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O fim do “Impedimento” e o jornalismo orgânico – por Leonardo Foletto

Eu ia desenvolver aqui um comentário, postado brevemente no Facebook semanas atrás, sobre boas novas pro jornalismo brasileiro. Falaria do cenário otimista de expansão de iniciativas “independentes” dos grandes grupos de mídia (Globo, Folha, Estadão, RBS, etc), e de como a a crise do modelo industrial de informação poderia gerar uma “Idade de Ouro” no jornalismo, como acredita, por exemplo, o Bruno Torturra, ex-editor da TRIP, um dos idealizadores da Mídia Ninja e ele mesmo, hoje, tocando um projeto independente de jornalismo, oEstúdio Fluxo.

Mas logo que comecei a escrever, uma notícia quis que eu desviasse o tom do texto, não o assunto. A notícia é esta, publicada hoje, 22 de julho de 2014: “O braço fraqueja as vezes: o Impedimento acabou. É um título autoexplicativo, que põe fim a uma das iniciativas mais interessantes – e “independentes” – de jornalismo esportivo brasileiro, 9 anos de muita criatividade, chiste, futebol e cultura sul-americana. Como manter o tom otimista, de cenário promissor, de explosão do jornalismo – da mídia de massas à massa de mídias, como diz o jornalista e professor francês Ignácio Ramonet em seu último livro– se uma dessas iniciativas que exemplificava esta possibilidade de Idade do Ouro acaba de se ir?

Pra quem não conhece o Impedimento, ainda há tempo: apesar do anúncio do fim, eles vão continuar com o site, mais como arquivo do que com atualizações, e com comentários esparsos nas redes sociais (Twitter e Facebook).  É (era) um tipo de jornalismo feito fora dos esquemas industriais das grandes redações, em que a objetividade requerida pela produção industrial de notícias tira o sentimento do jornalista – ou o coloca em um espaço cercado, as colunas, onde a subjetividade pode até reinar, mas em esquema industrial, talhado para polemizar e norteado para ganhar leitores (ou ambos). O Impedimento misturava tudo, informação, opinião e análise, no mesmo espaço nobre de uma reportagem, e fazia com a competência e a sinceridade que talvez só seja possível nesse tipo de jornalismo pós-industrial, em que a pressão do imediato perde espaço para o necessário, em que o “tem que dar antes” não raro vira “tem que dar diferente”.

E o “diferente”, no caso do Impedimento, se tornava o detalhe, aquela história “pequena” que escapa do jornalismo esportivo tradicional porque este está quase sempre mirando para as grandes causas e personagens. Detalhes que poderiam ser “causos”, como estaentrevista com o figura Perdigão, campeão mundial com o Inter em 2006; desmentidos,como este de que Obdulio Varela, o capitão  uruguaio da copa de 1950, era brasileiro, tema que, aliás, seria noticiado dias depois pela imprensa tradicional; análises sinceras e efetivas sobre futebol,como este texto sobre o 7X1 tomado pelo Brasil na última copa; entre outras muitos “diferentes”, tantos quanto eu quiser inventar para usar como desculpa encher de links para textos do Impedimento aqui. Isso pra não falar das coberturas dos jogos viaTwitter, em que as postagens feitas no calor da hora substituem, em conhecimento e diversão, qualquer comentarista de televisão (talvez PVC e Calçade, da ESPN, se equiparem).

Muito do tipo de jornalismo feito no Impedimento só acontecia devido à natureza não industrial do site, que apesar da boa audiência, não sustentava exclusivamente nenhum dos jornalistas que o editavam. Sem os compromissos de audiência com anunciantes que o jornalismo dito tradicional tem fica mais fácil fazer diferente, é a conclusão óbvia de se tirar, o que me remete à questão que eu queria abordar no início desse texto, quando fui atropelado pela notícia do fim do Impedimento: a pluralidade de canais de informação que temos hoje. Notoriamente, é um ganho incalculável ter diversas opções para se informar, ainda mais se comparado com menos de 20 anos atrás, quando o que dava no Jornal Nacional era “verdade” inquestionável. Quanto mais veículos, mais autonomia pra cada um na hora de buscar e fazer a sua seleção rotineira de informação, certo?

Mas e como fazer com que estas iniciativas perdurem e possam, de fato, disputar a audiência de grande parte das pessoas que se informa pelas mídias tradicionais? O jornalismo moderno é fruto do alvorecer capitalista do século XIX, e seus “patronos” foram, principalmente, os partidos, naquela época (século XIX) em que tudo era jornalismo opinativo ligado à política; e à publicidade, notadamente do século XX até hoje, em que a objetividade serviu como garantia de uma suposta neutralidade necessária para manter o esquema industrial de produção de notícias.

Hoje sabemos que o mundo é outro, que o jornalista não está mais sozinho na produção de informação como em outros tempos. Muitas pessoas com o mínimo de acesso à internet podem cometer “atos de jornalismo” ao noticiar para milhares de pessoas em uma rede social, por exemplo, que um acidente de carro ocorreu em frente a sua casa. Neste cenário, como “premiar”, que seja com a continuidade, as melhores iniciativas de pessoas que trazem informações importantes para a nossa vida cotidiana? Como sustentar e qualificar uma quantidade grande de produtores de informação para bancar uma “dieta saudável” de informação, não dependente apenas de notícias “industrializadas” e, não raro, carregadas de quantidades tóxicas de interesses disfarçados? Como promover a continuidade de um jornalismo mais “orgânico”, que seja um pouco mais transparente em seus interesses, um pingo mais sincero em sua forma de comunicar e que consiga, ainda assim, ir atrás de histórias interessantes e importantes para a nossa vivência diária?

Talvez devêssemos olhar para a produção da agricultura orgânica e/ou familiar: pequenos produtores, menos fertilizantes, produção e consumo local, “ecologicamente” (psicologicamente?) sustentável. Ou, então, assumirmos que essas iniciativas são, por enquanto, efêmeras, rotativas, e transformadoras dessa forma, no processo, no “foi bom enquanto durou”, como é o caso do Impedimento.

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