Coluna

A vida e o roubo de Charley Varrick – por Bianca Zasso

De antemão, esta colunista pede desculpas aos leitores pelo termo um pouco grosseiro utilizado assim, logo de início. Perdões realizados, vamos ao que interessa: o diretor Don Siegel é um safado. Quem vos escreve não teve informações sobre sua índole longe dos estúdios, mas quando ele se colocava atrás de uma câmera para realizar um filme, o americano de Chicago apreciava como poucos a oportunidade para enfeitiçar seu público sem desperdícios. Mesmo que sua produção tenha mais de 30 títulos, um deles merece destaque por ter envelhecido bem, tal e qual aquela garrafa de uísque que se esquece no armário e que surge na hora mais que necessária.

O homem que burlou a máfia, título usado no Brasil para o curto e grosso Charley Varrick original, é um dos filmes policiais mais criativos dos anos 70 e este título não é apenas por seu roteiro insólito. Inspirado na obra do escritor John Reese, a trama gira em torno de um assaltante de bancos com certa experiência que acaba arrecadando uma quantia pertencente a máfia durante um roubo. Daqueles acasos que não se sabe explicar nem na vida e nem na arte. Mas antes deste fato chegar ao conhecimento do público, Siegel conduz uma abertura que engana bonito o espectador.

Na cidadezinha de Tres Cruces, no Novo México, vemos jardins bem cuidados, crianças brincando, fazendeiros acordando para mais um dia de lida entre cavalos e vacas. Até a trilha, composta pelo argentino Lalo Schifrin, colabora para a atmosfera bucólica. Até que um casal estaciona em local proibido e é repreendido pela polícia. O marido vai ao banco descontar um cheque. A mulher aguarda. Placa conferida pelos tiras e não dá outra: carro roubado. E tem início uma das fugas mais incríveis do cinema de ação. Bang! O que parecia drama familiar torna-se filme de gente grande, sem direito a respiros por longos minutos.

Walter Matthau é a alma de O homem que burlou a máfia. Sua atuação é primorosa ao ponto de passarmos a primeira meia hora da sessão sem entender muito bem que é esse tal de Charley Varrick. Seu roubo foi bem articulado, apesar da ansiedade de seu ajudante e de sua esposa e motorista oficial, Nadine, ter sido baleada. Uma pausa para falar mais desta relação. Pouco sabemos sobre o casamento de Charley e Nadine, mas a cena em que ela abre mão de ajuda para garantir a fuga do marido é comovente. Ele responde a altura, lembrando a todo tempo de sua amada mas deixando sempre o sangue frio em primeiro plano. É esta paciência aliada com esperteza quem compõe o protagonista o segundo truque do filme.

A figura de Walter Matthau (que ficou conhecido pela minha geração como o Senhor Wilson da versão cinematográfica da animação Denis, o Pimentinha) mascando chicletes e passeando pela cidade em busca de explosivos e passaportes falsos parece um alerta de que nada vai dar certo. O surgimento do malvado Molly, interpretado por Joe Don Baker, pago para eliminar Charley e tirar a polícia do rastro da máfia só piora as coisas. Bang, bang! Matthau e seu chiclete salvam o dia.

Apesar de Don Siegel não ser um jovem realizador em 1973, ano de lançamento do filme, O homem que burlou a máfia tem leves nuances de Nova Hollywood, movimento de diretores iniciantes que mudaram a estética do cinema americano. Realizado dois anos depois de Operação França, onde William Friedkin traz novo fôlego aos policiais, o filme de Siegel tem mais alívio cômico e, analisado agora, parece mais comercial que alguns de seus “colegas”. Se vai ser revisitado daqui algumas décadas, ou mesmo redescoberto como novo clássico, só o tempo dirá. Enquanto isso, vale se divertir por uma hora e meia e diálogos precisos, onde tudo tem um porquê de existir. Mantenha o foco na legenda, caro leitor. Isso se as cenas bem construídas pelo safado Siegel permitirem.

O homem que burlou a máfia (Charley Varrick)

Direção: Don Siegel

Ano: 1973

Disponível no box Cinema Policial da Versátil Home Vídeo

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