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O olho por olho só gera cegueira – por Atílio Alencar

Há um certo clima de revanchismo saltando aos olhos nas manchetes dos jornais e noticiários, e de forma ainda mais explícita, nos comentários de notícias sobre violência urbana em blogs e sites. Um padrão medieval de acerto de contas está se impondo, canalizado pelas mentes mais obtusas, como a resposta ideal aos graves problemas de segurança que assolam, há muito, o país.

E como em cem por cento dessas ondas que defendem a justiça pelas próprias mãos, esconde-se o perigo real do ato sanguinário justificado por motivos particulares, pelo impulso de reação e pela noção subjetiva – mas com efeitos bastante concretos – do que seria ‘o certo e o errado’.

Vejamos o caso da apresentadora de um telejornal que, desrespeitando abertamente o código de ética do jornalismo (pasmem, existe um!), defendeu em rede nacional como necessária a reação de um grupo de civis na zona sul do Rio, cuja ideia de punição para um suposto assaltante consistiu em espancar e amarrar um menino negro a um poste – não sem antes arrancar-lhe uma orelha.

Fotografado nessa situação humilhante, que remete ao pior da nossa história, o menino com tarja preta sobre os olhos ilustrou um debate em que argumentos de profundidade duvidosa recomendavam que os defensores dos Direitos Humanos levassem para casa a vítima de agressão (em Santa Maria, guardadas as diferenças, vivemos um episódio que suscitou um debate também marcado pelo extremismo: a prisão do engraxate Bozó, na semana passada). Numa estranha inversão de papeis, ou pelo menos numa relativização bastante parcial, os justiceiros estavam excluídos de qualquer estigma ou condenação, por parte dos que se dizem ‘cidadãos de bem’.

Pois não sabem esses bondosos cidadãos, mas deveriam saber, que ao incitar o ódio também estão ferindo a lei que dizem querer garantir.

Ora, o respaldo à violência de um editorial da grande mídia – isso para ficar apenas no exemplo mais extremo – obedece, não sejamos ingênuos, uma lógica bastante condicionada pela aceitação pública, ao mesmo tempo que busca incidir sobre o imaginário coletivo. E é assustador constatar que nosso passado recente, marcado por um período obscuro em que o próprio Estado cumpria as vezes de terrorista, promovendo sequestros e estabelecendo a tortura, a extorsão e o desaparecimento de pessoas como procedimentos de rotina, não seja um exemplo suficientemente didático para evitarmos qualquer retorno à lógica da barbárie.

É preciso lembrar que a ditadura militar que se impôs ao Brasil também contava com o apoio de uma significativa parcela da população, que foi seduzida por um discurso que vendia o regime totalitário como única solução para um medo inventado pelos próprios artífices do golpe. Delatar alguém como subversivo, fazer desse alguém um bandido, passou a ser um gesto estimulado pelos militares e utilizado para vingar desafetos pessoais, fazendo de cada delator um justiceiro movido pelo ressentimento.

Dois bons exemplos de nações que exorcizam seus fantasmas de forma a evitar a reincidência dos horrores passados são a Argentina e a Alemanha. Nos dois países, a população é a fiscal mais severa dos surtos fascistas, cobrando a transparência dos arquivos e a condenação (ainda que tardia) dos assassinos responsáveis por uma das mais crueis ditaduras sul-americanas e combatendo, no caso alemão, qualquer vestígio do nazismo.

(A Constituição Alemã não proíbe a existência do Partido Neonazista, por entender que a orientação ideológica de um partido não basta para proibi-lo. Mas os resultados alcançados na urnas por esse grupo é inexpressivo, e ativistas organizados constrangem qualquer tentativa de manifestação pública dos neonazis, inviabilizando suas marchas já no ponto de partida)

Já no Brasil, os índices de violência nas médias e grandes cidades, a corrupção corporativa, as más condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores da segurança pública e a própria configuração das instituições (a ONU recomendou ao Brasil em 2012 a desmilitarização da PM, baseada em estudos sobre execuções extrajudiciais), somados às condições precárias de existência de milhões de pessoas e ao fracasso do sistema penitenciário em reabilitar cidadãos, tem gerado opiniões que veem como antídoto para a violência o acirramento da própria violência.

