Caminho Livre

Um emprego. E o outro emprego – por Bianca Pereira, de Chandigarh, Índia

No segundo emprego, dois meses após a chegada à Índia, interação com os colegas de trabalho existe. Como se vê na foto, publicada tempos atrás, em que trabalhavam juntos para preparar a festa do Diwali, contada aqui mesmo
No segundo emprego, dois meses após a chegada à Índia, interação com os colegas de trabalho existe. Como se vê na foto, publicada tempos atrás, em que trabalhavam juntos para preparar a festa do Diwali, contada aqui mesmo

Minha vinda para a Índia, apesar de bem planejada, foi impulsiva. Eu explico! A Índia nunca foi um país na minha lista de “preciso visitar”. Na verdade, nenhum país da Ásia me chama atenção no quesito de moradia, mesmo que temporária. Uma visita rápida para conhecer os templos, prédios e locais que li nos livros de história? Claro! Mas morar um ano? Nem pensar!

Passei quase um ano pesquisando vagas no sistema da Aiesec, fazendo entrevistas, algumas vezes até passando nas entrevistas, para no fim achar alguma desculpa para não ir.

A vaga na Índia veio na hora perfeita. Tinha decidido que na próxima eu iria de qualquer jeito. Precisava sair, viajar, conhecer outras coisas, outras pessoas e precisava de distância. Após alguns meses, achei a vaga num clube da Índia, um ano como Relações Públicas de uma boate, ou seja, um ano fazendo festa. Vaga perfeita para quem sempre gostou de sair.

Na descrição falava em organização de festas, social media e contato com clientes e imprensa. Nada além do que eu já havia feito e que sabia como fazer. A cidade não parecia suja, descrições falavam em uma mentalidade mais ocidental, o trabalho e o lugar pareciam legais e, nas primeiras conversas, o chefe parecia confiável.

Claro que ao chegar sozinha em um lugar sem conhecer ninguém e nem a cultura nada é tão simples. O trabalho era basicamente o mínimo das redes sociais e muito contato com o público. Nada de imprensa, de grandes festas e muito de tentativas de convencer meninas bonitas de ir no clube.

Meu trabalho era ignorar todo e qualquer homem, até meus amigos estrangeiros, e falar apenas com as meninas. As bonitas, claro. Era fingir ser amiga delas e convencê-las a voltar. Quem me conhece sabe que esse tipo de coisa não é muito minha praia, mas tentei. Porém, em um mês e meio percebi que não era para eu ficar lá.

Uma importância para com a aparência imensa era mais que obrigação no trabalho, no estilo patricinhas de Bervely Hills versão 2016 (nem um pouco eu). Na entrevista perguntaram de tatuagens; falei que tinha. Quando chego aqui uma das grandes discussões são exatamente elas e como uma menina bonita não deve ter nada deste estilo. Discussões de como eu deveria mudar completamente quem eu sou, para me encaixar num padrão perfeito indiano, que quase ninguém segue aqui, eram constantes.

Minhas habilidades em organização de festas, eventos ou em social media nunca foram usados, apenas as minhas habilidades em me vestir como uma menininha, ser falsa, beber sem ficar bêbada e dançar uma noite inteira.

Vamos dizer que o trabalho não era o que eu pensava, tentei me acostumar, conversei com o chefe sobre como fazer dar certo, mas vários motivos me fizeram querer sair, me fizeram me sentir desconfortável no lugar e como se não estivesse segura. O horário não me incomodava, originalmente seria das 16 horas até a meia noite, porém sempre saia de lá entre 4 ou 6 horas da manhã; mais de 12 horas de trabalho. Tudo porque o chefe queria conversar e segundo ele, a relação entre o chefe e a RP deveria ser muito próxima”.

A cultura indiana tem muito de possessividade, principalmente com as mulheres, é quase uma necessidade dizer “é meu”. Mas isso vira um problema quando é o chefe agindo assim e até nos teus horários livres ele quer saber por onde tu anda, com quem e por quê.

Saída com os outros internacionais ou as minhas colegas de apartamento? Apenas segunda (meu dia de folga, mas passado com o chefe ligando de hora em hora) ou nos dias que eles iam para o clube passar tempo comigo, e mesmo assim sob os olhares cuidadosos do chefe.

Tudo é manipulado e feito de uma forma para saber cada passo teu e de todo e qualquer funcionário do lugar.  Vamos dizer que ficou insuportável e desconfortável de trabalhar lá.

Pedi para sair, avisei a Aiesec e fui procurar outra vaga para ficar aqui. Achei uma depois de duas semanas e recomecei a trabalhar. Bom, o trabalho novo é de produtora de conteúdo, escrevo e leio o tempo inteiro, tenho horários normais para trabalhar e consigo passar o maior tempo possível com o pessoal na mesma situação que eu.

No antigo trabalho eu era a única mulher e era basicamente proibida de fazer amizades até com a equipe. Aqui, a chefe é mulher, minha coordenadora também e temos liberdade de conversar sem repressão.

Nem tudo o que parece é, e as vezes temos que passar por algumas situações para nos tornarmos mais fortes e aprendermos a nos virar sozinhas. Certamente aprendi muito com essa situação e me sinto orgulhosa da forma que lidei com ela.

Claro que sem ter certas pessoas por perto eu teria entrado em pânico e voltado para casa sem pensar duas vezes. Mas, por mais forte que sejamos, temos que deixar algumas pessoas entrarem e nos ajudarem de tempos em tempos.

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