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Afinal, vai ter Copa? – por Atílio Alencar

Não deve mais ser novidade para ninguém a existência do bordão “Não vai ter Copa” (comumente antecedido do símbolo gráfico do antífen, evidenciando seu principal meio de propagação: as redes sociais na Internet). As manifestações de insatisfação com o megaevento, cujo anúncio oficializando o Brasil como sede da próxima edição aconteceu em 2007, ganham a cada dia mais repercussão, à medida que o período do torneio se aproxima (a Copa do Mundo da FIFA será disputada em várias capitais brasileiras, de 12 de junho à 13 de julho de 2014). Há quem conteste a contestação, também: afinal, se o torneio está agendado há tantos anos, e encontra-se em sua reta final de pré-produção – com todo o montante de investimentos já comprometido nas obras de estádios e adaptações urbanísticas -, de que adiantaria agora erguer a voz contra a Copa?

Bom, existem argumentos incisivos de ambos os lados – caso pudéssemos abordar o tema desde uma simples dualidade.

Do lado de quem vê vantagens luminosas no fato do Brasil receber um evento de tal porte, os elementos positivos são apresentados como justificativas suficientes para qualquer eventual problema decorrente da situação. Afinal, depois dos inegáveis avanços sociais e econômicos nas gestões recentes do país, receber a Copa do Mundo seria também coroar definitivamente a chegada do Brasil do futuro, do país apaixonado por futebol e finalmente inserido no panteão das nações ascendentes e em franco desenvolvimento. Uma oportunidade de ouro para mostrar ao mundo que já não somos o país das peladas em campo de chão batido, mas sim dos estádios suntuosos, com estrutura para acolher turistas e satisfazer-lhes as mais sofisticadas exigências.

Há inclusive lapsos de nostalgia ufanista, em que alguns defensores dessa perspectiva – em geral, simpatizantes ou mesmo militantes dos partidos que compõem o governo federal – se apressam em denunciar qualquer crítica ao espetáculo da Copa como ‘traição’. Há também a constante desconfiança de sabotagem política, ou articulação subterrânea de grupos mais à esquerda ou mais à direita do governo.

Claro que não deveríamos ser ingênuos em relação às inúmeras possibilidades de capitalização política, num ano de eleições presidenciais e para governadores das unidades federativas: há espaço de sobra para que adversários eleitorais se apropriem, cada um a seu modo, de pautas sociais bastante sérias, convertendo-as em trunfos nas urnas.

É igualmente óbvio que partidos de oposição, mesmo que completamente desconectados das principais reivindicações manifestadas nos protestos contra a Copa, não perderão a oportunidade de fazer coro ao grito dos descontentes, indiferentes a qualquer contradição política implicada nessa adesão oportunista.

Mas isso, como diriam os que afirmam a necessidade de tecer e desfazer alianças como quem troca de roupa para garantir a governabilidade, ‘é do jogo’. Afinal, se moralmente condenável e politicamente desonesta, a aproximação partidária com movimentos sociais – muitas vezes com a intenção única de neutralizá-los ou domesticá-los – não chega a ser uma novidade na dinâmica eleitoral. Um partido precisa disputar eleições e vencê-las em algum âmbito, para que possa concretizar seus projetos. Só assim pode satisfazer seus objetivos, muito embora para tanto nem sempre sejam empregados os meios mais transparentes.

Já do outro lado, o do contraponto à Copa do Mundo, os argumentos utilizados não parecem nada desprezíveis. E pelo menos do ponto de vista dos Comitês Populares que desde há anos vem se preparando para resistir aos ‘efeitos colaterais’ do megaevento, não há nada de conservador ou artificial em denunciar as sistemáticas violações de direitos humanos que vem antecedendo a ocorrência do torneio.

São centenas de milhares de pessoas removidas ou simplesmente despejadas de suas casas, alterações na mobilidade urbana das cidades-sede determinadas pela especulação comercial e imobiliária, gastos públicos imensos e não previstos quando do anúncio da realização da Copa em terras brasileiras, e como legado inútil de um dinheiro desperdiçado, estádios gigantescos cravados em lugares sem nenhuma tradição em reunir grandes públicos (realidade em pelo menos quatro das capitais que sediarão o evento).

Tudo isso a soldo do interesse milionário da FIFA e de seus beneficiários diretos, e sem comprovação substancial de alguma vantagem a longo prazo para a população brasileira.

Ou seja: uma leitura lúcida do bordão ‘Não vai ter Copa’ talvez aponte não para o impedimento da realização do torneio – um risco pouco provável, se levarmos em conta o aparato policial já anunciado para evitar ‘inconvenientes’ durante o período dos jogos -, mas sim, para a quebra de um falso consenso em torno do espetáculo. A denúncia dos prejuízos sociais resultantes da decisão de sediar um evento nos termos vigentes dividirá os brados de comemoração ou lamento das torcidas.

E isso, nenhum receio de cunho eleitoral poderá evitar.

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Um Comentário

  1. Primeiro a hipérbole: centenas de milhares de pessoas removidas. Menos, bem menos.
    Depois uma impressão: na época das peladas em campos de chão batido surgiram inúmeros jogadores que eram melhores tecnicamente e mais profissionais dos que atuam hoje.
    Depois as promessas não cumpridas. Dinheiro público não seria usado na construção dos estádios, era um evento privado. Obras necessárias seriam feitas só por causa da copa (paradoxo).
    Interesse da FIFA? Foi o governo brasileiro que se candidatou. E sem consultar a população ainda por cima. Não fosse a candidatura, o evento sairia em outro lugar. A esquerda gosta de achar teorias da conspiração e terceiros culpados. A copa veio para o Brasil porque o governo brasileiro pediu. As condições eram conhecidas. Se o Brasil é um mar de corrupção e uma esculhambação, a culpa é dos brasileiros, de mais ninguém.
    Política pública e pauta social não têm dono. Se o DEM assumir o governo depois de amanhã e resolver dobrar o orçamento do Bolsa Família, o da saúde e da educação, não pode? Os problemas só podem terminar pelas mãos dos iluminados?
    Por fim, as vantagens da realização do evento. Muito provavelmente não irão se materializar. Mas o pouco que acontecer vai ser ampliado pelo marketing.

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