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Ninguém – por Maurício Brum

Ela surgiu como uma rebelião, uma tentativa de superar a corrupção da CBF e dar mais autonomia aos clubes do futebol brasileiro. No longo prazo, a ideia era reunir os principais times do país sob suas asas e, eventualmente, substituir o Campeonato Brasileiro. O próprio nome resumia essa ambição: Primeira Liga. Mas ela só tinha uma chance de dar certo: e era fazer a revolução acontecer num repente, de uma hora para a outra, deixando os maiorais do futebol nacional desacorçoados.

Não aconteceu. Se a CBF é da forma que é, isso se deve – em boa medida – à própria politicagem dos clubes, que ajudam a eleger os presidentes das federações. Desde o princípio, a Primeira Liga sofreu com discordâncias internas, dissidências e com a incapacidade de seduzir os clubes de São Paulo e parte dos grandes do Rio. O resultado foi um torneio desprezado por todos: sem reconhecimento da CBF, disputado com reservas mesmo por seus idealizadores, e com uma fórmula esdrúxula – sempre jogos únicos e, no caso da edição 2017, às vezes com muitos meses entre uma etapa e outra da competição.

A Primeira Liga tornou-se o oposto de tudo o que queria ser. Em vez de reformular o futebol nacional, apenas encheu o calendário de partidas inúteis que não levavam a lugar algum – menos valiosas que o já desprezado campeonato estadual. Não conseguiu nem funcionar como Liga, e sequer como Primeira – em 2017, mais de metade das equipes que participaram do torneio sequer estavam na Série A nacional (foram oito times da B, um da C, e sete da elite). A própria final é reflexo disto, envolvendo o Londrina, um clube que não joga a primeira divisão há trinta e cinco anos. Ao mesmo tempo, o campeonato de mentirinha jamais conseguiu atrair sequer um clube de São Paulo, o estado que acumula mais títulos nacionais e internacionais no país.

Mais do que isso: a Primeira Liga tornou-se um fator extra para complicar a atribulada temporada dos clubes, porque, no Brasil, mesmo torneios que “não valem nada” são motivo para a torcida e a imprensa fomentarem crises. Já vemos isso com o superdimensionamento dos estaduais, em que a perda de um título desimportante é tratada como o fim do mundo. Daí à Primeira Liga era um passo. O Flamengo viu seu goleiro Muralha ser vítima de uma atroz campanha de desmoralização levada a cabo por um jornal carioca após falhar no jogo que custou a eliminação no torneio. O Paraná acabou demitindo o técnico Lisca depois de uma confusão sobre qual time (reservas ou titulares) escalar nas semifinais da competição.

No fim das contas, a Primeira Liga fez jus ao apelido de “ninguém liga”, e ainda há uma final por disputar, mas poucos vão realmente prestar atenção. Será um título perdido para sempre na poeira dos tempos: a edição de 2018 não deve acontecer, e alguém realmente acredita que o torneio voltará depois disso, com seus estádios vazios e suas equipes repletas de suplentes? Como as extintas Copas Sul e Sul-Minas, que pelo menos serviam para levar à Copa dos Campeões (e, daí, à Libertadores), a Primeira Liga vai para a gaveta da história como uma experiência fracassada e um título que, dentro de alguns anos, não será lembrado com orgulho por quase nenhum torcedor.

Como com a falida Copa União do Clube dos 13, que no fim dos anos 80 surgiu para bater de frente com a CBF e acabou cedendo à pressão, a Primeira Liga morrerá sem jamais ter cumprido seu objetivo inicial. Está adiada para outra geração a tentativa de superar os desmandos da velha cartolagem e dar mais autonomia aos clubes no Brasil.

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