Era outra vez – por Bianca Zasso
As discussões acerca da versão live-action da clássica animação dos estúdios Disney A bela e a fera faz lembrar que Hollywood poucas vezes foi adepto de ousadias. Revisitar um roteiro que deu certo no passado pode trazer novo fôlego para uma história, como também não passar de uma cópia feita com maior orçamento. Mas também é possível um equilíbrio, presenteando o público com duas obras criativas que utilizam a mesma base.
A distribuidora Obras-Primas do Cinema permite, com um de seus recentes lançamentos, que o espectador viva a experiência de apreciar duas vezes a mesma história sem cair na mesmice. A edição de O sétimo céu apresenta as versões de 1927 e 1937 da trama, originalmente criada para o teatro, de autoria de Austin Strong. Apesar de apenas 10 anos separarem os dois filmes, as mudanças são visíveis e vão além da adaptação da história do casal apaixonado que é separado pela guerra.
Sétimo Céu (sem o artigo), apesar de ter sido lançado no ano em que o som chegou ao cinema, é uma produção muda dirigida por Frank Borzage que foi premiada com três Oscar. Os prêmios não foram à toa. O diretor ousou ao mostrar a frágil Diane, interpretada por Janet Gayor, levando chicotadas da irmã viciada em absinto. Para os nossos tempos pode parecer uma brincadeira, mas a década de 20 não estava acostumada à tal violência.
A criatividade de Borzage também fica evidente na cena da escada, quando Diane é levada por Chico, um lavador de ruas, para conhecer o seu novo lar. Os sete lances percorridos pelos atores são acompanhados de perto utilizando o efeito da “parede cortada”. O truque ainda não era um clichê e colabora para aproximar o público do casal central.
Por falar em casal, a versão de Borzage tem seu foco na chamada mocinha, apresentando todo o seu sofrimento nas mãos da irmã malvada até seu encontro salvador com Chico. Diane está presente em praticamente todas as cenas e é a responsável pelo verdadeiro arroubo de coragem de seu amado, que reluta em ir para a guerra mas vê na fé de Diane um motivo para lutar.
Já em O sétimo céu (com o artigo), o diretor Henry King não foi chamado por acaso para assumir o filme. Seu talento para produções sobre amores interrompidos já havia sido notado em Inocente pecadora, de 1935. Só que a Diane deste momento, vivida por Simone Simon, passa a ser coadjuvante por dividir a cena com o carismático James Stuart. As sacadas cômicas viáveis pelos diálogos fazem os olhares do filme se voltarem todos para Chico e a personagem feminina se torna fraca perto da atuação mais intensa de Janet Gayor.
O olhar e a voz infantil de Simone Simon parecem forçados, em especial após a virada de sua personagem, que deixa de ser uma garota medrosa e triste para tomar o rumo da própria vida. É claro que o personagem masculino mostra seu peso nessa mudança. Ser uma “nova mulher” significa ser uma esposa devotada que lava, passa e cozinha. É curioso que, no filme de 1927, Diane arruma um emprego numa fábrica de munições e, dez anos depois, a Diane de Simone Simon opta por ser lavadeira em um hospital.
Uma escolha mais delicada para a Hollywood machista daqueles tempos, que parecia querer esconder do mundo que as fábricas só seguiram em frente porque as mulheres saíram de casa enquanto seus maridos, pais e irmãos estavam na guerra. Talvez uma Diane do século XXI, mesmo existindo em outro tempo, tomasse decisões mais incisivas e saísse para a rua, em protesto. Sonhar não custa nada.0
Transformações à parte, Sétimo Céu e O sétimo céu são filmes de esperança e garantem sorrisos até dos mais durões dos espectadores. Chico é ateu em ambas as versões e a tal “mão de Deus” se faz presente para sua redenção. Não convence todos nem parece realista, mas as outras camadas dos filmes suprem essa imposição católica do roteiro. Mesmo décadas depois de serem lançados, estes dois paraísos ainda emocionam e fazem pensar como histórias simples podem esconder talentos inovadores.
Sétimo Céu (7º heaven) e O sétimo céu (Seventh heaven)
Ano: 1927 e 1937
Direção: Frank Borzage e Henry King
Disponível em DVD pela Obras-Primas do Cinema
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