nenhuma. O ser humano só evolui porque existem as brigas, as diferenças, os ataques e as choradeiras. Campanella mostra isso sem dó ou excesso de poesia. É vida, e só. O diretor em nenhum momento demonstra pena de seus personagens. Apenas os segue em cada passo errante. Só por isso, já merece ser visto.

O filho da noiva, com sua linda cena final, é um filme sobre como podemos encarar a vida. Um acidente de carro pode ser o fim de uns e o recomeço de outros. Tudo é uma questão de se admirar, parar para cuidar do que acontece dentro de cada um de nós. Quase sempre, é um susto que nós faz ter este olhar.

Talvez tenha sido um susto que me fez perder o medo da morte. Não foi certeiro, pois eu ainda tenho medo do Alzheimer. Sem problemas. Não perdendo o medo da vida e seus defeitos, já me dou por vencedora.

O filho da noiva (El hijo de la novia)

Ano: 2001

Direção: Juan José Campanella

Disponível em DVD

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