Difícil encontrar uma lógica no discurso de quem acha que milícias patrocinadas por interesses privados e punições baseadas no olho por olho sejam soluções plausíveis para os problemas de segurança pública. Mais justo seria lutar pela reforma e qualificação das instituições, ao invés de pregar a supressão das mesmas. Se todo mundo resolver ser polícia, estamos condenados a ser todos bandidos.

E se bandido bom é bandido morto, o resto da história é fácil de adivinhar.

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3 Comentários

  1. Bom….. Vou dar minha opinião….. O ato do tenente pernambucano, para mim, foi LEGÍTIMA DEFESA!! Reagir a um assalto e alvejar bandido, na minha opinião continua sendo Legítima Defesa!
    O fato da maioria das pessoas achar que bandido bom é bandido morto, só traz a tona toda a insatisfação com a segurança pública do estado….
    Textos simpáticos a não reação, a vitimização do bandido e coisas do gênero não me comovem e realmente os acho perigosos…… ESTAMOS EM GUERRA ONDE SÓ UM DOS LADOS ESTÁ ARMADO, e esse lado não é o do cidadão de bem, que há 10 anos perdeu o seu direito a legitima defesa, com o nefasto estatuto do desarmamento…… estamos absolutamente dependentes do estado (seja ele em qual esfera for), no que se refere a preservação do bem mais precioso que temos que é a nossa VIDA e de nossos familiares.
    “MORREU PORQUE REAGIU”, ” FOI ASSALTADO PORQUE GOSTA DE USAR COISAS CARAS”, ” FOI ESTUPRADA POR USAVA ROUPAS CURTAS” são frases que escutamos toda hora que colocam a culpa do ato criminoso na vítima e não no criminoso de fato!!!!
    Olho por olho, dente por dente, é o início de uma reação ainda desarmada, da maioria, contra uma minoria que não respeita lei alguma…… Isso nos torna criminosos??? Possivelmente sim, mas se o estado é omisso e as leis beneficiam o criminoso, o que fazer? Assistir passivo a todos os abusos, que quem não cumpre leis está disposto nos fazer passar?
    Não quero influenciar ninguém, pois é só uma opinião individual e que não representa grupo algum…….. Só só eu mesmo……
    Não posso andar armado para me defender, mas se pudesse o faria……Se tivesse oportunidade reagiria……. Sou vitima desarmada na rua…. na rua, pois na minha casa tenho armas devidamente registradas no órgão “competente” e estou disposto a defender minha vida, a da minha família e meu patrimônio!!!
    Respeito quem pensa diferente………. mas a solução que me vem como a mais factível e imediata para o caos na nossa segurança pública é o confronto direto e lamentavelmente o numero de mortes deve aumentar antes que possa baixar, pois bandido SÓ RESPEITA quem pode combatê-los de igual para igual………CIDADÃO DE BEM ARMADO E POLÍCIA EM NÚMERO SUFICIENTE E BEM PAGA.!!!!!!

  2. Bueno, o medo que havia na década de 60 não era imaginário. O contexto era o da guerra fria. Julgar acontecimentos passados como os valores atuais e dispondo de informações que nem todos possuíam na época é no mínimo discutível.
    A sensação de impunidade está fazendo crescer os casos de autotutela. Thomas Hobbes ri em algum lugar do universo.
    O mais grave: a opinião da jornalista (certa ou errada) vem tendo maior destaque o caso do rapaz agredido. Pior: ocorreu uma execução de um suposto criminoso e passou quase despercebida pela mídia/população.
    Incitar ao ódio é violar a lei. Se todos podem e nada acontece porque alguém iria ligar para isto?
    Em tempo: art. 286, incitar ao crime. Detenção de três a seis meses ou multa. Apologia ao crime, idem.

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