A vila da criação – Bianca Zasso
O que significa um bebê? Uma casa maior, pilhas de pacotes de fraldas, economias modificadas. A chegada de um novo integrante em uma família sempre acaba caindo na questão financeira. Muitos futuros pais conferem o extrato antes de encomendarem um herdeiro. Fato: criança é gasto.
Mas será que estamos certos ao colocarmos nosso foco na carteira quando nos tornamos pais e mães? A diretora Estela Renner fez um documentário que aponta para outro caminho. O começo da vida, lançado no mês passado nos cinemas e também na plataforma Netflix, é um tratado sobre o amor. Não o amor que as vitrines estão querendo vender nesta semana dos namorados. Estamos falando de amor mesmo, aquele complexo, que nos impõe desafios e provoca os sorrisos que vamos lembrar até nosso último dia.
O filme de Renner reuniu depoimentos de médicos, assistentes sociais, pesquisadores e, é claro, de pais e filhos. Todos misturados, sem hierarquia de opiniões. Uma escolha que mostra que temos a mesma importância na tarefa de formar o futuro. Mais que um par de olhinhos curiosos acompanhado de bochechas rosadas, uma criança é um cidadão. Lá na frente, vai votar, tomar decisões, construir a sociedade.
O começo da vida apresenta conselhos que muitos pais nunca esperam ouvir. A importância do diálogo, a indiferença quanto a quem fica destinado o papel de lavar mamadeiras, o carinho e a presença acima de qualquer brinquedo e vitamina. Observamos famílias de todos os tipos, numerosas ou em forma de dupla, em casas confortáveis e também dividindo um único colchão. É material humano.
Não é a ciência que possui a fórmula para criar bem os filhos. Somos nós que fazemos a experiência. Ao lado de mensagens cheias de esperanças sobre a humanidade que está surgindo, O começo da vida não esquece o outro prato da balança. A fala da garota indiana, que cuida sozinha dos dois irmãos menores numa casa improvisada em meio a vários prédios em construção, abala até o mais forte dos corações: “eu não tenho sonhos”.
O começo da vida segue o modelo tradicional de documentário. Não espere algo do estilo Eduardo Coutinho ou João Moreira Salles. Isto não é um comentário negativo. O filme não precisa de arroubos poéticos, pois sua poesia está nas mãozinhas frágeis que permeiam toda a projeção. Elas desmontam e remontam blocos de plástico, acariciam rostos, remexem a terra, viram objeto de observação atenta. Crianças sendo crianças. Parece óbvio, mas há lugares onde isso é artigo raro. Seja no centro de São Paulo ou numa pequena comunidade africana, crianças precisam dos mesmos ingredientes para gerarem a receita certa.
A letra da canção que encerra o documentário fala que uma vila é necessária para criar uma criança. Um resumo do conceito de comunidade que precisa fazer parte dos nossos dias, ainda mais diante da árdua tarefa de ajudarmos um novo homem e uma nova mulher a alcançarem os degraus que levam a complicada mas necessária vida adulta. Não que ser criança seja moleza, passa longe disso. Descobrir o mundo é um susto atrás do outro. Depois de O começo da vida, você vai lembrar disso sempre e nunca mais irá olhar para um bebê do mesmo jeito.
O começo da vida
Direção: Estela Renner
Ano: 2016
Em cartaz nos cinemas e na plataforma Netflix
A menina indiana realmente foi muito forte. Fiquei com a boca seca até o fim do documentário. Que dor.